Diário dos Açores

Recordando Maria Mendonça e Silva Júnior - A deixada herança a unir os arquipélagos Açores - Madeira

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Nós, ilhéus, sempre tivemos o fascínio por outras ilhas, pela descoberta de outro lugar, que embora semelhante ao nosso, tenha qualquer coisa que nos atraia  e nos obrigue a ir conhecer para que fiquemos mais ricos…
Desde há muito que a ligação existente entre os Arquipélagos da Madeira e dos Açores tem sido de grande proximidade. A atestá-lo, recordo, e recuando aos anos 20 do século passado, que o Marquês Ayres Jácome Corrêa, possuidor de uma vasta obra literária, escrevendo sobre a história dos Açores, também publicou um livro sobre o ‘’Arquipélago irmão’’, intitulado ‘’A ILHA DA MADEIRA, IMPRESSÕES E NOTAS ARCHEOLÓGICAS, RURAES, ARTÍSTICAS E SOCIAIS’’, concluído em 1925, e impresso em Coimbra, em 1927.
A admiração e o carinho que imprimiu nessas impressões, denotam a grande admiração e respeito que o unia ao povo madeirense, traçando um fidelíssimo retrato da sua índole e das suas origens.
Ayres Jácome Corrêa, foi o fundador e dirigente da Revista Micaelense que se publicou entre 1918 e 1921, de uma superior qualidade informativa, soberbamente ilustrada que, nos dias de hoje, a todos serve de referência.
Outro escritor açoriano, nascido na ilha Terceira, Acúrcio Garcia Ramos, e estudioso da história natural, publicou, entre outras obras, os livros “Notícia  do Arquipélago dos Açores e Do Que Há Mais Importante Na Sua História Natural”, em 1869, em Angra do Heroísmo (com segunda edição revista em 1871 em Lisboa), a que se seguiu “Ilha da Madeira”, obra em dois tomos, publicados em 1879 e 1880, onde além da análise dos usos e costumes madeirenses, apresenta uma listagem detalhada da fauna e da flora do arquipélago’’.
No meu tempo, recordo a  nordestense Maria da Trindade Mendonça (1916-1997), que tinha o seu coração dividido entre os dois arquipélagos, tendo em 1954, juntamente com o seu muito amigo Silva Júnior, realizado, o I Stand Insular da Feira do Livro de Lisboa, com um stand  em que figuravam autores e editores madeirenses e açorianos, tendo o patrocínio  do editor, António Maria Pereira. A presidir à inauguração esteve o então Ministro da Educação.
Nesse ano, Maria Mendonça, foi homenageada com um significativo banquete de homenagem pelo êxito cultural  e propagandistico do I Stand Insular.
Da Madeira, vieram orquídeas para o acto inaugural.
Intitulavam-na de: ‘’operosa obreira das «coisas» da Cultura Madeirense’’, sendo ainda hoje uma figura muito amada e respeitada na ilha onde viveu a maior parte da sua vida.  Mulher de uma grande frontalidade, não tinha ‘’papas na língua’’, sendo uma das características, que o então Presidente do Governo da Madeira Alberto João Jardim, segundo nos expressou, muito apreciava, tendo-a distinguido com a  ESTERLÍCIA  D’OURO’’, galardão instituído pela Secretaria de Turismo e Cultura para distinguir personalidades que tivessem contribuído para o desenvolvimento da Madeira.
Foi amiga de Natália Correia (1923-1993), e sócia na Livraria Pátio, juntamente com Maria Lamas (1893-1983) e Vera Lagoa (1917-1996).    Mas, outras  figuras, infelizmente já desaparecidas,  deram o seu testemunho durante décadas sobre essa irmandade e coexistência, tais como João Silva Júnior,  que juntamente com o madeirense Mota de Vasconcelos, director, editor e proprietário da Revista Açores-Madeira, nos idos anos 50, realizaram eventos em ambas as ilhas,
A Revista Açores-Madeira, que teve o seu início em 1950 e o seu término em 1960, era profusamente ilustrada com diversos anúncios e variada colaboração literária e o seu editor vinha com alguma regularidade aos Açores, tendo pouso fixo no antigo Bureau do Turismo, dirigido por Silva Júnior, local de encontro da intelectualidade de Ponta Delgada.
Na introdução que Mota de Vasconcelos escreveu no primeiro número da revista, faz-nos um relato entusiástico da impressão que tinha sobre os Açores, e que passamos a relatar:
‘’Quando no dealbar da Primavera de 1948, vimos e pisámos pela primeira vez, a sugestiva urbe de Ponta Delgada, capital do adorável, encantador e hospitaleiro Arquipélago Açoriano, e, mais tarde, outros mimos do colar das nove pérolas que Portugal marinheiro ganhou na bravura audaz da Descoberta, - não podíamos supor que ficaríamos  preso  naquela teia de feitiço tecida pela beleza surpreendente de terras de  verdadeira maravilha e pela índole da sua gente carinhosa e sã’’.
