Diário dos Açores

Quero abrir a janela de Alcochete...

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Olhei para a imagem daquela janela do outro lado do rio Tejo e gostei muito do que vi. Era mesmo encantadora! O gradil negro de ferro batido todo trabalhado em arabescos mouriscos, ornado com pequenos vasos de bouganvilles floridas, em tom fúcsia sedutor, como o vinho que dimana suave ao longo do tempo a lembrar um dos versos do “Soneto do Vinho” de Jorge Luís Borges: El vino fluye rojo a lo largo de las geraciones/Como el rio del tiempo y enel árduo camino. Admirei os detalhes da cobertura com telhas avermelhadas em linhas curvas, dando um ar romântico à tradicional janela do Ribatejo.
No entanto, era uma janela fechada em plenojunho, a Primavera do hemisfério norte. Observeias suaves cortinas brancas, também cerradas. Deixei o imaginário alçar voos e fiquei a divagar...tal como na vida fechamos, muitas e muitas vezes, a nossa janela para o mundo lá de fora, não permitindo que o sol da esperança entre de roldão iluminando tudo até os seus moradores. Será por medo de desnudar o coração e deixar os sentimentos na vitrine? Será medo de perder algo todo dia como dizia a poeta Elisabeth Bishop, “Lose something every day. Accept the fluster /of lost door keys, the hour badly spent./ The art of losing isn’t hard to master”. Saber perder, enfrentar a adversidade, levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima faz parte do bem viver, e é letra de samba na margem de cá do Atlântico.
Vamos combinar que não basta espiar por trás da vidraça como se estivesse à espera do carteiro. Nem pensar!  É inescapável escancarar a janela e deixar o olhar varrer o mundinho circundante, pequeno, morno e sem novidade. É preciso olhar à frente!
Sim, tem que escancarar a janela, de par em par, retirar o gradil elegante e buscar com o olhar alongado o essencial, o infinito que emerge para além do horizonte líquido. Pois, eu quero descortinar dessa minha janela imaginada que pode estar edificadano lado de lá do imenso Tejo, ou aqui em frente, aberta para o mar que namora a minha Ilha de Santa Catarina.
Quero abrir a “minha janela de Alcochete” para o mundo e deixar esbanjar a luz fulgente por todos os cantos da casa,se sentir livre de todas as amarras, ungida pelo astro rei que doura a terra morena onde sigo, passo a passo, o meu novo caminhar. Deixar para trás o mundo suspenso, cerceado que, por dois anos, separou-nos de tudo e de todos.
Mas, se algo der errado, vou cantar o Samba da Utopia, de Jonathan Silva...Se o mundo ficar pesado eu vou pedir emprestado a palavra poesia.[...].

*Vice Presidente do Conselho Municipal de Educação de Florianópolis / Membro da Comissão de Honra da Azores 2027 (Ponta Delgada/Açores Capital Europeia da Cultura)

Lélia Pereira Nunes*

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