Diário dos Açores

Na morte de D. António Sousa Braga

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De relance...

Não foi surpresa, devido ao seu precário estado de saúde, mas sim com muito pesar, que soube e acompanhei, em espírito, o falecimento do Bispo Emérito dos Açores, D. António Sousa Braga, que deixara a nossa Diocese, em 15 de Março de 2016, logo que o Santo Padre aceitou a sua resignação, por ter completado a idade legal para o exercício do seu cargo.
O primeiro contacto que com ele mantive foi na Igreja Matriz, creio que quando visitou «oficialmente» aquela paróquia e também a Ouvidoria de Ponta Delgada, numa manifestação de respeito e também de afecto que lhe promoveu monsenhor José Ribeiro, de saudosa memória.
Transmiti-lhe os cumprimentos de boas-vindas da Direcção Escolar, em nome das escolas de S. Miguel e de Santa Maria, desejando-lhe as maiores felicidades ao serviço da Diocese de Angra, que abrangia todas as ilhas dos Açores, sempre dispersas e distantes, mas que ele, mariense pelo nascimento e pelo coração, soube entender desde sempre.
Recebi-o, depois, como catequista, na primeira visita pastoral que fez à paróquia da Fajã de Baixo, quando era pároco o padre Francisco Valadão, pois tive a feliz oportunidade decolaborar na preparação da primeira «leva» de crismados que se  «formou»  nesta freguesia.
Chegou só, conduzindo o próprio carro, sem qualquer veste episcopal, mas tal como um padre, só se distinguindo pela cruz peitoral, afinal um gesto tão humildemente repetido em tantos outros lugares dos Açores.
Ordenado sacerdote pelo Papa S. João Paulo VI, em 17 de Maio de 1970 – por feliz e histórica coincidência em Dia de Pentecostes - esteve sempre fora dos Açores, na missão evangelizadora que abraçou na Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus, masnunca perdeu, aliás como é timbre dos seus conterrâneos, a pronúncia tão própria da ilha de origem, que as poucos nos fomos acostumando, D. António sempre teve como lema e atitude pessoal a missão sacerdotal e pregava o que era essencial no anúncio do Evangelho: a caridade, o amor ao próximo, o rejuvenescimento das nossas comunidades paroquiais sempre com base na doutrina expandida no Concílio Vaticano II.
Ainda como director escolar propus à Secretaria Regional da Educação e Cultura – com o apoio da Câmara Municipal - que o seu nome fosse dado à Escola de Santo Espírito, o que constituiu a primeira homenagem pública que recebeu por parte dos seus conterrâneos.
Só muito tempo depois me perguntou quem tinha sido a entidade ou pessoa que tomara essa iniciativa, agradecendo-me aquele gesto simbólico, que lhe tocara profundamente porquanto fora a partir da escola que rumara até ao sacerdócio. Nunca esqueceu o nome da sua professora, aliás uma regente escolar que chegou a visitá-la numa das suas deslocações a S. Miguel.
Falei-lhe da forma como a Direcção Escolar organizara esse processo, - e ofereci-lhe uma cópia - que incluio registo de matrícula, frequência, por anos lectivos e ainda a classificação de cada classe edos exames da 3ª e 4classes, que ao tempo era de aprovado.
Contudo, a professora-regente entendeu que aprovado era pouco … e acrescentou, «muito bom»!
Crescia assim, para a Igreja Missionária de Portugal e do Mundo aquele que viria a ser, um dia, Bispo dos Açores.
Encontramo-nos em períodos seguintes em Angra, em assembleias de Ouvidoria, onde a minha presença foi sempre de comunicação e de troca de experiências acerca da Acção Social da Igreja, nomeadamente nas instituições de Solidariedade Social, pois exercia as funções de presidente do Lar Mãe de Deus, aliás uma casa que D. António teve oportunidade de visitar aquando duma visita pastoral feita à paróquia de S. Pedro.
Um convite que não contava, chegou, da sua parte, depois de estar aposentado, para presidir à Cáritas Diocesana, que pela primeira vez ficou sedeada em Ponta Delgada.
Nessa missão trabalhei muito de perto com o senhor D. António, pois tivemos duas grandes calamidades pelo caminho: o terremoto do Faial/ Pico e a derrocada da Ribeira Quente!
Também na Comissão Municipal de Toponímia, subscrevi que fosse distinguido com a medalha de Reconhecimento Municipal, cerimónia que já não pode assistir por ter regressado a Lisboa, já por motivo da doença que se agravou de ano para ano e de que veio a falecer.
É ainda de registar a forma como soube reinscrever na história da igreja açoriana a devoção ao culto do Divino Espírito Santo, juntando clero, irmandades e o povo, não fosse natural da freguesia de Santo Espírito.
Do que ouvi através da televisão e de vários escritos publicados no portal da Igreja dos Açores, comoveu-me as palavras desde logo proferidas, tanto pelo núncio apostólico em Portugal, como pelo presidente da Comissão Episcopal Portuguesa, acerca caminhada sacerdotal emissionária empreendida por D. António Sousa Braga, «sendo recordado como um herdeiro das ideias do Concílio Vaticano II que viveu no seu coração e na sua acção pastoral, ajudando a mudar o rosto e a forma de exercício de autoridade da Igreja».
Sempre lhe reconheci esses valores, mesmo quando pregava numa paróquia por mais pequena que fosse e tive ocasião de presenciar, mesmo nessa humildade e simplicidade, quando nos encontramos na ilha de S. Jorge para inaugurar a sede duma secção da Cáritas.
Hoje, estamos sem bispo residencial…
Sim, os nossos Açores que deram tantos padres, bispos arcebispos e até um cardeal à igreja portuguesa e  «ultramarina», continuam a aguardar por um novo Pastor que reúna este rebanho no redil difícil e disperso neste meio do Atlântico!
No «nosso» caso, é bom dar um tempo para pensar e para reflectir, pois traçar perfis é fácil, mas, como se vê, encontrar «perfeições» é difícil, e até pouco ético…
 Mas esse dia via chegar e creio que D. António que sentiu e soube enfrentar situações boas e menos durante o seu episcopado, decerto que, agora bem junto do Senhor, já Lhe deve ter dito:- Senhor, olha pelo «meu» povo!

Rubens Pavão *

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