E continua:
‘’ E tão impressionista e tão dominante foi o sortilégio, que, quando nos olhamos intimamente em plena consciência  e sinceridade, vemos erguido no nosso coração, um altar de terníssima e indestrutível devoção pela terra e pela grei açoreanas, alfobre prolífero  de vultuosos e geniais  talentos nas ciências, nas artes, na literatura e fiel guardiã das mais belas e excelsas virtudes da Raça e da Tradição lusíadas’’.
Mota de Vasconcelos pertenceu à tertúlia «A ILHA», juntamente com outros vultos da vida literária e intelectual da cidade de Ponta Delgada, tais como: Fernando Reis, jornalista, Lopes de Araújo, Fernando Lima, Virgílio de Oliveira, poetas, e também o etnógrafo Francisco Carreiro da Costa, José Barbosa, poeta e revisteiro, e outros mais, intitulando  a ‘’assembleia periódica sob a égide de… Pantagruel, Dionísio, Demócrito e Platão – isto é, sob a inspiração dos «comes» e «bebes», do rir e do filosofar’’.
Tive, oferecidas por um amigo, estas revistas encadernadas; no entanto, com o protocolo que firmei com a Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada, doando parte da minha biblioteca àquela instituição e que inclui aqueles números, não os tenho actualmente à mão.
João Silva Júnior, que viria mais tarde a ser Director do jornal Diário dos Açores, era quem ligava as pontes. Do Bureau,  fazia a sua sala de visitas, sendo um homem de maneiras requintadas, sóbrio e muito culto, atraía como um íman todos aqueles que se interessavam pela cultura e história da ilha.
Foi Silva Júnior quem sugeriu a criação do «Círculo de Amizade Madeira-Açores», a que aderiram alguns nomes de prestigiados funchalenses, os Drs. Álvaro Reis Gomes, Alberto Veiga Pestana e José Jacinto da Câmara, assim como o grupo constituído na ilha de S. Miguel, para além de Silva Júnior, Joaquim Maria Cabral, e os Drs. Agnelo Casimiro, Aníbal Cymbron Barbosa, Francisco Carreiro da Costa, para além de outros mais que tiveram a honra de se juntar.
Ao folhear os jornais dessa época, recordo ter visto fotos de exposições que se fizeram na ilha da Madeira,  de artistas açorianos, sendo o jornalista João Silva Júnior o curador juntamente com Mota de Vasconcelos.
Mota de Vasconcelos, segundo me disseram,  era uma figura distinta e cativante, não muito alto, de cabelo alvo e ondulado,  sempre muito bem vestido, voz grave e acento pronunciado  para   lembrar a sua origem madeirense. Era extremamente activo e visita assídua à ilha de S. Miguel e a todas as outras ilhas do arquipélago açoriano, onde buscava para a sua revista colaboração e anúncios.
Mais tarde, encontrei  um madeirense de boa estirpe, o nosso amigo Poeta e escritor João Carlos Abreu, e nestes últimos anos conheci melhor a ilha da Madeira e a índole do seu povo, pois só através dos olhos e da voz de alguém nado e criado no lugar que se visita, é que podemos conhecer a realidade, a natureza e a sua cultura.
João Carlos Abreu tem aberto o caminho para um entendimento cultural recíproco entre os dois arquipélagos. Tem sido o seu grande amor e entusiasmo que tem agregado poetas, escritores e artistas, criando um verdadeiro intercâmbio nestes últimos anos. A sua generosidade não tem tido limites, e a sua sede de ir sempre mais além seca-lhe o sono, mas não a coragem de enfrentar adversidades. No seu vocabulário não existe ‘’não’’ que a nada leva, mas o ‘’sim’’ que tudo perfaz e concretiza.
Pois, se tem sido com a visão destes homens, uns que já partiram -  para o longe onde todos iremos estar um dia -, deixando uma herança de décadas de boa vizinhança e entendimento entre estes dois arquipélagos, e outros que continuam a achar que vale a pena continuar a amar as gentes e estes pedaços de terra que o mar bate e acaricia, quem ultimamente tem estado a comandar e ao leme do intercâmbio das Casas da Madeira e dos Açores, é esse poeta jovial e iluminado e também nosso  Amigo, João Carlos Abreu, que ainda a semana passada nos trouxe uma embaixada de ilustres visitantes madeirenses para dar a conhecer a nossa ilha, seguindo as pisadas dos seus antecessores.
Nós, em boa companhia e de saudosa memória: Maria da Trindade Mendonça e João Silva Júnior

 

Victor de Lima Meireles *

 

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