Diário dos Açores

Ainda seremos escravos? Sempre, da nossa ambição!

Previous Article Previous Article Centro de Saúde de Velas vai ser ampliado
Next Article PSP detém homem por violência doméstica e apreende várias armas PSP detém homem por violência doméstica e apreende várias armas

“A vida de um açoriano é a arte do desencontro.
Rosário abandonara a ilha que a protegia. Afinal, o mar não era o inimigo.
O mar aconchegava-a.”

O autógrafo do Almeida Maia recaiu sobre o meu exemplar de A escrava açoriana já depois de o ter lido, ou melhor: devorado. Reparei que ele percebeu o pormenor das datas mencionadas no início do livro; a data de início de leitura e a de fim. E sorriu, como os que sorriem com a alegria e o contentamento de chegar ao coração dos outros através da literatura.
Sempre que Almeida Maia se lança numa nova aventura literária sigo-lhe o caminho. Pouco interessa o tipo de escrita ou o tema do livro. Importa-me o nome, a pessoa que por detrás daquele novo livro se insurge: Pedro Almeida Maia. O mesmo Pedro que venceu o Concurso Literário Letras em Movimento, em 2010, sendo que, volvidos 12 anos, a maturidade da sua escrita e do seu conhecimento evoluíram muito; muito mais do que o equivalente a 12 anos.
O Pedro é um escritor nobre, humilde e simples: sobretudo simples! Tendo todas as prorrogativas para se fazer demarcar no mundo editorial por destaque próprio, este bom amigo e colega das escritas sabe bem deixar o rio fluir, a árvore crescer e o coração bater: devagar e a passo certo; sem grandes pompas nem outras circunstâncias.
O Almeida Maia traz-nos, desta vez, uma personagem forte e ao mesmo tempo frágil, decidida e em simultâneo dividida. Mas uma mulher de grande porte, sem dúvida.
Rosário de seu nome, como se de um terço abençoado se tratasse.
Rosário, a escrava açoriana, que se nos mostra desde a jovem rapariga a partir para o Brasil em busca de algo melhor até à adulta que toma consciência de todas as suas ações e de todos os conflitos da sua vida.
Desde a pequenez de se nascer num meio pobretanas até ao ser apaixonado, iludido e, mais tarde, atormentado em que muitas vezes nos tornamos, Almeida Maia leva-nos neste livro ao decurso da vida de uma pessoa tão frágil e simples, como qualquer um de nós; tão rebelde e impotente, como qualquer um de nós; tão sonhadora com um mundo melhor, como qualquer um de nós.
Num romance que enquadra a História dos Açores em personagens fortes e vivas, este escritor leva-nos ao Brasil, à vida das ruas, das doenças, dos becos sem saída, das dores fortes do coração.
A grande diferença na escrita deste nosso açoriano é que ele nunca revela qualquer escravidão ao escrever. Muito pelo contrário. Sentimos que ele escreve livremente, sem qualquer ânsia, medo ou pressão. É ele, o Pedro Almeida Maia, quem fala connosco em cada frase simples ou exacerbada, que nos revela como se sente e como vive esta jovem rapariga; ora emigrando ilegalmente, ora chegando ao (suposto) paraíso, ora calcando a terra dura que lhe há de trazer sofrimento e dor, apenas. Tudo em 220 páginas.
Do amor secretamente guardado no peito às dores de ser de outrem sem o querer, esta mulher representa a capacidade de perseverança e de hombridade consigo própria, e o velho ditado nunca fez tanto sentido: “se eu não gostar de mim quem gostará?”
Rosário vence medos, vence a vida, até a morte, mas e a culpa? Será ela sempre motivo de discórdias no seu interior, mesmo quando a felicidade lhe assoma a porta? Talvez. Talvez seremos sempre escravos de algo, sejamos dos açorianos ou não. A ambição que reside dentro de nós nunca parte, e é com ela que temos que ter cuidado: sempre!
Sejamos ou não escravos de algo ou de alguém, este livro é para todos e para cada um de nós, principalmente para percebermos a liberdade que temos para sermos felizes, sem qualquer receio ou dificuldade.
Continua, Pedro, a ser este homem fiel ao que escreve e ao que sente, que nós seremos, de boa vontade, escravos da tua leitura!

“Para encontrarmos a nova ilha que somos, é preciso afastarmo-nos do continente que já fomos.”

 

* Diretora da Livraria Letras Lavadas
Editora da 9idazoresnews.com

Patrícia Carreiro *

Share

Print

Theme picker