Diário dos Açores

Perigo de derrocadas nas estradas do Pico

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O tráfego automóvel, na época alta, excede largamente o do resto do ano nesta ilha Montanha – a segunda maior do arquipélago – onde uns escassos 14 mil habitantes circulam, pacatamente, enquanto não são surpreendidos pela queda de inertes.
As distâncias são longas. Basta dizer que da Ponta da Ilha à Madalena, um picoense percorre cerca de 60 quilómetros para cada lado. Essa é uma distância que os residentes na Piedade conhecem bem, quando têm de deslocar-se ao Hospital da Horta para simples consulta de especialidade ou exame de diagnóstico.
O percurso que, com prudência, pode demorar cerca de uma hora, nada tem a ver com a morosidade de outros tempos, quando só havia o estreito e acidentado “caminho dos ilhéus” em redor da ilha, construído pelos primeiros povoadores.
O escritor faialense Ernesto Rebelo, em “Notas Açorianas”, recorda esse trajeto: “Depois de nove horas de jornada [desde a Madalena], de haver atravessado a serra, subido e descido muita ladeira e cruzado os grandes descampados de pedra roliça e requeimada, entremeada aqui e alem por montes de rasteiras faias, descampados a que se dá o nome de mysterios, por serem estes os sítios por onde passaram as ribeiras de refervente lava das antigas erupções vulcânicas do Pico, chegamos afinal, ao cair da noite, à Vila das Lajes.”1
Esse tempo era encurtado pelas lanchas, “Lourdes” e Hermínia”, que transportavam carga e passageiros para e do Faial, pelo menos duas vezes por semana, dos portos da Calheta de Nesquim, Santa Cruz das Ribeiras, Lajes e São João.
Então não havia estrada a ligar as Lajes – a primeira povoação da Ilha – à Ponta leste da Ilha, o que só aconteceu, por insistentes apelos do lajense, General Lacerda Machado, junto do célebre Ministro Duarte Pacheco.
“Os trabalhos de construção (...) foram iniciados no dia 1 de Abril de 1939 e concluídos em 1943. A estrada [em paralelipípedos] foi inaugurada em 28 de Maio de 1943. Foi seu empreiteiro a firma Orey Antunes, de Lisboa.”2
O importante empreendimento, numa distância de 20 kms, permitiu o fim do isolamento de uma parte da ilha - a mais antiga geologicamente falando - pois facilitou a mobilidade dos residentes, as trocas comerciais e os negócios da época. O mesmo aconteceu, com a abertura da estrada de ligação entre a Piedade e a Prainha do Norte, projeto que se seguiu.
A falta de comunicações inter-ilhas, nomeadamente no grupo central, foi parcialmente ultrapassada por embarcações de médio porte. Esses barcos foram  construídos na própria Ilha do Pico, por iniciativa de arrojados investidores e construtores navais e destinaram-se ao transporte de passageiros e mercadorias entre o Pico, Faial, São Jorge, Terceira e São Miguel.
A referência aos iates do Pico que tão bons serviços prestaram, foi apenas para salientar as alternativas que os picoenses encontraram para fugir a um insulamento, de consequências muito marcantes na história desta ilha.3
As atuais vias de comunicação terrestre evoluíram muito nos últimos anos, há que relevá-lo. Os pavimentos foram alargados e alcatroados para permitir maior segurança e conforto aos automobilistas. As bermas e os taludes, porém, não sofreram as beneficiações e melhorias de que tanto necessitavam para suster os naturais efeitos da erosão e impedir que os solos aráveis quando fustigados por chuvas intensas e ventos fortes derrocassem para a estrada.
Para além disso, há locais (E.R. junto ao Monte de Sta Catarina – Lajes, por exemplo) onde o mar está a avançar perigosamente, corroendo os alicerces da estrada, única via de ligação na parte sul da ilha do Pico.
Todas estas situações e outras em perigo eminente, foram já cuidadosamente analisadas e sinalizadas pelas entidades competentes. Inclusive, foi elaborada uma estimativa de custos, segundo um ex-autarca do Município lajense, encarregado de acompanhar essas zonas de risco. Infelizmente, até hoje tudo ficou no papel. Certamente a aguardar mais um desabamento na estrada do sul, como aconteceu há poucos meses, no domingo do Espírito Santo, num trajeto de 100 metros entre as Pontas Negras e o Ramal de Santa Cruz das Ribeiras.
Por sorte, os três grandes blocos de pedra desprenderam-se da arriba sobre a estrada regional, sem que causassem vítimas humanas (ver imagem).
Mais adiante, outro desprendimento de terras abateu-se sobre a estrada e deixou um vão na falésia que, ao desprender-se, poderá afetar gravemente a via e o trânsito de pessoas e bens.
Quem circula, com regularidade, naquele troço fá-lo com receio, pois o perigo espreita continuamente e está à vista de todos. Eu próprio, desvio-me para a esquerda, mesmo nas curvas, temendo ser surpreendido, sem apelo nem agravo por uma derrocada.
É a natureza a avisar constantemente que urge tomar medidas a bem da segurança de todos.
O aviso, porém, parece não demover as entidades responsáveis.
Os sinais de trânsito lá estão e os blocos de proteção também. Mas, por muito tempo, certamente, pois nesta ilha as “obras do estado” duram, duram e duram...
Uma intervenção na escarpa daquele troço de estrada, recorrendo a processos já testados noutras ilhas, é um investimento avultado. Mas adiar a resolução do problema é ainda pior, pois a população desta zona poderá, em caso de acidente grave, ficar incomunicável e sem acesso aos cuidados de saúde.
Guardei para o fim da estadia na minha ilha este aviso a quem de direito. Esperei que durante estes dois meses, alguma coisa fosse feita. Em vão.
Como cidadão cumpre-me alertar os responsáveis, para que não se diga que ninguém sabia de nada, ou que já vinha de trás.
Como diz o poema de Geraldo Vandré: “Vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.”

    
1 Arquivo dos Açores, Vol.VIII,  1982, pág. 295.
2 Ávila, Ermelindo, “Estradas da Ilha do Pico”, 20-jan-2010, http://escritemdia.blogspot.com
3 Ávila, Ermelindo,”Veredas, caminhos e estradas”,18-04-2015, http://escritemdia.blogspot.com


*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

José Gabriel Ávila*

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