Diário dos Açores

Democrático fervor da açorianidade

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 Na veterana condição de imigrante, com memória a oscilar entre imensidão oceânica do Pacífico e a seara democrática da açorianidade, gostaria de confirmar que cultivo o hábito de oferecer uma ‘olhada’ aos louvores democráticos subscritos pelos habituais comentaristas da nossa praça intellectual, mormente nesta quadra anual em que o coro dos deserdados vem à rua relembrar que, em democracia não há derrotas – há esperas!
Já clarifico o meu lampejar linguístico: afinal, as eleições acontecem para seleccionar projectos ou para escolher individualidades?  Estou em crer que a “dor de ser quase” poderá ser comparada  com um idoso em busca de sossego para acender uma velinha na escuridade. O medo (perdão! melhor dizendo, o pavor da tortura repetida) inspira muitos cidadãos a inventar governos; depois (dentro desses governitos) a cultura do medo engrossa a perpetuidade institucional, a fim de evitar o apagão do desemprego...
De resto, a sabedoria inerente à autonomia pessoal (não estou a falar de competência tecnocrática) só é possível quando o cidadão prefere “nao andar parado!  Há cerca de vinte  anos, o economista Gualter Furtado, (cavalheiro açoriano ausente da comunidade socialista que merece a minha consideração democrática)  teve a valentia de afirmar a diferença entre o exercício do ‘poder’ e a assunção da ‘responsabilidade’; e teve ainda o cuidado de afirmar, publicamente atraves da imprensa regional, o seguinte:  
“Os portugueses estáo a viver dos fundos comunitários e dos empréstimos.O país está a sofrer dois choques, o interno, devido à baixa produtividade, e o externo pela situação internacional que não é muito favorável para fazer face às necessidades do sector público, que tem que ser fortemente redimensionado”…  (vide “Correio dos Acores” - 10 Fev. 2002).
Meus caros:  caso fosse apóstolo da Verdade (mas… o que é afinal  a Verdade?) anunciaria não hesitar em apetrechar os autonomistas açorianos com eficientes asas angélicas;  todavia, com uma meiga condição a prori : cada qual teria de aprender a voar sozinho.  Digo isto, porque chegámos ao ponto de nos sentirmos felizes com a boa gerência da nossa tristeza… Se calhar, morrer é emigrar um pouco. Afinal, quem anda por aí a repetir que a morte nos torna eternos?...
Clarifico: a partir de1963 (sobretudo apos Abril-74) tive a boa-sorte de usufruir do acesso (gratuito) a Mestres valiosos que me ensinaram a comparar ideias e a compreender noções básicas da autonomia politica. A minha ignorância nunca foi retalho escondido no colete da vaidade.  
Clarifico: algum tempo após a minha experiência na ALRA, assentei  praça na bancada parlamentar do PS, em San Bento (Janeiro -1978), onde me foi dado conviver com alguns dos veteranos mais ‘sabidos’ da engrenagem  politica do tempo – camaradas que depressa notaram o meu sincero (embora tímido) apetite pelo saber: refiro-me aos drs. Jaime Gama, Medeiros Ferreira, Mário Mesquita, Mário Cal-Brandão, Teófilo Carvalho dos Santos, Igrejas Caeiro, António Guterres...   
Naquele tempo, tive a boa sorte de aprender que o ‘saber’ e a ‘liberdade’ não são adquiríveis pela via decretal das capelitas maçónicas…  Ainda hoje, continuo a aprender que o ‘hímen’ da autonomia politica continua a ser amarfalhado pelo ceptro do capital internacional. De resto, nunca subscrevi a portaria de que os Açores são uma região oceânica formada por São Miguel rodeado por oito ilhas…
Seja-me permitido recordar que cerca de dois anos antes da Primeira Vitória do PS/A,  deixei registado na comunicação social da diáspora lusófona, o seguinte comentário : “ (.../…) uma crise é como uma febre que não define claramente a natureza da doença, mas serve ao menos para alertar quem tem a indeclinável  responsabilidade de diagnosticar e de ministrar a subsequente terapêutica aconselhada; a gritante crise social que  grassa nos Açores, embora acelerada na última década pelo social-narcisismo do PPD/PSD, não deve ser vista como fatalidade acontecida a um povo mal treinado para suportar penitentes necessidades.”
Ora, para muitos açorianos, a coragem de aprender não é vista como acto da inteligência, mas sim como admissão pública duma inconfessada enfermidade. Lamentavelmente,  nunca chegou a ser encetada nos Açores uma experiência autonómica assente num regime (inequivocamente) social-democrata… Assim sendo, incumbe ao PS/A a tarefa de viabilizar a social-democracia nas ilhas, sem complexos teocráticos nem teimosias jesuíticas…
Em Outubro de 2012, o povo açoriano ofereceu ao PS/A um grande bolo de massa-sovada de responsabilidade. Não apreciamos o ‘balho-furado’  celebrativo da pequena-burguesia socialista. Não desejamos ver os socialistas como “peixinhos vermelhos a nadar em água benta” . Afinal, a inveja comunitária é uma “guerriha inventada pela genética e praticada pelo biologia”. O mundo é redondo e todos andamos curvados para entender o (des)equilibrio do momento que passa…
Há fome nos Açores? Ora vejamos: na edição do “Correio dos Açores”, de 29 e Agosto de 1999, a dra. Luísa César afirmava com invulgar sentido de oportunidade: “… temos 6.000 bocas com fome em S.Miguel… situações graves que estamos aquém de dar resposta às necessidades. Temos de ter um máximo rigor na distribuição, de forma a que os apoios cheguem às pessoas que de facto precisam…”
 Bom dia, estimado camarada, dr. Vasco Cordeiro: se calhar, vamos precisar da Secretaria Regional da Verdade!  Não me agrada saturar os olhos do prezado leitor com louvores  ao futuro  gestor da administração regional , embora já no Verão de 2004, mencionasse Vasco Cordeiro como potencial successor de Carlos César… Felizmente, os actuais governantes da Autonomia não estarão ocupados em resolver  ‘os problemas da evacuação da humanidade para o exterior, antes da morte do Sol…
Caríssimo camarada Vasco Cordeiro: confesso que não recordo de vos ter visto, na tarde de 27 de Abril de1974, junto às Portas da Cidade, quando por ali andei com um filho em cada braço, à espera do major Melo Antunes neutralizar a fechadura da nojenta  pide/dgs.
(Hoje, vim aqui para sugerir que o futurol camarada gestor da Autonomia seja avesso ao estilo presidencialista, ou seja, imitador dos grandes maestros musicais que controlam as suas orquestras com o respectivo traseiro voltado para a assistência)…  

P.S. .../... falta referir que o supracitado modesto conselho vai assinado pelo signatario - camarada que, em Outubro de 1980, partiu para melhor ficar - ou seja, veterano democrata-imigrante  que prefere viver à custa do que é, do que existir à custa do que tem…

 

(*) texto escrito `a revelia do recente acordo ortografico)

João Luís de Medeiros*

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