“Já devíamos estar a produzir cânhamo e canábis em grande escala”
Diário dos Açores

“Já devíamos estar a produzir cânhamo e canábis em grande escala”

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Graça Castanho, da CannAzores

O CannAzores 2022 - Fórum Transatlântico de Cânhamo e de Canábis, vai decorrer nos dias 29 e 30 de Outubro, no Pavilhão das Portas do Mar, em Ponta Delgada. Explique-nos o que é este evento?
 Este é um evento anual que decorre em S. Miguel com os objetivos de partilhar ciência, sensibilizar a população em geral sobre os benefícios do cânhamo e da canábis ao nível da sustentabilidade do planeta, desenvolvimento humano, crescimento económico, mais saúde, bem-estar e qualidade de vida e de criar condições para que os Açores se tornem num espaço de produção de cânhamo, reforçando a produção agrícola já existente, regenerando os solos e aproveitando de forma mais responsável os terrenos em benefício dos agricultores e criando novas indústrias e novos mercados de exportação.

O que é que vai acontecer durante esses dias?
À semelhança da I Edição da CannAzores, que decorreu o ano passado, em Outubro, na Associação Agrícola de S. Miguel, e da Canna Portugal, em Junho, no Centro de Congressos de Lisboa, iremos oferecer, nos dias 29 e 30 de Outubro, no Pavilhão das Portas do Mar, em Ponta Delgada, workshops e mesas redondas, dinamizados por especialistas de renome internacional, para formar e informar a população e diferentes grupos profissionais sobre a potencialidade desta planta milenar.
Este ano teremos como novidade um espaço de Feira, com exposição das inúmeras possibilidades  de aplicação da planta, e stands de empresas do sector quer irão vender os produtos que comercializam nos seus espaços.
Vamos igualmente oferecer uma agenda cultural ligada à cultura do cânhamo em particular e da canábis em geral, consubstanciada num Desfile de Moda da marca HempAction, com assinatura da Neuron Bonus e GreenFits, zona de comida canábica, coordenada pelo masterchef Canadá, Danny Raposo, e um Festival de Música, em articulação com o International Hemp Fest, promovido por Eric Boone, fundador do Seattle Hemp Fest, o maior evento canábico no continente americano.  

Em resultado da parceria com Eric Boone, haverá então este Festival de Música. De que é que consta?
Consta da intervenção do Eric Boone, dirigindo-se à plateia e visitantes da feira para dar o seu testemunho e partilhar o seu conhecimento especializado sobre as principais lutas travadas no mundo sobre a Canábis como um Direito Humano, e a actuação de várias bandas e DJs, cujo repertório musical nos remete para os momentos históricos mais importantes na demanda de um mundo mais justo, liberto de drogas, mais saudável e mais feliz.   

Cada vez mais se fala das aplicações medicinais e outras da canábis e cânhamo. As pessoas estão mais despertas para o uso destas plantas, mas ainda há muito preconceito...
Sem dúvida! Se há uns anos atrás, vivíamos obcecados com a ideia que a canábis era o pior dos males para a humanidade, presentemente cresce de dia para dia o número de cidadãos e países que acompanham a evolução da ciência e o posicionamento cada vez mais aberto e esclarecido dos estudiosos, investigadores, decisores políticos, investidores, organizações mundiais, etc. sobre o potencial desta planta milenar que acompanha a humanidade desde sempre, sendo responsável pela própria evolução civilizacional.
Não obstante esta abertura, ainda persistem muitos mitos, tabus e preconceitos sobre estas plantas que precisam ser desconstruídos.
A via mais eficaz é levar até junto das pessoas mais conhecimento, a ciência canábica na sua máxima abrangência, produzida em países como o Canadá, EUA, Uruguai, Brasil, Israel e em tantos países europeus em Centros de Investigação com reputação mundial.

 De que planta falamos e quais as suas aplicações atualmente?
Mostra a ciência que a planta da canábis encerra um número vasto de subespécies, sendo as principais a Indica, a Sativa e a Ruderalis.
Cada uma delas com elevada diversidade, fruto dos processos naturais de polinização ou cruzamento experimental.
As plantas entre si podem apresentar características diferentes, destinando-se a utilizações também distintas.
Existem as variedades ricas em fibras e níveis de THC baixos para uso industrial (denominado Canábis Sativa L ou Cânhamo Industrial).
A fibra serve para a construção civil, indústria têxtil, automóvel e de aviação, papel, cordoaria, bioplásticos, biopolímeros.
A flor e/ou biomassa, ricas em fitocanabinóides não-psicotrópicos (CBD, CBG), são usadas na indústria cosmética, suplementação alimentar, horticultura, vaporização e a semente ao serviço da indústria alimentar humana e animal, biodiesel, cosmética, entre outras aplicações.
As plantas com níveis de THC mais elevados desempenham um papel importantíssimo na área da canábis medicinal.
Também os fitocanabinóides não psicotrópicos são cada vez mais receitados por profissionais de saúde e cada vez mais procurados pelas pessoas à escala mundial.   

