Diário dos Açores

Estudo sobre transportes marítimos para todas as ilhas dos Açores ou sobre o porto da Praia da Vitória

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Na edição do Jornal do Pico do passado dia 5 de Agosto Rui Pedro Ávila (RPA) na sua coluna PONDERANDO escreve um artigo com o título “Estudo sobre transportes marítimos para todas as ilhas dos Açores ou sobre o Porto da Praia da Vitória” à cerca de declarações proferidas no Telejornal da RTP-Açores de 26 de Julho pela Sr.ª Secretária do Turismo, Mobilidade e Infraestruturas – Dr.ª Berta Cabral e pelo Dr. Carlos Raulino, membro do Conselho de Gerência da OPERTERCEIRA – Sociedade de Operações Portuárias, Lda., com sede na Praia da Vitória, após reunião realizada entre a Sr.ª Secretária Regional e o Conselho de Gerência da Operterceira, para chegar à conclusão de que o Estudo traz escondida a vontade de dar vantagem ao Porto da Praia da Vitória em detrimento dos restantes, excepto o de Ponta Delgada. Pelo meio vai fazendo várias considerações que merecerão também o meu comentário.
Ora RPA começa por escrever “A boca (da Sr.ª Secretária) foge para a verdade?” porque veio dizer que “o Governo já está a analisar as propostas para a criação do Plano Estratégico de Transportes Marítimos dos Açores”, mas que há uma ideia que deixou e que RPA pessoalmente reputa de muito perigosa para os portos de Santa Maria, Faial, S. Roque do Pico, Praia da Graciosa, Lajes das Flores e Corvo (esqueceu as Velas) e que é a seguinte:
 “Os Portos podem competir e devem competir entre si e os operadores devem escolher aqueles que lhes oferecem melhores condições (?), isto é o que se chama o mercado a funcionar e é essa a visão do Governo, do Operador e da Portos dos Açores”; uma visão partilhada pela Operterceira,… tendo o Dr. Carlos Raulino dito que está aberto o caminho para potenciar este porto da Terceira: “É uma estrutura fundamental para a Terceira e para os Açores e conversando com certeza se encontrará caminhos de melhoramento. (?!)” – (pontos de interrogação e de exclamação de RPA).
Ora vejamos: Em que é que a melhoria de condições de operacionalidade do Porto da Praia da Vitória é muito perigosa para os outros portos indicados por RPA?
Em nada! Antes pelo contrário! A melhoria das condições de operacionalidade de qualquer porto, numa Região com nove ilhas e tão pequena como a nossa, só pode ser benéfica para todos os outros portos e, especialmente, para todos os açorianos, porque qualquer ineficiência, seja lá onde for, pode atrasar e encarecer a operação e com isso, em última análise, o preço final dos produtos que consumimos.
RPA transcreve parte do Artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 7/2006, de 4 de Janeiro, esquecendo a alínea g) a qual obriga a que “Os armadores nacionais e comunitários que efectuem transportes regulares de carga geral ou contentorizada entre o continente e as Regiões Autónomas devem… g) Praticar, para cada Região Autónoma, o mesmo frete para a mesma mercadoria, independentemente do porto ou da ilha a que se destine”. E esta obrigação continua a ser exigida pelo Governo Regional no Estudo que vai ser realizado!
Ora esta obrigação, com a qual, creio, todos estamos de acordo, resulta num valor médio que faz com que as ilhas que recebem mais carga (S. Miguel e Terceira) paguem um frete marítimo superior ao que pagariam se a obrigação referida não existisse, e é esse diferencial que paga a diferença de valor do frete de que as outras ilhas beneficiam. É também mais uma boa razão para que queiramos portos eficientes.
É óbvio, ainda, que o melhor ou pior desempenho ou competitividade do Porto da Praia da Vitória não vai “roubar” qualquer carga aos portos referidos por RPA, porque essa carga é aquela que, nas actuais circunstâncias e com o modelo de transportes em vigor, cada ilha é capaz de necessitar/gerar.
Quanto a esta questão da “competitividade” permita-me que lhe diga que ela de facto não se coloca, pelo menos entre os portos de PDL e PV e os restantes e mesmo entre PDL e PV e que, pelo que acima disse, acho que seria muito mais correcto falarmos em “complementaridade”, entre os portos – todos os portos!
Finalmente, ainda falando de “competitividade”, e pelo que ficou dito atrás, podemos ter a certeza que não será ela que influenciará os resultados do Estudo. O que deverá acontecer, se o Estudo for profundo, é ele vir a indicar as falhas de eficiência e algum problema específico que cada porto possa ter e que, para bem de todos, terão que ser corrigidos.
