Diário dos Açores

Estado de graça

Previous Article Previous Article PSP lança campanha nos Açores “Ao volante, o telemóvel pode esperar”
Next Article Bolsonaro, Marcelo e outras mentiras

Ainda criança curiosa lembro-me desta história que tantas vezes mecontaram e sempre me fez rir cada vez que repetiam. Um grupo de padres e um bispo, hospedados nesta ilha em casa alheia, depois de um bom jantar conversaram até o sono os levarcada um para seus quartos.
Um desses sacerdotes, ainda jovem e muito divertido, ao passar pela saleta, viu os belos paramentos do bispo e quis pregar uma partida a um colega. Depois de bem ornamentado dirigiu-se a suposto quarto do amigo.
Bateu à porta do quarto sonoramente e, ao entrar, deu três vezes com o báculo no chão gritando:
- Eu sou Bispo! Eu sou Bispo - repetiu ruidosamente.
  Qual não foi o seu susto quando ouviu uma ruidosa gargalhada e a voz do bispo que se erguera exclamando sem se desconcertar:
- Bispo sou eu! Tu serás, ou não!

O rei Carlos III, ainda mal refeito de tamanhas transformações, inicia o seu Estado de Graça com todos os britânicos de olhos postos em cada gesto seu. Os açorianos, bem ou mal, continuam na longa espera da sua diocese sem bispo. Carlos, até chegar à sua aguardada hora, muito sofreu! Com tal demora ainda nemdeve estar refeito de tamanhoschoques. Foi príncipe encantado, solteiro, casado, divorciado (sic?) viúvo e, finalmente, pode dizer. - Sou rei! O mais que sabemos remete para boatos, intrigas, tais notícias correm pelo mundo fora.
Por cá, os açorianos estão em “sede vacante” esperando entrar em Estado de Graça logo que o Espírito Santo os ilumine. Não há cargo, chefe ou governante a quem a voz do povo ou de Deus não vaticine aspirações, desejos e que esse Ignoto, tão aguardado, enche o vindouro de expectativas e desejos. Porém, talvez já cansados ou habituados às demoras, chegam a pensar se precisarão mesmo desses pastores pois o rebanho caminha na santa paz do Senhor?
Nem Carlos nem os Açorianos mais ambiciosos esperam futuros grandiosos e sábios profetas para seu governo. Afinal a sombra do passado continua forte e nós, por conta própria, temos Joaquim de Fiore (1135-1202) e a sua interpretação histórica do mundo ligada aos mistérios da Trindade, unificando a intervenção divina à História. O Império do Espírito Santo reina nestas ilhas.
Referia o sábio Padre Ernesto Ferreira (Ao espelho daTradição) que os últimos sebastianistas, que nunca desistiram, viviam em Vila. Esperavam fanática e milagrosamente que, numa manhã de nevoeiro, das brumas do velhinho Ilhéu, surgiria El-Rei, o desejado. Para firmar tal anseio saudosista ou sebástico, a estátua do Infante D. Henrique chegou à Avenida, perscrutando horizontes longínquos e deve ter visto tudo o que acontecerá e o mantém sólido a ver tanto D. Sebastião que chega e se vai de rumo perdido. A perda catastrófica do seu nariz tirou-lhe o faro, mas milhões de neurónios dão-lhe esperanças tão fortes que matam saudades. O futuro virá nas asas do Arcanjo São Miguel com aquele entusiasmo que é o direito de aguardar pelo dever da vinda de um encoberto.
Singrará repetindo palavras cheias de Graça maternal, todo ele futuro, repetindo Palavras Medievais: - O rei morreu, viva o rei! Não há interregno pois o governo celeste transita sem parar. Atrás duns chegam outros. O interregno é abstruso! O bispo D. Lavrador levou consigo o seu báculo e o jovem sacerdote Marco Tavares, já há tempos, publicava que “Por agora, os báculos estão encostados à parece ou arrumados em estojos de sacristias.”
   Será estado de Graça para o Natal tempo de conjugar um vernáculo conluio? Não há que temer, este interregno é obra de Deus. Afinal o Infante a espreitar  o mar pois sabe, para além das calendas gregas, vamos todos em coro cantar na Santa Sé, ou na TVA o hino - Alva pomba que um dia apareceste entre nuvens…. E o reino do Espírito Santo iluminará estrategicamente os Açores transbordantes de glórias no rio Jordão com Palavra de Roma.
De todo o arrazoado que escrevi, pouco ou nada de pessoal resta. Já todos deram sentença, esclarecimento ou arcanos de mistérios. Remeto para o rei Eduardo III (1312-1377) de longa governação, as sábias palavras: “Honi soit qui mal y pense”.
Num baile real, caiu no chão uma liga azul de meia de alguma dama. Face aos risinhos, antes que alguém falasse, o monarca pegou na dita liga num profundo silêncio.Pronunciou a célebre frase em francês, língua falada na Corte. No dia seguinte fundava-se a “Ordem da Jarreteira” tendo o símbolo dourado sob uma liga azul. Hoje é ainda a mais prestigiosa Ordem da Inglaterra pertencente apenas tal escolha “aos Eleitos”. Isso tem fundo lendário e estórias com reis e bispos, rainhas, peões e castelos. Muito pouco sei do jogo de xadrez, pois exige um raciocínio incrível. Mais me abisma a tábua do xadrez da Vida onde estamos todos envolvidos, sem regras, sejam damas ou bisposou outras peças labirínticas, para quem só vê de fora.
Carlos III, já no seu estado de graça, não se livra de macular ou concretizar sonhos reais e plebeus.
A história nunca é o que parece. Também os açorianos não são o que aparentam. Com paciente fé esperam que o jogo abandone os bastidores. Nas palavras do Espírito Santo não há caminhos que possam explicar os Mistérios Divinos. A graça é distribuída em abundância, quer notemos, ou não. Se temos Interregno, Milagre ou Mistério “com o discernimento que o Papa nos recorda”, não se fique por celestiais cânticos só para alguns, mas ao alcance de todo o bom e fiel cristão conforme a fé dos antigos.
Tempestades e catástrofes nunca abundaram tanto. O problema é saber “donde sopram os ventos” frase medieva que não traduzo.

Lúcia Simas  *

Share

Print

Theme picker