O sucesso de um jardineiro açoriano nos Green Animals Topiary Gardens nos EUA
Diário dos Açores

O sucesso de um jardineiro açoriano nos Green Animals Topiary Gardens nos EUA

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Estamos no verão, a estação mais espetacular na Nova Inglaterra devido à engenharia florestal das árvores, das flores e dos arbustos num espetáculo maravilhoso. Por isso lembrei-me de sugerir-lhe uma visita aos Green Animals Topiary Gardens, que rea- briram dia 1 de julho.
Os Green Animals Topiary Gardens, expressão que pode traduzir-se como Jardim dos Animais Verdes em Topiaria, estão localizados em 380 Cory Lane, Portsmouth, RI e são pertença da Preservation Society of Newport County, organização não lucrativa que possui 14 famosas mansões da chamada Idade Dourada de Newport, sete das quais património nacional.
É o caso dos Breakers, de Cornelius Vanderbilt, o magnata dos transportes ferroviários; da Marble House, em que o irmão mais novo de Cornelius, William Vanderbilt, gastou 11 milhões de dólares para seduzir a mulher, Alva. Mesmo assim, ela mandou-o bugiar, mas ficou com a casa.
Embora fiquem 16 quilómetros distantes de Newport, os Green Animals Gardens são parte do iti- nerário turístico da cidade. São o jardim de topiaria mais antigo dos EUA e são um legado do português José Nunes Carreiro.

Nasceu na Ribeira Grande

Nascido nos Açores, a 26 de novembro de 1873, na Ribeira Grande, ilha de São Miguel, José Carreiro era filho de João e Escolástica Nunes Carreiro. Imigrou em 1890 para Fall River, com 17 anos, e começou a trabalhar na Sagamore Mill.
Pouco se sabe da juventude de Carreiro em São Miguel, mas de acordo com a história oral da famí- lia contada pela filha, Maria Mendonça, o pai e o avô eram jardineiros e trabalharam para os ricaços da ilha, nomeadamente na quinta do Pico do Salomão, que Vasco Bensaúde comprou a um comerciante de laranja inglês chamado John Nesbitt.
Quem chega ao aeroporto de Ponta Delgada e segue pela estrada para o centro da cidade, encontra à esquerda, lá no alto, um bairro de vivendas conhecido como Pico do Salomão. É ali que a família Bensaúde ainda tem a sua quinta com um jardim conhecido pelas formas de topiaria, a arte de dar às plantas configurações diversas.
A origem da topiaria parece remontar aos Jardins Suspensos da Babilónia, uma das sete maravilhas do mundo antigo e no século 19 os latifundiários ricos da ilha de São Miguel contratavam jardineiros ingleses e franceses para embelezarem os seus jardins podando as plantas em formas cónicas e piramidais.
Segundo a filha, Carreiro não chegou a exercer a profissão nos Açores e só se tornou jardineiro quando o patrão, Thomas Brayton, o contratou para cuidar da herdade que tinha comprado em 1872, em Portsmouth, uma propriedade de 28.000 m2 com pasto, horta, uma pequena casa e uma outra vitoriana que dava para a Baía Narragansett e se tornou a casa de verão da família Brayton.
Brayton era tesoureiro da Union Cotton Manufacturing Company, que possuia meia dúzia das 120 fábricas de algodão que laboravam ao tempo em Fall River, além do First National Bank.

