“Cada vez é mais difícil um jovem viver nos Açores”
Diário dos Açores

“Cada vez é mais difícil um jovem viver nos Açores”

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Rómulo Ávila emigrou para o Canadá

Rómulo Medeiros Ávila, natural de São Roque do Pico, era diretor do Jornal do Pico e, num curto espaço de dias, decidiu partir para o Canadá.
O “Diário dos Açores” esteve à conversa com o jovem emigrante, que partilhou a sua experiência, sendo que continua a trabalhar na área da comunicação social por terras “de sonho e de oportunidade”.

Fale-nos um pouco de si.
Assumo-me como um Homem do Pico, com defeitos e virtudes. Açoriano de 33 anos. Não faz parte de mim falar no meu currículo, mas tenho formação na área de recursos humanos e comunicação. Apesar de ser jovem, como me considero, a minha atividade cívica, formativa, pessoal, social, cultural, desportiva e política começa a falar por si. Com tudo o que isso tem de muito bom e menos bom.

Sempre desejou emigrar? Em que contexto surgiu a oportunidade de ir viver no Canadá?
Apesar de, na vida, nunca virar a cara a nada e nunca fechar porta nenhuma, emigrar não era, de todo, uma prioridade. Foi tudo muito rápido. Eu sou assim … de decisões. Emigrar surge por várias razões. Primeiro, garantir que a minha família ia comigo foi uma condição.
Depois, a situação vivida na comunicação social açoriana, com mais impacto nas ilhas mais pequenas, não é, como se sabe, a melhor. Há sérios riscos de ficarmos nos Açores reduzidos a três ou quatro jornais e eu prefiro pensar um pouco na frente no tempo.
Depois, porque a minha família picarota (com quem mantemos um contacto diário) está bem de saúde e feliz, tendo entendido logo a minha ambição e apoiado a decisão, sem esquecer que a família da minha esposa nos apoiou e, alguma dela está cá, servindo de alicerce nos primeiros tempos.
A par de tudo isto, e não menos importante, a garantia escolar para os meus filhos. Quero também referir que, apesar de não ter sido uma prioridade, o facto de existirem convites feitos pela comunicação social da comunidade, pesou muito.
Neste momento, sinto-me um Homem de sorte, estou no meio da comunidade açoriana e portuguesa, estou a viver em “Little Portugal - Dundas Street” e estou a trabalhar no que gosto, em todas as suas vertentes. Para existirem tais convites, talvez houve reconhecimento e valorização do trabalho que andei fazendo no meio jornalístico do Pico e dos Açores, ao qual agradeço.
Afinal, e tenho de dizer isto, havia gente que lia, que apreciava e que notou e/ou notava a diferença. Foi aí, claro, que se abriram portas e oportunidades e não saí mal com nada, nem com ninguém. Agradeço tudo, mas parti em busca de sonhos, de ambições, de vida melhor, para mim e para os que considero como meus. E sim, aqui o jornalismo, ainda é visto como algo fundamental na sociedade, onde somos acarinhados quer pelas pessoas, quer pelas chefias. Aqui não interessa se somos amarelos, castanhos ou brancos. Aqui não interessa se estamos bem vestidos ou se usamos calças novas ou velhas. Se temos família ou o que ela faz. Aqui não interessa a nossa vida pessoal ou familiar. Aqui não há historinhas, nem desconfianças sem nexo. Aqui há trabalho, há objetivos, há agendas por cumprir, há valorização quando se sentem as coisas bem feitas e há, por parte dos líderes, uma constante preocupação em que a sua equipa seja a melhor - e se fale dela.

