Diário dos Açores

E Viana? (do fundo do baú da memória)

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Li no Diário no dos Açores, edição de 31 de Julho p.passado, uma breve notícia sobre a criação de uma nova Casa dos Açores no Estado brasileiro do Espírito Santo, cuja capital Vitória, a exemplo de São Luís e Florianópolis, está situada numa Ilha. Toda esta celebração aconteceu depois da comemoração dos 70 anos da Casa dos Açores do Rio de Janeiro e o III Encontro Açores Brasil.
A nova Casa dos Açores está localizada nos limites dos municípios: o capixaba Apiacá e o fluminense Bom Jesus de Itabapoana, todos no Vale de Itabapoana. No dia 26 de julho, na cidade de Viana, Dr José Andrade, Diretor Regional das Comunidades, recebeu o merecido título de cidadão honorário de Viana e ainda neste dia foi inaugurado, na Praça Expedicionário Jerônimo Leite, o monumento em homenagem aos açorianos, simbolizando a Coroa do Espírito Santo, insígnia emblemática da devoção do Divino Espírito Santo de todos açorianosque a levam junto ao coração ou até debaixo da pele, estejam de estiverem.
 Os acontecimentos históricos e culturais documentam uma página relevante da saga de açorianos pelo mundo e por este continente Brasil. A leitura de tão belos feitos levou-me ao baú da memória e de lá resgatei um artigo publicadoem fins de 2007 na imprensa açoriana e, se esta mesma memória não está a me trair, no Correio dos Açores e, também, no Portuguese Times, de New Bedford (EUA), então dirigido por Manuel Adelino Ferreira.
    Hoje, passados quinze anos, volto àquela crônica e pincelo alguns parágrafos para os açorianos de hoje. Recordo que a pergunta, insólita e provocativa que coloquei como título pedia uma resposta e quem sabe uma sacudidela na memória do leitor. No ano anterior, em 2006, quando da realização do I Encontro Cultural Açoriano na sede da Casa dos Açores do Rio de Janeiro aconteceu a descoberta de Viana e suas raízes perdidas. Surpreendeu-me a história dos 53 casais açorianos que,a 23 de novembro de 1812, chegaram ao Porto de Vitória, provenientes das Ilhas de São Miguel, Terceira e Faial e em 15 de fevereiro de 1813 eram assentados no futuro município de Viana, inaugurando o ciclo da imigração europeia no Espírito Santo, no sudeste brasileiro, distante apenas a 22 quilômetros da capital Vitória.Viu-se de pronto que Viana não surgiu por acaso, que é fruto de bem sucedida experiência no cultivo do trigo e do linho no Brasil, um projeto de fixação de colonos no sertão, incentivado a partir da vinda de D.João VI e a Corte para o Brasil, em 1808.
No ano da publicação dessa crônica, contava-se uma história de cento e noventa e quatro anos e da população que, na época, era cerca de 60 000 habitantes. Este povo reteve na memória coletiva o legado cultural açoriano manifestado de forma significativa nos seus costumes e tradições, na arquitetura de seu casario e igrejas, nos engenhos, na renda de bilro, nas tradições seculares como o culto em louvor ao Espírito Santo que desde 1817 se repete a cada ano. Sou testemunha de uma herança que nunca foi esquecida, que atravessou gerações e constitui um dos elementos da identidade cultural de Viana em terras abençoadas pelo Espírito Santo.
Entretanto, naquele 2007, durante o II Encontro Cultural Açoriano realizado no salão nobre Vitorino Nemésio, da Casa dos Açores do Rio de Janeiro, assisti a palestra da jovem Secretária de Cultura, Esporte e Turismo de Viana, Rafaella Zanette, a falar de Viana e a sua determinação em recuperar o tempo perdido. O desejo de salvaguardar os seus valores culturais e dar-se a conhecer e serem reconhecidos como descendentes de açorianos sem, contudo, nunca terem tido um único contato com o arquipélago dos Açores. Uma assistência silenciosa e surpresa constituída por açorianos, filhos e descendentes acompanhava seu relato sobre as inúmeras ações empreendidas por Viana para ir atrás dessa raiz esquecida no tempo e no espaço, mas guardada na memória de sua gente, orgulhosos descendentes das 53 famílias açorianas, destacando-se o trabalho junto a rede municipal de ensino, conscientizando alunos e mestres dareal importância da presença açoriana no contexto cultural da região.
Uma ação educativa teve início naquele instanteem cooperação com a Casa dos Açores que se prontificou em ser parceira dessa viagem pelos caminhos da memória cultural de Viana, desencadeando um novo processo histórico. A partir de um projeto de intercâmbio cultural entre o Grupo Folclórico Pe Thomaz Borba, da Casa dos Açores do Rio de Janeiro e o Grupo Folclórico Vianense “Os Açorianos” foram realizadas oficinas teóricas e práticas de Folclore Açoriano. Os conteúdos apresentados para além do aspecto folclórico ofereceram, também, um aprendizado sobre a história, cultura e geografia dos Açores.
  Aí está a resposta de Viana, passados quinze anos daquela tarde na sede da Casa dos Açores, quando ouvimos o emocionado apelo: “Nós somos de Viana, somos açorianos como vocês...”
Viana faz parte dessa aventura secular, um lugar que cultua e se orgulha de sua história, que salvaguardou as sementes culturais e com determinação correu atrás da sua identidade que há mais de dois séculos foi parida nas ilhas açorianas, entre os vulcões e o mar, e sobreviveram com dignidade na terra do seu destino, o Brasil.
Bem hajam!

*Curadora do projeto Viva Açores, Conhecer é Viver!/ Vice Presidente do Conselho Municipal de Educação de Florianópolis /Escritora da AC

Lélia Pereira Nunes*

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