Diário dos Açores

O meu encontro com a Rainha Isabel II

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Esteve para ser por alturas da segunda visita da Rainha a Portugal, em 1985. Recebi convite, como nesse tempo era costume, para os grandes banquetes de Estado programados, incluindo o que ela própria oferecia a bordo do iate real “Britania”; mas foi marcado para esses mesmos dias um importante debate na Assembleia Regional, sobre o Plano Quadrienal e o Orçamento para o ano já em curso, atrasado por causa das eleições de 1984, e muito mal pareceria que o Presidente do Governo não comparecesse na Horta, respondendo perante os legítimos representantes do Povo Açoriano, que isso são os Deputados para ela eleitos.
Foi preciso então aguardar muitos anos para ter a honra de conhecer pessoalmente e cumprimentar a Rainha. Não é que tenha simpatias monárquicas, até antes pelo contrário; mas a Rainha Isabel II, pelo seu porte e comportamento exemplar, tornou-se uma verdadeira referência de simpatia para toda a gente e em todo o Mundo, como agora que morreu se está vendo e ainda melhor se verá por ocasião dos seus funerais, certamente seguidos por centenas de milhões de pessoas, através da televisão.
Sendo Vice-Presidente da Assembleia da República fui convidado a integrar a comitiva do Presidente Jorge Sampaio para a sua visita oficial ao Reino Unido, a convite do Primeiro Ministro Tony Blair. Um dos pontos do programa era um almoço no Palácio de Buckingham, do qual seria anfitriã a Rainha. Mas estavam previstos também um almoço de trabalho do Presidente com o Primeiro Ministro em Downing Street 10, um jantar de gala no Guildhall, na City, a convite do Lord Mayor de Londres, a visita a uma fábrica de embalagens plásticas de uma empresa portuguesa e ainda uma passagem pelo atelier da celebrada pintora Paula Rego,         a quem Jorge Sampaio viria a encomendar o seu retrato institucional para figurar na Galeria dos Presidentes, no Palácio de Belém. Ainda fomos à Escócia, para diversos contactos em Edimburgo, onde pude conversar com o líder do Partido Nacionalista, partidário da independência, ao tempo, se me não engano, na Oposição.
Quando o avião presidencial aterrou em Londres, fomos surpreendidos pela notícia do inesperado falecimento da Princesa Margarida, irmã da Rainha. Ficamos logo todos a pensar que o almoço seria cancelado por motivo do luto… Mas tal não aconteceu! Aferrada ao cumprimento dos seus deveres de Chefe do Estado, a Rainha manteve o convite. O traje de luto passou a ser de obrigação e os cavalheiros convidados tiveram de ir à pressa comprar gravatas pretas, o que eu fiz também  -  que não me ocorrera meter na mala aquela que guardo como relíquia do famoso episódio, que tantos engulhos ainda continua a provocar em algumas mentes pequeninas.
No dia e hora marcados, lá fomos, em bem pequeno número, de automóvel para o Palácio Real. Passados os portões de ferro, entramos num largo pátio interior, onde estava postada a guarda militar, envergando enormes capotes cinzentos, que era Inverno, e os seus bem conhecidos capacetes de pele de urso, para as honras da praxe. Ao fundo, toda vestida de luto, aguardava a Rainha.
Passada a revista às tropas, fomos apresentados pelo Presidente da República à Rainha, cumprimentando-a com um ligeiro aperto de mão e um aceno de cabeça. Tinha-nos indicado o Protocolo do Palácio, que não havia lugar a vénias, excepto para as senhoras, e que o tratamento adequado seria “Madam” e não Majestade.
O almoço foi servido numa sala pequena do rés do chão, utilizando as louças do serviço de porcelana de Vista Alegre, oferecido à Rainha como prenda de casamento pelo então Presidente da República Marechal Carmona. Todos os produtos utilizados na sua confecção eram provenientes das quintas reais, incluindo a carne de gamo, que, recordando o Bambi da minha meninice, não consegui comer. A conversa ao almoço foi muito informal, conduzida obviamente pelo convidado de honra, Jorge Sampaio, que gentilmente trouxe temas açorianos à colação, permitindo-me intervir.
No momento do café e da troca de presentes – o Presidente da República levara um par de jarrões de Vista Alegre, delicadamente trabalhados – pude finalmente conversar a sós com a Rainha. Tinha estado a preparar a conversa, excluindo alguns assuntos que se tinham tornado impróprios, como a lua de mel em cruzeiro nos Açores, a bordo do iate real, do então Duque de York, cujo casamento entretanto se desfizera; ou os meus encontros, em Lisboa e Porto, com o Príncipe e a Princesa de Gales, esta entretanto divorciada e até falecida em trágicas circunstâncias; ou ainda com o Príncipe Filipe, por sinal nesse dias ausente de Londres, que já aqui narrei, incluindo as “gaffes” então ocorridas. Disse-lhe apenas que uma das minhas recordações mais antigas se referia à transmissão pela BBC da cerimónia do seu casamento, em 1947, escutada enquanto brincava com um carrinho de folheta, oferta do Natal anterior, debaixo da mesa da sala de jantar da casa de meus Pais, na Rua Lisboa, em São Miguel, nos Açores. Ela achou graça à lembrança. Reparei que trazia, como lhe era habitual, o colar de pérolas de três voltas, que foi a prenda de casamento de seu Pai, o Rei Jorge VI.
Verifico agora que me referi à Rainha sem mencionar, as mais das vezes, o seu nome, tanto a pessoa se identificou com o cargo. Consta que quando soube da morte de Luís XIV, Frederico, o Grande, da Prússia, se limitou a dizer aos seus cortesãos: Morreu o Rei, como se não houvesse mais ninguém digno de ostentar tal título.

* (Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado
Acordo Ortográfico)    

João Bosco Mota Amaral*

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