Diário dos Açores

Não basta o diagnóstico para curar a doença

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Já vai sendo fastidios o falar dos cuidados de saúde na ilha do Pico, tal a incapacidade das administrações regionais em ousarem reformar e inovar as respostas públicas a que os cidadãos têm direito, seja no SRS, seja no SNS.
A manifesta inoperância dos responsáveis resultam de um evidente desconhecimento das situações em que vivem milhares de pessoas, sem acesso fácil e atempado aos cuidados de saúde diferenciados e aos meios complementares de diagnóstico.
Só quem vivem em ilhas sem hospital sabe as dores, as peripécias e as dificuldades por que passa, habitualmente,  quem está doente: são as deslocações por terra e por mar, o tempo de espera nos hospitais sem que se cuide desses utentes, são as longas demoras de dias, meses e anos até se conseguir uma consulta de especialidade, uma cirurgia, um tratamento. É mais um calvário numa vida já de si penosa que deveria ser compensada, em fim de ciclo, por cuidados médicos diferenciados a que todos deveriam ter equitativo acesso.
A prestação dos cuidados de saúde é um serviço a que o Estado e a Região têm de responder com equidade e qualidade, pois esse dever é indissociável do direito à vida e ao bem estar dos cidadãos.
Compete-lhes, por isso, reivindicar, sempre que se julguem lesados, o cumprimento das responsabilidades e promessas públicas, sob pena de se transformar o poder numa autocracia institucionalizada.
O Jornal “Ilha Maior”, na sua edição de 15 de julho último, revelou que “O Governo dos Açores está a estudar a possibilidade de agrupar os centros de saúde das ilhas do Pico, Faial, Flores e Corvo numa unidade única”.
A intenção do executivo é juntar os três centros de saúde do Pico, o da Horta, o das Flores e o do Corvo num único agrupamento, acabando com as unidades de saúde de Ilha, mas sediando  na Horta um único Conselho de administração, a gerir a prestação de cuidados de saúde primários das quatro ilhas.
A notícia é, no mínimo, surpreendente, pois contradiz uma Carta aberta dirigida por J.M.Bolieiro ao eleitor açoriano, onde o líder do PSD-Açores revelava os propósitos da Agenda de Governação para a década 2020-2030: “Queremos uma saúde de qualidade e de proximidade.
Queremos uma saúde igualitária no acesso, humanizada nas práticas,eficiente na gestão.”
 O diagnóstico pré-eleitoral parecia correto e o quadro de soluções ia de encontro às antigas reivindicações das populações num domínio tão sensível e importante.
 De um momento para o outro, a Secretaria da Saúde envereda por um paradigma que discrimina utentes e os cuidados médicos, porque “acentua[r] as desigualdades de acesso a cuidados de saúde entre açorianos que vivem em ilhas com ou sem hospital.”
E mesmo quando as eventuais alterações visam, alegadamente, reduzir custos, há dois pesos e duas medidas. Na Terceira, por exemplo, existem dois centros de saúde: Angra e Praia da Vitória e quando este encerra o serviço de atendimento urgente antes da meia noite, os utentes acedem rapidamente ao Hospital do Santo Espírito.
Não é isso que sucede no Pico, pois as distâncias entre algumas localidades dos outros concelhos e o Centro de saúde da Madalena são muito maiores, (nalguns casos superiores a 50 Kms) e em casos limite, o destino é, normalmente o Faial.
Segundo o manifesto de J.M.Bolieiro, há que encontrar e promover, “no âmbito da acessibilidade e proximidade,(...) todas as medidas que conduzam a uma atempada prestação de cuidados a todos os açorianos, nomeadamente:
• Promover, de forma planeada, a deslocação de profissionais de saúde, nomeadamente médicos, às diferentes ilhas, em especial, às ilhas sem hospital;
• Facultar a livre escolha, por parte do utente, do hospital onde pretende ser tratado, pressupondo a existência de uma plataforma informática (que a legislação prevê, mas não se cumpre).”
Será que os responsáveis da Saúde conhecem estes compromissos e os dos deputados eleitos, designadamente, a construção de um novo centro de saúde das Lajes, o serviço de atendimento urgente que, pela calada dos gabinetes se pretende reverter e outros propósitos que sempre pesam à boca das urnas e que, quando não satisfeitos, geram a desconfiança nos eleitos, na democracia e no processo político?
A promessa de “reavaliar  a organização do SRS, no sentido de conferir maior proximidade no processo de decisão e de prestação de cuidados” feita por Bolieiro na carta ao eleitorado, pelos vistos, foi publicidade enganosa e, como tal, tem de ser punida. Dessa responsabilidade também não se podem ilibar os deputados eleitos, cujo silêncio revela quão subjugados estão às incompetências e interesses das cúpulas partidárias.
A Palavra de Honra tem um valor inestimável, quase absoluto. De tal modo que o povo tanto a respeita que nem exige assinatura reconhecida.
O mesmo não acontece com a verbosidade engenhosa e enganadora do discurso de governantes e políticos.
No caso do encerramento dos centros de saúde das três ilhas sem hospital, recuperando e incentivando um centralismo administrativo ex-distrital que se julgava banido do pensamento autonómico, estão em jogo milhares de açorianos, gente que, no ocaso da vida, é desprezada pelas suas impiedosas maleitas.
O mais absurdo e desumano no domínio do direito à saúde é avaliar os cuidados prestados com base na regra neocapitalista do custo-benefício, como se a vida fosse um bem transacional e a sua mais-valia a capacidade produtora do ser humano. É contra esta desumanidade que me insurjo. É contra este protagonismo insensato e pseudo-reformista que protesto, o qual não indo ao fundo das questões em busca de soluções equitativas para os cuidados de saúde, opta por calar a boca dos profissionais do setor, melhorando-lhes salários, sem auscultar as populações e quem está no terreno.
Se a preocupação de quem governa é agradar aos parceiros em jogos de poder, num tem-te-não-caias periclitante, que se cuidem as populações das ilhas menos populosas nos seus legítimos direitos à vida e à saúde, porque piores dias virão!...

 

*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

José Gabriel Ávila*

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