Como olha para o Canadá?
Eu agora percebo bem aquele emigrante que no Pico me dizia “somos portugueses, nunca esquecemos o nosso país, mas temos de colocar sempre a bandeira do Canadá, pois este país nos dá e deu tudo”.
 Percebo isso, porque no Canadá temos a perfeita noção de que somos todos iguais. Que, até nos apoios sociais estatais, não há diferença, recebe por igual quem trabalha muito ou pouco. Recebem todas as crianças, sejam elas filhas de pais com dificuldades ou sem dificuldades financeiras. Tudo é feito por igual.
Há ofertas de trabalho para todos os gostos e nota-se que não há “vergonhas, novelas ou tolices”, quero com isto dizer, que um bancário, por exemplo, de fato e gravata até as 17h da tarde, depois veste o seu fato de treino e vai das 18h às 21h fazer limpezas ou outras tarefas. Ele, nesse caso, é considerado um grande homem ou uma grande mulher, e ninguém fala da vida dele. Cada um aqui faz a sua vida como quer e como gosta. As profissões “liberais“ são bem vistas, ou seja, se cumpres, se fazes as coisas, se entregas as coisas no tempo certo, pouco importa se estás na sala de trabalho ou no gabinete a olhar para as paredes ou a mexericar com a vizinha do lado. Se está feito, se cumpriste, até recomendam ires passear e descansar.
É um país de trabalho, nem tudo é um mar de rosas, mas é um país que, em termos financeiros, paga bem. E se trabalhas bem e cumpres, no Canadá pagam-te o que for preciso para continuares, premiando quem está bem, promovendo qualidade de vida.
Não há um emprego ou uma entrevista de trabalho, que o líder da empresa/organização não te diga “vais receber X, mas isto é para começares” (mas o começar não demora anos, são semanas ou poucos meses).
Em termos de igualdade e respeito, o Canadá é um exemplo mundial. Na rua há de tudo, sente-se e vê-se um multiculturalismo enorme e há uma excelente convivência entre todos. Há respeito pela diferença.
Caso de perfeita igualdade são as escolas/o ensino. No Canadá não há alunos “riquinhos ou pobrinhos”, “não há filhos de médicos ou de homens que recolhem o lixo”. É tudo igual. Todos recebem o mesmo lanche, todos vestem igual, todos usam os lápis, os cadernos e as folhas da escola. Há muito apoio para quem vem de fora, e aqui, o professor ainda é o verdadeiro instrutor para a vida, sendo que a classe docente é valorizada.

Sentiu alguma barreira cultural?
Talvez o idioma pode ser uma condicionante que pese no nosso dia-a-dia. Contudo, nos dias de hoje, com novas tecnologias, até isso fica mais facilitado. Quero com isto referir que, em mais de dois meses cá, nunca fiquei por nada por fazer ou dizer, mesmo sendo noutra língua que não a minha.
Em relação ao sentir a nossa cultura, ela sente-se, vê-se, cheira-se, toca-se todos os dias, a quase todas as horas. O número de açorianos e portugueses cá é enorme. Para exemplificar isso, em dois dias apenas, e em Toronto, tive na Casa do Alentejo e tive na Casa dos Açores. Ainda dei um salto a Mississauga onde se chorava ao ouvir o hino português. Lá batemos um recorde mundial e a comunidade portuguesa, unida e em alegria, entrou para o Guinness World Records.

Que vantagens pode oferecer o Canadá? Acredita numa recente vaga de emigração de jovens açorianos?
O Canadá oferece oportunidades e oferece estabilidade financeira. É um dos países mais seguros do mundo e tem qualidade de vida. O Canadá sendo uma das nações mais novas do Mundo, tem tanto para crescer.
Sobre a vaga de emigração, não quero ser pessimista, mas cada vez está mais complicado, em Portugal, a um jovem, construir uma família e com isso uma habitação e uma vida estável, sem que seja preciso pagar tudo uma vida inteira.
A sociedade portuguesa vive a braços com problemas todos os dias. Vive num país onde se tem de escolher - ou se compra medicamentos, ou se compra alimentos, ou se veste os seus filhos, ou se abastece o carro. Apesar de trabalharem, o custo de vida vai numa tendência crescente e não se perspectiva a sua descida.
Aqui, e não querendo ser repetitivo, faz-me confusão em Portugal/Açores a não valorização do capital humano, dos jovens e menos jovens, dos recursos humanos que existem quer no meio privado, quer no meio público. Trabalham, às vezes,uma vida inteira, dão o melhor de si, horas e mais horas, e ganham sempre o mesmo.
Muitas vezes nem uma palavra de gratidão tem. Daí achar que a nova vaga de emigração pode acontecer, procurando vidas melhores, como os nossos antepassados fizeram por estas terras fora - esses sim, aqueles que nos abriram verdadeiramente o caminho, que fizeram com que agora eu chegue ao Canadá e ouça “se és açoriano, és boa gente e queres trabalhar e viver”.
É triste, sou sincero, formarmos jovens com grandes capacidades, bons profissionais, que até gostam da sua terra e a querem melhorar, mas não sendo acarinhados, partem.

Tenciona regressar aos Açores?
É impossível responder a essa pergunta. Regressar - regressarei sempre - ou de férias ou em alturas assinaláveis com a minha família. Regressar para a vida, confesso, que nos próximos anos grandes, mas grandes mesmo, não está nos meus planos.
Contudo, quero continuar a manter uma ligação aos Açores e à minha ilha - a terra que me viu nascer, que quero bem, que tem tanto para crescer e ser um exemplo. Quero acreditar - porque é sempre tempo - para amar, para fazer melhor e para fazer andar a terra que é de todos nós. Mas falta tanto… (pelo menos para a maioria dos açorianos!)

jornal@diariodosacores.pt

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