Diário dos Açores

Memórias de Macau VII: Da Europa ao Oriente-do-Meio

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Um dos primeiros europeus foi o muito esquecido Frei Bento de Góis (Vila Franca do Campo 1562-1607), que entrou para os Jesuítas em Goa (1584) com os seus dotes linguísticos e diplomáticos. Em 1595 foi emissário entre o Grande Mogul e o Vice-Rei das Índias. Em 1602 partiu em busca de Cataio, onde se afirmava existirem cristãos nestorianos. A viagem foi extensa (6 mil km) e longa (mais de três anos), com grandes obstáculos, muitos conflitos, profusão de reinos e estados, grandes montanhas e desertos num percurso em território pejado de muçulmanos com enorme animosidade contra os cristãos. Em 1606 chegou a Sochaw (ora Jiuquan), junto da Muralha da China, Dunhuang na província de Gansu e provou que o reino de Cataio e o da China eram o mesmo e que a cidade de Khambalaik, de Marco Polo, era Pequim. Doente (atacado, assaltado e ferido), sem meios de subsistência comunicou-o em carta ao padre Matteo Ricci, na corte de Pequim, que enviou o Pe. João Fernandes, jesuíta de origem chinesa mas quando chegou Bento de Góis já estava a morrer (11 abril 1607).
Marco Polo (1254-1324) viveu no Oriente 18 anos, adquiriu prestígio na corte de Kublai-Klan e no regresso trouxe novidades: macarrão, bússola, pólvora, a gravura em madeira (antecede a imprensa). Durante o cativeiro em Veneza com Rusticiano de Pisa, escreveu um livro de mitos e lendas, que não era a metade do que viu e ouviu. Este Livro das Maravilhas do Mundo despertou o imaginário. Infelizmente, serviu para alimentar as ambições para subjugar o Oriente à Europa pela ideia de que ali existia o Paraíso Terrestre.
Todos têm noções demasiado rígidas e normas a que não me cinjo. Já me chamaram de tudo, mas como não sou de velcro não pega nada, nem um rótulo. As inúmeras contradições emocionais que me assolaram em 2011, na viagem, estadia e semanas subsequentes foram um turbilhão imenso de sensações e afeções. Há muita coisa que me desagrada além de casinos em Macau, capitais do consumismo desenfreado que não cobiço, mas há jardins meditativos, museus, bibliotecas. Em crise, de valores, há um chamamento para as ancestrais práticas budistas. Viver na Lomba da Maia já é um despojar budista de materialismos inúteis.
Aprendi que o presente nada conta sem acartar o passado, o amanhã é sempre muito distante, mas é para o futuro que devemos trabalhar sabendo, antecipadamente, que nunca presenciaremos os seus frutos em vida. Embora ateu, fui criado como católico, apostólico romano, mas se um dia me aproximar de religião ou “modo de vida” será, o budismo, Filosofia de vida (Buda não era Deus nem seu representante). Perdi capacidade vingativa, mas apesar da elevada espiritualidade sem religião e de trabalhar graciosamente 99% do ano falta atingir a meditação transcendental, pois ainda não passo da meditação básica. Divagações e lucubrações mentais ensonadas enquanto gravo as atas do colóquio que teimo em dar aos participantes na acreditação, desde 2002, em vez de portuguesmente entregar um ano após o evento. Estou farto da maldade, da mentira e da injustiça, fujo das cidades que anquilosam o direito à liberdade de pensamento e expressão. Tornei-me mais eremita e anseio por um nicho que (por vezes) os Açores rurais já não proporcionam, se bem que melhores que Lisboa, Porto ou PDL.
Acordo a pensar em Macau mulher sedutora, irresistível. Deito-me a sonhar com ela, divago todo o dia em mil e um recantos que guardo ciosamente na memória com medo de os perder. Essa mistura imagética combina culturas e sons e persegue-me com mística enleante. Esta melopeia atrai-me, chama-me e seduz-me em cabaias provocantes, pede-me que a descubra como outrora a descobriram os portugueses que por ali andaram há quinhentos anos. Macau é nome de mulher, de deusa, de sereia, religião, de amores por mitigar.
Agora, em vez da imagem mítica de Macau retrógrada e com pinceladas portuguesas, surge nova identidade mais embiocada, voltada ao futuro, à imparável rapidez do progresso: prédios construídos com andaimes de bambu, estradas, pontes, túneis, aterros e junção de ilhas. A vontade de criar coisas novas sem descurar a herança do passado que marca a diferença entre esta urbe e as restantes megalópoles asiáticas. Nela, reavistei esconsos lugares que guardei na memória de trinta anos, e redescobri a cidade pujante de vida, onde dantes habitavam fantasmas de passados coloniais, plumas ocas de governantes, meros tigres de papel como os papagaios de seda que se levam à praia de Hác Sa para voar ao domingo.
Revi amigos e familiares como se só ontem me tivesse apartado deles, caiu a lágrima furtiva, pela memória de bons momentos juntos. Foi bom rever o pai adotado, octogenário que conduziu horas para se encontrar comigo, e os mais novos, nem sequer uns passos dariam.
Ao contrário de Vasco da Gama e comitiva que levavam contas e bugigangas, fomos recebidos como pertencendo ao séquito imperial na corte Qing, que nisto de cultura e sabedoria já as cultivam há milhares de anos. Assim, tratam os forasteiros, que vêm por bem, sem devaneios do Quinto Império, levando na bagagem o sonho da Lusofonia que a todos irmana num denominador comum, a língua que falam e trabalham, qualquer que seja o credo ou nacionalidade. Esta viagem ao sortilégio mágico dos orientes, foi a primeira para muitos, para outros um revisitar memórias, lugares, pessoas, espaços e tempos outrora importantes.
De insularidades já levo a minha conta de aprendizagens, feitas por medida no alfaiate dos sonhos, mas falta-me a imaginação de Marco Polo ou Fernão Mendes Pinto para descrever a inopinada ida ao Grande Império do Meio, no dealbar do outono da vida, rica e privilegiada de viagens e aprendizagens diversas em vários continentes. Sempre pródigo em palavras fiquei acabrunhado, emudecido pela inadequação ao tratamento com que me honravam. Havia a missão impossível, salvar o crioulo maquista em vias de extinção, com a ajuda dos poucos que, denodadamente, o tentam manter vivo. Para isso haveria de congregar esforços e abrir novos rumos. Falhei. Era um mero facilitador de vontades, buscando fazer a diferença com os Colóquios, a sociedade civil atuante com os mestres e patronos Bechara e Malaca Casteleiro.

 

*Jornalista, Membro Honorário Vitalício 297713
(Australian Journalists´ Association MEAA)

Chrys Chrystello*

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