Diário dos Açores

Pacote cultural Açores 2023: jogar golfe?

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Não são necessários poderes mágicos, muito menos fontes secretas, para se saber que por esta altura do ano o que se discute nos corredores de poder em Santana, bem como nas respetivas Secretarias do Governo Regional, é o Orçamento da Região para 2023. Estamos, sensivelmente, a dois meses de se conhecer a ante-proposta de Orçamento. Às e aos membros competentes caberá defender as suas pastas, com rigoroso interesse pelas complexas missões que lhes foram incumbidas para o próximo ano, bem como para os seguintes. Caso o barco não afunde, claro.
Relativamente ao setor da cultura, pelo qual todas e todos nós devemos ter um interesse especial porque é ele que permite manifestar a nossa essência enquanto açorianas e açorianos, em 2022, o Orçamento da Região atribuiu a “astronómica” verba arredondada de cerca de 6 milhões e 300 mil euros para a cultura.
Com essa infeliz verba, que reduziu o investimento em mais de três milhões de euros face ao anterior, sabemos que os serviços governamentais sobreviveram a pão e água, com graves dificuldades em manter as portas abertas e com um esforço titânico por parte das e dos seus profissionais que deram o melhor de si, para que os Açores pudessem continuar a projetar a sua enorme e diversificada herança cultural, tanto para as suas gentes, como para quem nos visitou. As e os agentes culturais nem sequer tiveram direito a pão, mantendo-se apenas à tona de água, com sucessivos atrasos na definição de estratégias e na falta de pagamento de reduzidos apoios a um setor que teve um papel crucial na sanidade mental de toda a população, nos últimos dois anos.
Estamos no fim de agosto, e não foram pagas as verbas referentes ao Regime Jurídico de Apoio às Atividades Culturais. Situação já denunciada pelo BE, pois temos a consciência de que, infelizmente, a cultura tem sido o “parente pobre”, com um desinvestimento estrutural e sistémico.
Neste momento, temos agentes culturais “com a corda no pescoço” devido aos constrangimentos que a falta de pagamento, por parte do Governo Regional, lhes tem causado.
Não é preciso repetir neste espaço a quantidade chocante de reclamações que se manifestaram torrencialmente, como chuva em agosto, provenientes de todas as partes. Desde a filarmónica abandonada à sua sorte até ao festival internacional promovido com dinheiros próprios, todas e todos os que integram o setor cultural sofreram pesadas consequências pela ingerência de uma Secretaria que nem aguentou até aos dezoito meses, posteriormente substituída pela atual inércia silenciosa, conjugada com promessas incapazes de serem cumpridas. Não será preciso recordar as reportagens que passaram por todos os jornais locais, onde se traçavam planos de sorriso na cara, sabendo perfeitamente que os mesmos seriam incomportáveis, face aos tremendos cortes financeiros sofridos.
Mudando de assunto, mas não fugindo demasiado à questão premente, a 9 de junho de 2022 o atual Governo Regional dos Açores deliberou a criação de um procedimento contratual no valor de três milhões, oitocentos e noventa mil euros para financiar o Clube de Golfe da Ilha Terceira, através da sociedade Ilhas de Valor, S. A.
Em suma, preparou-se um procedimento de perto de quatro milhões de euros, para saldar dívidas e potenciar a sobrevivência de um clube de golfe e atribuíram-se seis milhões de euros à gestão cultural para o arquipélago. É só fazer as contas.
Agora que se discutem os valores para 2023, levantam-se questões que importam ser colocadas.
Haverá um aumento na verba disponível para a Direção Regional dos Assuntos Culturais no Orçamento da Região? Haverá uma estratégia traçada para salvaguardar os seus agentes culturais e promover a cultura dos Açores, cá e lá? Chegará o tempo de corrigir as políticas do património e voltar a beneficiar os nossos imóveis protegidos, tesouros da nossa herança cultural?
Estas, e muitas mais perguntas, terão a sua resposta dentro em breve, quando se iniciarem os procedimentos de discussão orçamental. Será a altura de perceber quais são os partidos que verdadeiramente acreditam na cultura, quais os que a querem instrumentalizar e quais os que dão preferência à sobrevivência das sociedades de interesses.
Esperamos, com atenção, a chegada desses documentos. Até lá, ficam dois avisos à navegação. Ao Governo, relembra-se a soberania do seu povo, que chora a falta crescente de cultura. Aos que trabalham nesse setor, deixa-se o convite a uma partida de golfe, enquanto esperam por dias melhores.


* Deputada do BE na ALRAA

Alexandra Manes*

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