Os Açores estão bem posicionados para a plantação e uso? De que forma?
Apesar do proibicionismo que nos acompanha há mais de meio século, motivado pelo surgimento de outras indústrias e interesses de natureza político-social, o cultivo e o consumo nunca pararam no mundo.
Portugal já foi um importante produtor de cânhamo, por exemplo, o que nos permitiu fazer face aos desafios das Descobertas marítimas, por exemplo.
Crê-se que os Açores também já produziram cânhamo e, por essas ilhas, sempre houve canábis, muita dela trazida pelos combatentes vindos das ex-colónias.
Há evidências de que os Açores têm condições de cultivo, pelo que já deveríamos estar a produzir cânhamo em grande escala e canábis, seguindo quer num caso quer no outro a legislação europeia (e não a Portuguesa que ainda apresenta limitações e incongruências, até do ponto de vista científico, que prejudicam todo o sector).
É importante lembrar que o Governo dos Açores, desde a I Edição da CannAzores, se colocou ao lado dos cientistas e profissionais do ramo, demonstrando interesse em criar condições para que a Região encontre o seu lugar no roteiro do cultivo do cânhamo, com vista ao desenvolvimento económico das ilhas e expansão de novas indústrias, criação de mais emprego e mais oportunidades de distribuição de riqueza.

Estão a abrir lojas nos Açores exclusivamente dedicadas a estes produtos. Perspectiva mais negócio na região?
O crescimento deste sector é uma tendência nacional e internacional.
Em Portugal já existem mais de 200 lojas com produtos de cânhamo, ou seja, ricos em canabinóides e muito pobres em THC.
 Estes produtos, adquiridos legalmente noutros países do mercado comum europeu, com certificação e controle de qualidade, têm milhares de utilizações e desempenham um papel importantíssimo no bem-estar e qualidade de vida das populações, sem quaisquer riscos para a saúde pública.
Recordo que estas lojas são considerados de interesse público pelo governo central.
 Em plena pandemia, quando tudo ou praticamente tudo fechou, estes espaços comerciais continuaram abertos, servindo a procura cada vez maior dos clientes.
Ilustrando com o meu caso pessoal, recordo que, desde 2019, sou proprietária de uma empresa deste tipo, sendo um dos principais objetivos, para além da organização de eventos e formação especializada nesta área, a criação de novas lojas a partir do Master Franchising que detenho de uma marca italiana conceituada - Legal Canapa Shop.
Neste momento, temos em carteira a análise de várias propostas para abertura de novos espaços da Legal Canapa Shop em diferentes ilhas dos Açores.

O que é que falta para a expansão e popularidade da plantação e uso em Portugal?
Mais fóruns como a CannAzores e CannaPortugal para partilha de conhecimento, práticas e projetos.
Mais coragem política para mudar as leis obsoletas e discriminatórias em vigor em Portugal que se encontram ao serviço de interesses corporativistas, sem atender ao facto de que o cânhamo, em particular, e a canábis, em geral,  correspondem a um Direito Humano.
Urge liberalizar o seu acesso, legalizar e descriminalizar a canábis recreativa, de uso adulto.
Isto significa que é preciso retirar das cadeias indivíduos, de ambos os sexos, presos por consumo, cultivo ou posse de canábis, como já está a acontecer em muitas partes do mundo.
Ora se a ciência diz que a canábis não é uma droga, que os seus benefícios suplantam largamente alguma situação delicada que advenha do seu uso abusivo, se nos alerta para o facto de que a canábis é fonte de riqueza para elites privilegiadas e milhares de investidores, como justificar que os mais pobres e desprotegidos estejam presos.
Libertá-los é uma questão premente de justiça social.
É urgente  também que haja, no todo nacional e nas ilhas, mais cultivo, mais investigação e disponibilidade mental para uma mudança de paradigma com base na ciência.
Assumir, hoje em dia, uma posição de confronto e negação dos benefícios da canábis e da necessidade de um controle governamental dos níveis de THC da canábis, da sua comercialização legal e comparticipação dos doentes que beneficiam desta planta e seus derivados, é estar do lado errado da história, é persistir na ignorância, é desrespeitar um direito que assiste ao planeta a implorar por mais sustentabilidade, à humanidade que precisa de alimento e remédio para um conjunto imenso de doenças que, na medicina convencional, não encontram os benefícios que esta “planta sagrada” sozinha oferece.
 E tratando-se de uma planta oferecida pela mãe-natureza às populações do mundo é inadmissível que determinadas indústrias queiram dominar para seu proveito próprio aquilo que deve ser de todos.
Por isso é importante que os governos assumam as suas responsabilidades, simplifiquem as regras para o cânhamo industrial, deixem os agricultores cultivar como o fazem naturalmente com outras hortícolas, e legalizem a canábis medicinal com níveis mais elevados de THC, permitam a sua distribuição junto de quem precisa e eduquem a população para o uso responsável desta planta.

jornal@diariodosacores.pt

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