Diário dos Açores

Lima doce

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Transparência

O campo era vasto e repleto de limeiras. Eram milhares e milhares de limas que carregavam as árvores naquela vastidão tamanha.
O homem passeava por entre aquela floresta cítrica e reparou que uma pequena bola alaranjada estava suspensa por entre as centenas verdes daquela árvore. Curioso, arrancou o fruto sem hesitar e, provando, constatou a sua estranha doçura. A doçura só era estranha, na medida em que se encontrava isolada no meio daquele restante azedume.
Agora mais curioso que nunca, continuou procurando nos dias que se seguiram, por mais alguma limeira com tal contradição, mas foi em vão. Nunca mais encontrou lima doce.
Os cinco deputados pelos Açores e os seis pela Madeira na Assembleia da República, sofrem da mesma raridade. A sua representatividade é uma farsa do sistema e não reflete os princípios do estado de Direito que deveria levar em linha de conta a dimensão geográfica e hidrográfica desses dois Arquipélagos.
A atual embaixada insular em São Bento, representa menos de 7% dos 230 deputados. Por aqui se vê o formato subtil e colonial de como se arranjou o estratagema de, por um lado, hipocritamente se poder dizer que as Ilhas estão democraticamente (?) representadas, mas pelo inverso estão absolutamente controladas nas suas reivindicações sociais, financeiras, políticas, etc.,apesar de ambas terem o maior Hidrotório da Europa, riqueza imensa no milhão de quilómetros quadrados de Mar e que Portugal já começou a explorar sem querer compartilhar com os Arquipélagos.
Os partidos que enviam – por eleição viciada e partidária – cinco pessoas para São Bento, tudo que desejam é aumentar o número de representantes, pois isto traz-lhes benefícios financeiros. Igualmente para os cinco que vão representar os Açores, o seu interesse reside principescamente no considerável aumento do seu salário, suas benesses e a vida engraçada da capital, com uma enorme panóplia de restaurantes e vida noturna.
Além de tudo, Lisboa e o contato mais direto com as chefias e influências partidárias, fornece possibilidades de carreiras futuristas num grande leque de bateria culinária (tachos, panelas, panelões, frigideiras, etc.)
A defesa dos interesses dos Açores quase nunca é debatida acerrimamente, para não ferir as suscetibilidades dos chefões, nem do público parlamentar em geral. Mexer em assuntos sensíveis como o Mar dos Açores, a manutenção dos vergonhosos edifícios públicos nas Ilhas, a escassez de forças policiais de segurança (PSP e GNR), a construção de nova cadeia, devolvendo a humanidade e dignidade aos detidos, etc., etc., etc. O debate deveria ser contínuo e incessante. No entanto fala-se uma vez (baixinho e combinado) e pronto… passemos adiante sem nada dizer.
Nas presentes condições conspiratórias e antidemocráticas desta fantochada representativa, que de representação não tem nada dada a sua impotência minoritária, todos os eleitos para São Bento em representação dos Açores e da Madeira, não passam de eunucos políticos, cujas funções de procriação política está dramaticamente arrancada à nascença das neo-autonomias que representam, ditadas por um estatuto fascizante e uma máscara constitucional pintada ao gosto dos vira-latas de abril.

José Soares *

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