Diário dos Açores

Agora que as festas se foram

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Estamos numa crise que se agudizará neste outono e inverno, mas a maioria das autarquias (salvou-se a da Ribeira Grande, S Miguel) gastou o que tinha e não tinha nas habituais festas brancas, azuis, arcos-íris, filarmónicas, animação de noite e de dia, cantantes e  demais artistas, a quem sinceramente espero tenham pago cachet, que os anos da pandemia foram  de míngua.
Dizem todos que foram um sucesso, festas em todas as cidades, vilas e freguesias, foguetes, roqueiras, fogo de artifício e artifícios sem fogo, procissões religiosas e festivais pagãos,  emigrantes regressados e os nativos ou locais saciados. Enquanto isto a inflação chegou aos 7% nos Açores (aqui demora sempre mais tempo a chegar e irá subir muito mais), as pessoas sem se queixarem, sem se manifestarem contra os brutais aumentos da eletricidade, água, víveres, combustíveis e de todo o generalizado (nem sempre fundado) aumento da carestia da vida, que  a guerra tem costas largas. Depois as artimanhas do governo da república a dar uma esmola que é uma ínfima parte do que a mais recebeu fruto da inflação e da carestia.
Infelizmente, estes “circos” popularuchos servem para opiar mais o povo iletrado, inculto e ignorante que vota nos que melhor o exploram. Um novo tipo de feudalismo e de escravatura perpetua o fosso entre os que “têm” e os que não têm alforria. A massificação da cultura “popular” versus a redução abrupta dos orçamentos culturais (artes, teatro, literatura) manterá o mínimo denominador comum de iliteracia. Um povo iletrado não pode ser livre nem preserva a autonomia, permanece subjugado e submisso aos que o espezinham.
Queixam-se todos de que - em ano algum - os parcos apoios a eventos culturais e associações do setor chegaram tão tarde, quando chegaram…pode ser que alguns desistam e para o ano sempre se poupa mais algum. Ou então que emigrem em vez de organizarem conferências, palestras, exposições, colóquios e outras atividades elitistas para meia dúzia de pessoas.
Os senhores nos castelos e os servos da gleba esmifrando as migalhasque lhes atiram das ameias, eternamente gratos, (agora já não há chapéus na mão) a agradecer tanta benesse ecaridade. Nem o país, nem as ilhas progredirão, o “status quo” preserva a ordem estabelecida e os bobos da Corte. Acrítica mordaz não agrada aos que detêm o poder e são objeto da sátira e da jocosidade de quem vê o mundo numamoldura maior do que as mentes tacanhas. Até nisto a História se repete e poucos foram os que do olvido e da lei da morte se libertaram, numa paráfrase livre do épico Camões. Resta ‑me lavrar o desacordo e sonhar com um mundomelhor, mais justo e equitativo que é exatamente o oposto do que assistimos nas últimas décadas.

Possa eu continuar a contar livremente sonhos e utopias, sinal de que os senhores do mundo ainda não calaram todas as vozes. Aqui não é o Haiti (como dizia o Caetano Veloso) nem a Coreia do Norte e ainda há liberdade de pensar. O meu voto continua sem estar à venda, mesmo só com
valor estatístico sem representatividade eleitoral. Controlado, vigiado, escutado, analisado e dissecado vou resistir enquanto puder (i.e. viver) a ser um mero píxelnos ecrãs dos controladores globais que nos programam. Não será pelo medo que viciarão os momentos livres e felizes.
E eu que até sou súbdito da coroa britânica interrogo-me se Portugal é, de facto, um país monárquico ou membro da Commonwealth, pois desde o falecimento da augusta soberana Elizabeth Regina que 90% dos canais noticiosos de TV não dá senão a cobertura de tudo o que se passa na velha Albion. Faltou mostrar as solas dos sapatos do novo Rei ou a cor das cuecas.
Tenho pena dele, começar o primeiro emprego aos 73 anos é duro e temo que cá pensem em alterar a idade da reforma fruto desta sua tomada de posse tão adiantado em anos. Entretanto os poderes que mandam viram-se livres daquela que se deveria ter tornado rainha consorte, Diana de seu nome, aceitando  a sua substituição por esta divorciada que ora acompanha Carlos (III ou Carlos I da Austrália). Nem as monarquias são já o que eram e qualquer dia (exceto nas Arábias) passam a espécie em vias de extinção apenas visíveis em zoológicos especiais. Não é que as democracias que eu conheço sejam muito melhores, e há sempre umas ditaduras e uns tiranos ao virar de cada esquina, prontos a satisfazer os populismos de que se alimentam as festas deverão com que comecei esta crónica.


*Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

Chrys Chrystello*

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