Diário dos Açores

O Espírito Santo nas ilhas

Previous Article Previous Article Governo dos Açores vai aumentar o valor pago pelas horas extraordinárias dos médicos
Next Article Calço da Furna… mais uma trapalhada sem fim à vista!

Quando se fala nas festas do Espírito Santo há por norma dois tipos de pessoas: aquelas que as desconhecem ou as que imediatamente as associam aos Açores.
Nas últimas semanas, o povo açoriano voltou a expressar a sua fé na terceira Pessoa da Santíssima Trindade com emoção, alegria e saudade. Se a fronteira entre o religioso e o profano é ténue nestas celebrações, certo é que, em relação ao Divino Espírito Santo ou ao Senhor Espírito Santo – como muitos O invocam – há uma reverência e temor que são inexplicáveis. Não se trata de medo, mas de um respeito tão profundo, que a qualquer pessoa que lhe seja solicitada colaboração na realização das festas, raras são as que ousam mostrar-se indisponíveis. “Ao Senhor Espírito Santo nunca se diz que não”, afirmam os mais antigos e muitos dos novos.
Mas que festas são estas? É uma pergunta legítima de quem as desconhece.  
Não sendo uma festa com origem nos Açores, foi ali que ganhou maior notoriedade e expressão. E superou de tal modo a “original” – em Alenquer – que hoje, falar das festas do Divino Espírito Santo é falar dos Açores. É falar dos 9 pedaços de terra espalhados no meio do Atlântico que se confiam à proteção do Divino. O arquipélago e as festividades fundiram-se de tal maneira, que hoje são sinónimos. Este culto tão vincado nas gentes dos Açores, evoca a partilha de modo sublime. Ela é o norte da bússola deste culto.
Celebrar o Espírito Santo num arquipélago fustigado por vulcões e terramotos, mas povoado por gente brava, habituada a lutar contra todas as intempéries, tem um significado especial e próprio, porque muitas destas manifestações de fé recordam e atualizam as preces de um povo que se reconhece à mercê de uma qualquer catástrofe. Porém, não caminha sozinho porque a seu lado tem o Divino.
Por estes dias, as festas da partilha por excelência, saíram às ruas para colocar no centro das suas atenções os mais pobres e desfavorecidos. Foi para isto que surgiram e é para cumprir este mandado que devem continuar a existir.
Em quase todas as localidades as mesas apresentam-se fartas. As sopas, as alcatras, a massa sovada, o arroz doce, o pão e o vinho existem em abundância. Não há nada que falte e todos têm o necessário para que não existam privações, pelo menos nestes dias. Não há (ou não devia!) rico nem pobre, pessoas de primeira e de segunda. Todos são irmãos! E esta filiação fraterna acontece, porque no centro está Aquele que é a origem de tudo. N´Ele e com Ele, compreendemos que somos irmãossentados à mesma mesa.
O Espírito Santo tem também a sua casa – os impérios. A sua arquitectura é variada e muda bastante de ilha para ilha. Todavia, o essencial do mesmo é o trono/altar onde estão em destaque as coroas, levadas depois à igreja para que algumas pessoas possam ser coroadas. Tal acto quer implorar a bênção de Deus.
Regra geral, são coroados os imperadores ou mordomos (a designação também varia de ilha para ilha) que organizam as festas e/ou alguns membros das suas famílias.
Em certas localidades, existem mordomos, nomeados a cada ano, que têm a missão de organizar a festa do ano seguinte. Noutros casos, ou noutras ilhas, há uma pessoa que fica responsável por cada dia de festa, com o intuito de custear as despesas da refeição (as sopas do Espírito Santo). Essa refeição, chamada de “função” ou “serviço”, é muitas vezes, fruto de uma promessa ao Divino Espírito Santo. Em ambos os casos, deseja-se que sejam abertas à comunidade, para que o espírito da partilha, que norteia a celebração, jamais seja descurado.
Se na dimensão religiosa temos vários símbolos, como a coroa, o ceptro, o estandarte/bandeira, a vara ou a lanterna, as festas revestem-se também de um convívio que vai para lá da mesa. Isso passa, por exemplo, pelos bailes, bodos de leite (com distribuição de pão, leite e nalguns casos, vinho) ou pelo Pezinho que é uma moda regional, habitualmente associada aos cortejos dos bezerros. No decurso do mesmo, que se realiza a pé, pode-se passar pelas casas das pessoas que ajudaram o mordomo na preparação da festa e/ou por determinadas instituições da freguesia. Esta moda termina sempre no império e serve de agradecimento a todos os que ajudaram o mordomo.
As formas de festejar são múltiplas. Todavia, o desejo de que todos se sintam irmãos é exactamente o mesmo.
Foi com este desejo que as festas se estenderam a outros locais. Os da emigração açoriana, onde aqueles que deixaram a sua terra fizeram questão de levar consigo um pouco das suas raízes, e outros, em Portugal, que a partir de Alenquer, tomaram para si estas celebrações.


* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Adriano Batista*

Share

Print

Theme picker