Diário dos Açores

Escola e sociedade: lógicas dos currículos

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Das definições mais sapienciais que li sobre educação foi esta, de Daniel Hameline, ao definir assim a educação: “é uma irresolução essencial”. E temos caminhado por entre dinâmicas, permanências e incertezas. Sempre a convicção de que o léxico pedagógico é que vai mudar a realidade quando a realidade como facto e razões é que produzem linguagens, na linguagem, que nos faz – ou deve fazer – ter novas conceções em termos de Teoria e de Prática, que gerem consensos entre especialistas de várias proveniências, com implicações práticas. Por outro lado, envolvem-se, e muito bem, os diversos agentes da educação, quando, afinal, os pais têm esquecido as prerrogativas – até constitucionais – que lhes assistem na educação dos filhos, não só prerrogativas mas obrigação. Também em matéria de Educação e de Saúde estamos longe da concretização dos preceitos constitucionais.
Em muitas matérias Abril de 1974 está por cumprir e é com grande preocupação que o digo, numa sociedade que se tornou mais vulnerável, mais frágil, em que os pobres estão cada vez mais pobres e os ricos estão cada vez mais ricos, apesar de supostos níveis de literacia superiores. Temos mais pessoas diplomadas e certificadas mas menos pessoas formadas e verdadeiramente educadas. Temos de ir à seiva do problema, o da educação, ela mesma.
Todavia, longe de eruditismos, que são a negação da Educação e da Cultura, cito, como Programa para uma Educação ao Longo da Vida as afirmações de Roland Barthes, no livro Lição:
“Tento assim deixar-me levar pela força de toda a vida viva: o esquecimento. Há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas surge em seguida uma outra em que se ensina o que se não sabe; mas surge em seguida uma outra em que se ensina o que se não sabe: a isso se chama procurar. Chega agora, talvez, a idade de uma outra experiência: a de desaprender, de deixar germinar a mudança imprevisível que o esquecimento impõe à sedimentação dos saberes, das culturas, das crenças que atravessámos. Essa experiência tem, creio eu, um nome ilustre e fora de moda que ousarei aqui arrebatar, sem complexos, à própria encruzilhada da sua etimologia: Sapientia: nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria e o máximo de sabor possível.”  Barthes, Roland, Lição, 1997, p. 41