Voltou a São Miguel
para se casar

Segundo Maria Mendonça, ainda antes de se tornar jardineiro, o pai voltou a São Miguel para casar com Maria Estela Sousa. A data exata do casamento é desconhecida, mas a primeira filha do casal, Inês, nasceu em 1905, ano em que Brayton mandou Carreiro para a propriedade de Portsmouth.
Inicialmente, Carreiro foi incumbido da horta para abastecer de frutas, flores e vegetais a casa dos Brayton na Prospect Street, em Fall River e que o motorista ia buscar duas vezes por semana.
Por sugestão do patrão, Carreiro acabou por mudar a família de Fall River para a casa pequena da propriedade de Portsmouth, onde já nasceu a segunda filha do casal, Anna, em 1908, seguindo-se José Nunes Carreiro (“Little Joe”) em 1910.
Carreiro começou por criar uma latada como as da terra natal e um pomar com figueiras, macieiras, pereiras e pessegueiros trazidos dos Açores. Maria Estela morreu tuberculosa em 1912, deixando Carreiro com três crianças para criar: Inês tinha seis anos, Anna três e Little Joe apenas 18 meses. O viúvo voltou a São Miguel à procura de companheira e casou com Maria Augusta Pimentel, que se tornou uma mãe para as duas meninas e o menino e lhe deu mais dois filhos: Maria, nascida em 1917, e Adolph, nascido em 1925. Maria era costureira nos Açores e passou a fazer o mesmo em Portsmouth. Foi quando trouxe a nova esposa dos Açores que José plantou as mudas de ligustro que iria utilizar para podar os seus famosos animais verdes, inspirando-se no que vira o pai e o avô fazerem em São Miguel. Era um autoditada cheio de intuição e a escolha do ligustro já revelou a sua perícia, cresce constantemente e precisa ser podado de duas em duas semanas.
Em 1917, os Brayton deixaram de usar a propriedade como casa de verão e, segundo Maria Mendonça, o casal Carreiro e os cinco filhos ficaram senhores de tudo, menos da casa vitoriana que foi encerrada.
A comunidade portuguesa de Portsmouth passou a frequentar a propriedade, reunia-se à noite com o casal para ouvir Maria ler as notícias do jornal português que recebia semanalmente ou ler-lhes cartas que chegavam dos Açores e às vezes Inês tocava piano e acompanhava as trovas portuguesas que Little Joe cantava.
Em 1936, Alice Brayton, a filha de Thomas, resolveu reabrir a casa vitoriana, embora continuasse a residir em Fall River, para cuidar do pai idoso e doente. Thomas Brayton morreu aos 96 anos, em 1939, e deixou a propriedade à filha, que resolveu mudar-se definitivamente para Portsmouth. Adorava flores e foi ela quem deu à propriedade o nome de Green Animals Gardens por causa da profusão de “animais verdes”. Era escritora e uma solteirona que gostava de conviver e ficaram famosas as receções que oferecia. Em 1945, a festa de debutante da futura primeira dama Jackie Bouvier foi no Green Animals Garden, que recebeu também a visita de Mamie Eisenhower, a esposa do presidente Dwight Eisenhower.

O destino dos filhos
de Carreiro

Qual o destino dos filhos de Carreiro? Inês tirou o curso de secretariado, trabalhou na loja Cherry & Webb de Fall River e casou em 1935 com Frank Mendonça. Anna tornou-se rececionista no Portsmouth Abbey, o mosteiro beneditino onde trabalhou até à sua mor- te. Little Joe tornou-se jardineiro, frequentou a Escola Agrícola Amhurst e foi contratado pelo diretor do New York Times para cuidar da sua propriedade em Great Neck, Long Island. Adolph tirou o curso de dentista na Universidade de Columbia e abriu consultório em Portsmouth. Maria tornou-se costureira e trabalhava em casa. Casou em 1940 com George Mendonça, que se tornou ajudante do sogro. Carreiro nunca falou inglês fluentemente, mas era um génio na jardinagem e ganhou centenas de prémios. Fazia o esboço dos canteiros e das figuras em papel branco de embrulho. Um maço de cigarros Camel, por exem- plo, foi o modelo para o camelo que criou no jardim. Ao todo criou 46 topiarias de animais em tamanho natural.
Convém lembrar que para “esculpir” uma planta são necessários vários anos de intervenções que, além de podar, consistem em utilizar estacas e armações para guiar o crescimento da planta e obter as formas pretendidas. Os animais maiores levam seis a oito anos para construir e os mais pequenos de três a quatro.
Os Green Animals Topiary Gardens compreendem uma grande coleção de 80 árvores esculpidas na forma de ursos de peluche, dois ursos naturais, elefantes, um camelo, uma girafa, um unicórnio, uma rena, um cão e um cavalo com o seu cavaleiro. Há também ananazes e mais de 35 canteiros florais, caminhos geométricos, um caramanchão, latadas e uma estufa que fornece as mudas utilizadas na propriedade.
Em 1948, o National Geographic publicou uma desenvolvida reportagem sobre José Carreiro, que faleceu aos 77 anos, a 28 de novembro de 1950, sucedendo-lhe o genro.
Em 2019, os Green Animals foram reconhecidos pela American Daffodil Society como um dos 28 jardins de topiaria existentes nos Estados Unidos e um dos três únicos na Nova Inglaterra.
Alice Brayton morreu em 1972, aos 94 anos, e deixou a propriedade à Preservation Society of Newport County, mas Mendonça continuou como jardineiro chefe até ele próprio falecer em 1985, 18 horas depois de Maria ter morrido. Tinha 80 anos e trabalhou 45 anos na propriedade. Pode dizer-se que José Carreiro criou os Green Animals Topiary Gardens, mas George Mendonça deu-lhe fama nacional.
Desde então, sucederam-se os jardineiros, que são atualmente uma dezena, enquanto Carreiro e o genro trabalhavam praticamente sozinhos.

por Eurico Mendes, nos EUA *


Exclusivo Portuguese Times/
Diário dos Açores

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