Diário dos Açores

Os Véus no arsenal do medo

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Transparência

Ainda me lembro do tempo em que as mulheres não podiam entrar nas igrejas católicas com a cabeça destapada. O véu era obrigatório.
Os homens, pelo contrário. Tinham de tirar o chapéu ou o que tivessem na cabeça. Inconcebível entrarem com a cabeça coberta.
Desde há séculos que as mulheres têm restrições por serem mulheres.
No Velho Testamento, autêntico manual machista, pode ler-se vários exemplos discriminatórios sobre o género feminino. Desde a serpente no Paraíso que chega negativamente a Adão através de Eva (é ela que insiste com Adão para comer a maçã), passando por Sansão e Dalida (é ela que trai Sansão para lhe cortar o cabelo enquanto dorme e retirar-lhe toda a força). E muitos mais exemplos estão naquele manual judaico que os católicos e cristãos em geral adotaram.
O véu cobre ainda muitas outras religiões, especialmente a ortodoxia islâmica e, como sempre, exclusivamente no feminino.
Na política há véus a cobrirem as ideias de muitos líderes. Por extensão religiosa, a Igreja Ortodoxa russa continua com enorme influência imperialista, espelhando-se nas tiranias do comando político da nação. Putin recebe, diariamente, a bênção deCirilo I, Patriarca de Moscovo e líder da Igreja Ortodoxa russa. Como Patriarca de Moscovo, é por isso a figura mais importante da Igreja Ortodoxa e peça central da política russa nas últimas décadas, sendo um dos pilares de Vladimir Putin e um dos acérrimos defensores da evasão à Ucrânia.
Originalmente chamado Vladimir Mikhailovich Gundyayev, nasceu em novembro de 1946 em Leningrado, atual São Petersburgo e desde 01 de fevereiro de 2009 que se chama Cirilo I. Defensor dos valores religiosos conservadores, já foi acusado de ser ex-informador da KGB – o serviço secreto soviético. Cirilo I é um dos mais poderosos do círculo restrito de Putin e tem sido fulcral no reforço do autoritarismo do Kremlin desde que ascendeu ao mais alto cargo religioso na Rússia.Com o apoio de Putin, Cirilo I assegurou a consolidação dos valores ortodoxos na última revisão constitucional russa, aprovada em 2020, introduzindo diversos princípios conservadores defendidos igualmente por Vladimir Putin, como o casamento reservado aos heterossexuais, o nacionalismo e a imunidade vitalícia dos presidentes russos.
Esta pode ser a peça principal de um puzzle que tem escapado aos comentadores da guerra. Falam nas ameaças nucleares de Putin, mas por ironia, o presidente russo não sairá da retórica para a prática, numa guerra nuclear sem vencedores, porque Cirilo I, sendo uma das únicas pessoas a quem Putin escuta, irá dissuadi-lo de tal holocausto.
Embora o Papa Francisco recentemente lhe tenha dito que os homens da igreja “não devem usar a linguagem política, mas a linguagem de Deus”, o facto é que Cirilo e Francisco continuam a manter conversações mais ou menos confidenciais, sobre a contenção nuclear a ter em conta, para a sobrevivência de tudo o que é vida no planeta. E nisso estão ambos de acordo.

José Soares *

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