O ato de desaprender é constituinte de aprender. Só assim se dá a Sapiência e a Sabedoria na Educação, na Formação e na Cultura. As Pessoas Cultas geram um certo desprendimento em que só permanece o essencial, tornando-se irrelevante o que é contingente, embora a Sabedoria seja a Sapiência da Contingência que somos e nos habitamos, depois do muito – ou pouco – que estudamos e vamos sendo ao longo da vida. No fundo, o homem autêntico sabe-se como “como ser para a morte” (Heidegger) mas numa Sabedoria superior na direção da Transcendência. Por isso também aqui podemos invocar certos estudos do Conselho Nacional de Educação, em que defendem o Primado dos valores, numa sociedade gasosa e vazia. Só os valores dão coesão às dinâmicas da Sociedade. Sem Valores tudo se desagrega, com Valores tudo se agrega e ganha sentido e consistência. Assim, a Lógica do Currículo não se baseia nos conhecimentos descartáveis mas nos conhecimentos fiáveis e nos Valores que permanecem, em dinâmicas, e formam e edificam. Só assim, pode haver investimentos duráveis do estado e das famílias. O caso do manual escolar é exemplo de uma lógica que pode ser descartável ou duradoira. Insiste-se em conhecimentos de “usar e deitar fora” ou em conhecimentos de durabilidade? Nós somos contingência mas com fundamento na essência de ser. Essas conceções educacionais condicionam as lógicas do currículo, dos manuais escolares, do equilíbrio entre lógicas externas de avaliação (exames) e lógicas internas de avaliação (avaliação formativa, ou outra). No fundo, vai-se consolidando, em dinâmica, a sociedade que se quer plural e democrática.
    Vejamos o verbo procurar, sem o qual não há filosofar, sem o qual não há investigação, sem o qual não há PHDoctor, seja em Filosofia, Química ou Mecânica, etc. O Sistema Educativo e o Sistema de Ensino devem alimentar-se da Procura, da busca, da atitude filosófica. Pelo contrário, ciclicamente, surge a obsessão pela métrica, confundindo-se com os testes e com os exames. Ora os exames que sejam à base de verdadeiro/falso já partem de uma falácia: problematizar o que é a verdade e o erro, que Edgar Morin coloca no centro da epistemologia bem como a incerteza da e na vida. Os exames e os testes desventram a vida e pensam que lá colocam o verdadeiro conhecimento, perdurável.  Por esta e por muitas outras é preciso uma Filosofia da Educação na Formação, mas uma Filosofia da Educação que coloque no seu centro a Cultura como defendia o Saudoso Professor Doutor Manuel Ferreira Patrício.
    Mas apesar dos esforços, a educação formal tem sido um desastre, sem coerência, sem linhas orientadoras, sem coerência, e sem durabilidade para além dos ciclos políticos.
    Estou ciente de que estamos como estamos em Educação porque tem faltado uma Filosofia da Educação nas Políticas Educativas. Sem Pensamento Educacional andamos às cegas e não sabemos para onde vamos.
Convém aqui um pouco de História recente do sistema educativo português que, afinal, é da natureza da Filosofia da Educação, da Escola e da Cultura.
Remonta à publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo, de 1986, (Lei nº 46/86, de 14 de outubro) que, apesar dos ciclos políticos, - e das alterações que tem tido - tem mantido vigência. E porquê? Porque, na sua Génese, houve, na Assembleia da Republica, um grande consenso. Na altura a Comissão de Reforma do Sistema Educativo (CRSE) definiu os seguintes “Princípios Orientadores” da Reforma Educativa e Curricular (que têm plena atualidade): 1. “Educação para a liberdade e autonomia”; 2”AEducação para a democracia”; 3”A Educação para o desenvolvimento”; 4. “A Educação para a solidariedade”; “5.”A Educação para a mudança”. (Cf CRSE (1988). Proposta Global de Reforma. Relatório Final. pp: 21-26). No livro Escola, Valores e Didática Comunicacional. Literacias e Figuras na Formação de Professores. (2019), Lisboa, Edições MIL, escrevi: “Se virmos bem, com isenção, os cinco “Princípios Orientadores” formulados constituem referências fundamentais para a promoção de valores da pessoa, nas escolas e na Sociedade, uma Sociedade do Conhecimento mas também uma Sociedade de e dos valores, mais do que uma Sociedade, uma Comunidade de valores. E esses valores eram respiráveis nas experiências de implementação da Reforma Educativa e Curricular na Escola Domingos Rebelo. É de destacar, também, para que conste, que na referida Conferência [ocorrida no dia onze de março de 1991, na Escola Secundaria das Laranjeiras], onde houve um painel, onde estavam professores de várias escolas, designadamente da Escola das Laranjeiras, que foi a Anfitriã, da Escola Domingos Rebelo, que estava a realizar a experiência de implementação dos novos planos curriculares e programáticos (nos 7º e 10º anos) e da Escola Antero de Quental.” (Medeiros, Emanuel Oliveira, 2019, pp: 15-16). A referida conferência foi proferida pelo Saudoso Professor Doutor Manuel Ferreira Patrício sobre a Reforma Educativa e Curricular. Foi uma Reforma Marcante e que, em termos de avaliação, validou referentes de avaliação que continuam atuais no sentido em que a Avaliação deve incidir sobre conhecimentos, capacidades, competências, atitudes e valores. O que quer dizer que quando as coisas são bem pensadas permanecem. É o caso. Também manteve vigência durante bastante tempo o Decreto Lei nº 286/8, que consagrava a “área-escola” – o “pulmão da reforma”, que secou, apesar da vigência da Reforma Educativa e Curricular, em múltiplas dimensões.  Ecom ziguezagues têm sido as reformas e revisões – por vezes com cegueiras – das alterações curriculares, ao longo dos últimos 32 anos.
Atravessadas tantas revisões curriculares – apesar das cegueiras – as lógicas (ou a falta delas) do currículo têm feito caminhos tortuosos, procurando endireitar uma Escola para Todos, que deve cultivar o esforço, o mérito, a dedicação, a criatividade, a inovação, a renovação, entre outros valores.
Fica para próximos escritos outras temáticas conexas, designadamente o designado Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular, abreviado pelas siglas (PAFC) e a análise do Decreto-Lei nº 55/2018, de 6 de Julho.
Inovação ou nomes aparentemente novos para coisas antigas?
E ainda se fala em “Acompanhamento” e “Monitorização”, apologistas da Autonomia ou medo, em Educação!, do Pensamento e da Ação em Autonomia? Questões para ver, pensar e escrever.

*Doutorado e Agregado em Educação e na Especialidade de Filosofia da Educação

Emanuel Oliveira Medeiros
Professor Universitário*

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