RPA diz ainda que o então Deputado Jorge Macedo precisou, na Audição em Comissão Parlamentar, que o actual modelo tinha/tem a particularidade de não consumir bens públicos. É verdade. De facto, o Governo Regional não dá qualquer subsídio aos armadores instalados para o funcionamento do modelo, porque quem paga os altíssimos preços dos contentores são as empresas e, principalmente, todos nós nas lojas e no supermercado! Disto não há a menor dúvida! E é evidente que esses preços interessam altamente aos operadores e por isso não quererem que se altere o modelo e que se façam estudos!
Refere então RPA que nessa audição o Presidente da Câmara do Comércio de Ponta Delgada Dr. Mário Fortuna afirmou que “os portos de PDL e PV suportavam os custos e isso reflectia-se nas contas de exploração e quea solução passava por distinguir as ligações para as ilhas e inter-ilhas e depois de munidos de estudos, decidir qual o melhor modelo”. Mas o Deputado José Ávila afirmou que os operadores e restantes entidades ouvidas tinham considerado o modelo actual como bom e perguntou a Mário Fortuna se uma alteração não seria prejudicial às ilhas pequenas, ao que este respondeu que “não se admirava dos operadores gostarem deste modelo, mas que era preciso alterar a perspectiva para melhorar os custos porque era necessário encontrar as melhores soluções para os Açores”.
Daqui, RPA conclui (não percebo como): “Nada mais claro, caros leitores, para a Câmara de Comércio de Ponta Delgada, Açores são Terceira e S. Miguel… Cabe agora aos actuais representantes da nossa ilha e não só: Associação Comercial do Pico, OPERTRI, Núcleo Empresarial de S: Jorge e Graciosa, Deputados e Autarcas (AMIP e AMIT), pensarem e verem o quanto poderemos perder, abandonando a ideia de uma economia inclusiva e não egoísta, em que o maior vai sempre querer espezinhar o mais pequeno. Entendem? Toda a cautela é pouca.”
Sinceramente, eu acho que isto é de bradar aos céus! Pensava que uma pessoa culta e evoluída como RPA nunca cairia na tentação de escrever um texto tão alarmista e reaccionário!
Vejamos: Creio que o Dr. Mário Fortuna se referia justamente à questão que levanta a obrigação do preço igual do frete para todas as ilhas, que já referi acima e ainda a outra, implícita, que já escrevi várias vezes e que é: sai de facto muito caro levar apenas 5981 contentores por ano para o Faial (valores de 2021), 5523 para o Pico, 3790 para S. Jorge ou ainda 1335 para a Graciosa ou seja, por cada um dos armadores, em média, 38 por semana para o Faial, 35 para o Pico, 24 para a S. Jorge ou 17 por quinzena para a Graciosa, pelo que vale a pena saber se há soluções alternativas mais vantajosas. Daí falar-se em “separar” o Continente-Açores do Inter-ilhas.
Mas é super óbvio que qualquer que seja a solução ou modelo, ninguém vai tirar os 5523 contentores ao Pico, pelo contrário, o que todos devemos querer é que esse número aumente para o Pico e para todas as ilhas! Por isso falamos no incremento do mercado interno.
Assim, é evidente que todos devemos exigir que qualquer novo estudo de diferentes modelos de transporte marítimo de mercadorias, que contemple o transporte do Continente para os Açores e a distribuição e transporte de carga inter-ilhas deve ser economicamente viável, ou seja, não deve ter qualquer subsídio do orçamento regional e deve cumprir, no mínimo, o mesmo serviço público que o actual modelo!
É que, se assim não fosse, estaríamos a ir de cavalo para burro, como se costuma dizer.
E devemos igualmente exigir que seja isento e conte com a participação ativa de todas as forças vivas e membros das comunidades portuárias de toda a região para ser credível. Este é que deve ser o objectivo de todos nós: que seja credível! Se assim acontecer teremos um modelo a seguir, acabando de vez com estas discussões.
O problema de Rui Pedro Ávila e outros é que de facto não querem que se faça qualquer estudo, não querem que se faça qualquer alteração ao modelo actual!
Deixemo-nos, portanto, de acenar com papões e trabalhemos para o bem de todos os açorianos!


*Ex trabalhador portuário, não respeita o chamado Acordo Ortográfico

José Ribeiro Pinto*

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