Diário dos Açores

Entre o Oriente e o Ocidente Pedro, o Grande

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Os estudos sobre Pedro I, o Grande Czar de todas as Rússias, contradizem-se. Com o tempo, tornou-se lendário, com canções populares, tradições que o exaltavam e enchiam o imaginário do povo.Vivendo sempre miseravelmente,incapaz de sair daquele estado amorfo que então constituía a maioria da população, as reformas não urdiam efeito.
Na verdade, é inegável que a sua ação mudou o destino da Rússia, afinal a população continuava a ver no seu governante “o paizinho de todo o povo”O Céu é alto e o Czar está longe”.
Aos 21 anos, Pedro viu o mar pela primeira vez! Sentiu tamanha emoção que mostrava a vontade de retirar os seus imensos territórios do isolamento e voltar-se para a Europa.
Nenhum outro dos seus antepassados sentira tal necessidade de mudança! Se ogosto pela vela jáse apoderava dele, agora o mar oferecia a possibilidade de um mundo novo.Passara a infância, com enorme atividade, jogando às guerras e, ao crescer, o divertimento tornava-se cada vez mais sério. Para aumentar o número de gente daquele exército, foi reunindo criados, falcoeiros, e até recrutou rapazes da rua, jovens vagabundos, misturando-se com eles nos seus exercícios, por fim tinha criado umexército.  
A sua curiosidade pelo Ocidenteligava-se profundamente à libertação doisolamento da Rússia e transformá-la num país voltado para o mar.Seria o abrir das portas para entrar na Europa que ele admirava pelo seu progresso.
Deixando o governo nas mãos de sua mãe, convivia com as gentes do “bairro alemão” lidava com estrangeiros e, por fim, realizou uma viagem incógnito pela Europa. Demorou-se o tempo suficiente para se aperceber do atraso do seu povo e afastar cada vez mais do Oriente.
Enquanto se torna perito na aprendizagem marítima, passou pela Alemanha, Holanda, depois pela Inglaterra, trabalhou como carpinteiro em estaleiros e a sua sedede conhecimentos tornava todos que o rodeavam obrigados a aceitar as suas novas orientações. Ninguém estava seguro perto do Czar. Com o tempo, tornara-se num gigante de robustez descomunal, capaz de ceias intermináveis seguidas de trabalho sem descanso! Crescendo entre revoltas, abafava qualquer insurreição com uma crueldade tal que até o afetava fisicamente com ataques de epilepsia.
O projeto de ocidentalização da Rússia tomava forma. Apercebia-se do desagrado que os seus modose como a sua rudezadestoavam nas cortes onde passava. Teria de mudar as tradições dos russos. Mas o reformista, o inovador encontrava-se fatalmente com o ditado O que um russo não fizer de imediato jamais o fará.
O ano de 1694 foi decisivo. Dividido entre atacar os turcos ou os suecos, escolheu a Turquia. Iria sofrer forte decepção.Não encontrou nenhum país interessadonuma aliança. A sua ofensiva contra os turcos demostrou-lhe a sua debilidade por falta de uma frota. Foi um desastre. Inflexível, Pedro não se preocupou com o descontentamento. Iria construir uma pequena frota, juntando alguns estrangeiros. O historiador Grimberg confirma o desagrado dos russos pelas guerras que engoliam qualquer enriquecimento interno. Mas, em 1697, com a sua nova frota, a vitória sobre o porto de Azofe, transforma as injúrias nos maiores louvores. “Com a vitória da cristandade”, abria-se uma porta nas margens do Mar Negro.
Voltou-se então para o Báltico, por não vencer os Turcos, ataca os Suecos, num plano do seu antepassado Ivan, o Terrível. Obteve alianças com a Polónia e a Dinamarca para uma guerra travada contra a Suécia que ficou conhecida como Grande Guerra do Norte.
Iria enfrentar Carlos XII (1682-1718) que imaginavatambém como missão sua,dominar a costa do Báltico. Amontoava vitóriase um exército moderno e bem organizado.Tornou-se num dos grandes estrategistas militares da História mundial. Desprezava os russos e ganhara habilmente a todos osinimigosCom uma esmerada educação, atraiu a admiração da posteridade, tornando-se, até hoje,o símbolo do nacionalismo sueco.
Poltava será o virar de uma página. Carlos XII,  gravemente ferido, perdeu a batalha.
Assim o Czar pode escrever: “Hoje, com a ajuda de Deus, as fundações de Sampetersburgo estão sólidas.”
A sua construção,em terrenos hostise pantanosos, custou a vida a milhares de russos obrigados a trabalhos que Pedro dirigia sem piedade, para “bem o Estado”.
Em 1721,obteve reconhecimento da sua supremacia até na Igreja Ortodoxa e oSenado Governante Imperial “nomeou” Pedro como o primeiro imperador russo, consequência das suas notáveis realizações como estadista Pedro entendia que, para ajudar europeus e russos a misturarem-se entre si, os russos deveriam, antes de tudo, parecer mais “europeus”. Para isso havia que alterar os tradicionais trajes orientais que tanto contrastavam com o vestuário dos europeus. Então, exigiu que todos os cidadãos mudassem as suas tradicionais roupas, cortassem os cabelos e as barbas para aparentar o estilo europeu. Nas cidades, Pedro obrigou os homens ao pagamento de uma taxa substancial se quisessem continuar barbudos. Apenas isso continuou a ser permitido ao clero.

