Diário dos Açores

O dilema do desenvolvimento do Pico

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1.- O verão chegou atrasado e ainda não acertou passo com a vida das gentes daqui que anseiam águas do mar temperadas, convidativas a uma tão necessária descompressão.
Não fosse a ligeira indumentária dos nossos visitantes ao desembarcarem na ilha, lembrando-nos que os dias de calor noutros lados há muito chegaram, e nem se dava por isso. Até no domínio da meteorologia os tempos mudaram...
O certo é que a temperatura está amena e dela beneficiam os turistas que em número apreciável visitam e animam esta ilha do Pico durante a época alta, segundo confirmam os mais recentes dados estatísticos.
Se entre janeiro e junho do corrente ano a procura suplantou, como se esperava, a registada o ano passado em quase oito mil (7.977) passageiros desembarcados via aérea,  num total de 34 086, pode-se concluir, sem receio de errar, que este vai ser o melhor ano de sempre para a atividade turística desta ilha. É nisso que acreditam os investidores do setor.
Segundo o SREA (Serviço Regional de Estatística dos Açores) em dezembro de 2021, estavam registados na atividade turística 423 estabelecimentos oferecendo uma capacidade de alojamento total de 2.834 camas: sete unidades pertencem à hotelaria tradicional (543 camas) e 416 ao setor do alojamento local (2.291 camas).
Quer isto dizer que a ilha do Pico mantém, no arquipélago, a terceira posição na oferta de alojamento – acima do Faial que se limitava às 1974 camas.  
A aposta nesta atividade económica, cujas contingências são bem conhecidas, não pára de manifestar-se.
Os investidores locais, ao que dizem, sem apoios financeiros, optam por adquirir e transformar antigas residências rurais dotando-as do necessário conforto e dos equipamentos típicos tradicionais onde se recorda a antiga ruralidade picoense, em vias de desaparecer.
Há investimentos de maior dimensão e com outras valências a serem também construídos à volta da ilha, inseridos em pequenos portos e enseadas, com vista para as ilhas em frente (Faial e São Jorge), enquanto outros, de idêntica tipologia, aguardam substanciais apoios da União Europeia para poderem concretizar-se.
Podem parecer deslumbramentos estas minhas considerações, face aos problemas reais.
2.- Todos os investimento privados no turismo, na vitivinicultura e na atividade económica não conseguirão calar as reais carências demográficas que há muito se vêm revelando, sem que nada se tenha feito para estancar essa hemorragia.
A consequência mais direta é o envelhecimento da população, a falta de empregos e de mão de obra, os baixos salários e o fenómeno preocupante da desertificação dos meios rurais mais despovoados.
Esta contradição atinge as regiões pobres e subdesenvolvidas e não pode ser uma fatalidade insanável. Como há muito se vem constatando nos processos de desenvolvimento, as regiões mais ricas crescem desmesuradamente e as mais pobres  ficam cada vez mais enredadas em sistemas de pobreza, onde a maioria é cada vez mais pobre e uma minoria de privilegiados cada vez mais rica.
Os próprios índices do crescimento económico que hierarquizam as cidades e vilas pelos níveis de bem-estar, facilidades de acesso aos bens culturais, aos cuidados de saúde e à aquisição de produtos e bens essenciais e, sobretudo pelos níveis salariais são, sobretudo, fatores de atração dos jovens em início de carreira, pois, por um lado, promovem a concentração social, empresarial e económica e, por outro, a desertificação silenciosa de muitas áreas populacionais.
A lógica neoliberal que preside à União Europeia está a produzir dois mundos antagónicos que dificilmente se aproximam numa sociedade solidária onde todos vivam em condições humanas.
É por isso que uma radiografia social do arquipélago deve ser feita de ilha a ilha para ser credível.
Não se pode continuar a dar uma imagem dos Açores como um todo, quando as partes são tão desiguais, vivem constrangimentos crónicos, níveis de pobreza crescentes e atrofiamentos económicos e sociais que os investimentos no setor turístico não conseguirão ultrapassar.
Enquanto os investidores e as autoridades não se comprometerem em valorizar as suas empresas e efetivos laborais proporcionando-lhes formação profissional adaptada às necessidades e valências, níveis salariais dignos e ajustados à situação e compromissos das famílias, os trabalhadores não se sentirão atraídos em permanecer na sua terra e migrarão em busca de melhores condições de vida.
Este círculo vicioso da miséria, se não for interrompido rapidamente, comprometerá quaisquer pequenos ou grandes investimentos, se as condicionantes laborais e salariais não forem tidas em conta.
Os picoenses têm de enfrentar este problema com determinação e coragem, cientes de que não basta a mãe-natureza ter dotado a ilha com tantas belezas e potencialidades para viverem bem aqui.
Face ao desenvolvimento desigual da região importa que TODOS tomem consciência de que a Ilha só será sua quando todos os que nela estão se sentirem dignificados no seu trabalho e no amor à terra que os viu nascer.

*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

José Gabriel Ávila*

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