Durante as assembleias e bailes da corte, viram, com espanto e temerosa submissão, como o próprio Czar cortava as barbas e rasgava as tradicionais vestes orientais. Ninguém se opôs! Os aristocratas russos, os velhos boiardos, a pequena nobreza conheciam a terrível têmpera e as explosões de fúria quando o contrariavam e não hesitava em torturar e fazer rolar cabeças. Já antes mostravacomo castigava qualquer tentativa de rebelião. Em breve conseguiu que as vestes ocidentais colorissem os salões e as ruas.
As damas, que vivam reclusas em moldes orientais, subitamente passaram a frequentar os salões e a corte. A delicadeza e elegância que Pedro observara, especialmente o ambiente parisiense aparecia agora numa tosca imitação. A repentina liberdade das damas não resultava porque faltava toda a preparação cultural.
Os servos da gleba, ao contrário da crença popular, não foram proibidos de usar barbas. Afinal, esses miseráveis servos nunca apareciam nas cidades. Presos ao campo, seuaspecto permaneceu o mesmo. Porém, sem explicações, viram-se obrigados a plantar batatas sem lhes ensinarem a comê-las. Primeiro começaram por comer as folhas e envenenaram-se. Depois passou a ser quase os pães que os alimentavam nas grandes épocas de fome. Convenceu os cossacos e os camponeses a criar melhores carneiros, a acabar com as foices e usar as gadanhas, apoiou novas fábricas mas, a cada passo em frente surgiam dois passos atrás para mal do povo.
Madame de Staël (1776-1818) mostrou-se estupefacta pela magnificência das igrejas douradas, com tantos sinos, ouro e pedrarias e ainda descreve o desconforto e a rudeza de muitos latifundiários o que levava a inexistência de classe média.
Se muitos russos surgiam na Europa, abundavam estrangeiros na Rússia, trabalhando na construção de navios, nos estaleiros, até no exército, ensinando novas ciências organizando empresas, fábricas e moinhos. Prosperavam no comércio, indústria especialmente os holandeses.Detestando essas atividades, a inveja e sentimento de inferioridade alimentavam a xenofobia. A apatia secular dos servos prendia-os à terra. Muitos libertos rogavam o regresso aos seus donos. A independência levava-os a morrer de fome.
Leibniz, 1646- 1716) o filósofo e matemático mais célebre do seu tempo, rivalizando com Newton,tornou-se amigo do Czar e seu conselheiro. Incentivou-o a enviar russos estudar do estrangeiro.Incrivelmente perto do Czar, Leibniz encorajava os russos a viajar e mesmo pelo seu país. O historiador.Vladimir Guerrier (1837-1919) analisou ascartas entre ambos e notou a sua influência nos projetos,na administração e reformas principalmente em Sampetersburgo e uma universalidade do conhecimento notórios.
Na tradição popular e na História ninguém pode contestar que Pedro foi uma personalidade cuja dimensão lhe vale ser Grande. Há quem o intitule “rei filósofo”. A sua desmesura tornam-no como o último herói de toda a dinastia dos Romanov com um poder autocrata bem longo, de1682-1725.
Com uma áurea controversa foi o “último grande herói a sentar-se no trono imperial” (in Os Romanov, Sebag Montefiore ) e cidadão do mundo.As suas reformas dominaramna Rússia até 1917
Afinal, segundo Grimberg, o povo mostrava-se extremamente amorfo “ Não faças hoje o que amanhã outro pode fazer em teu lugar.”

Lúcia Simas  *

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