Diário dos Açores

Bolsonaro, Marcelo e outras mentiras

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Peixe do meu quintal

Haveria outros candidatos no Brasil sem ser Bolsonaro ou Lula para a presidência da República, a eleger nos inícios de outubro de 2022. No entanto, as manobras políticas de cada candidato convenceram as massas que apenas estes dois se adaptavam ao contexto atual. Um (Bolsonaro) porque teria de ‘cumprir um segundo mandato para finalizar a sua obra’, segundo os seus apoiantes. O outro (Lula), porque o experiente ex-presidente “ressuscitou” – não da morte política – mas das cinzas, do pó queimado, resultado de contas com corrupções mal provadas, julgamentos inquisitoriais provocados e incitados pelos seus inimigos ideológicos.
Entre uma ignorância política (Bolsonaro) e uma raposa matreira como Lula, venha o Diabo e escolha…
No entanto não deixa de ser admirável a enorme resiliência de Lula da Silva, já provada aquando da sua primeira eleição, sobre a qual publiquei uma crónica no Açoriano Oriental a 29 de outubro de 2002. Já naquela altura, Lula apresentava-se pela quarta vez “… Lula queria tanto governar, que à quarta foi de vez…”. (Crónica dos Regressos, ed Calendário de Letras, 2014, pag 82).
Agora com larga experiência das várias vicissitudes da vida – veio dos bairros pobres, conviveu com a fome e a miséria, viuvou duas vezes, lutou contra um cancro, preso durante as ditaduras militares e muito mais, Luís Inácio Lula da Silva, operário metalúrgico e oitavo filho de uma família pobre, fundou um partido político - o PT, Partido dos Trabalhadores - e chefiou uma central sindical, num projeto organizado e disciplinado durante duas décadas até à sua primeira eleição em 2002. Quer se goste ou não, Lula é uma referência histórica do Brasil e vai cimentar essa referência sendo novamente eleito presidente da República Federativa do Brasil. Não é um alinhado da política convencional, mas é um monstro político, considerado ‘fora da caixa’ pelas elites estabelecidas, Lula da Silva criou poderosos inimigos, como os próprios meios de comunicação social (alguns nas mãos de grandes interesses do capital) bem como de lóbis dos mais variados interesses nacionais e internacionais, uma vez que estes se sentem intimidados ante a perspetiva do ex-sindicalista, radical e alinhado às teses de esquerda chegar à presidência mais uma vez. Mas mais uma vez, Lula resistiu e adaptou-se, moderando o seu radicalismo sindicalista. Foi acusado, condenado e preso. Eventualmente solto por serem fracas as provas que o tinham condenado, Lula nunca desistiu. E num país de 213 milhões de pessoas, onde a riqueza ainda está nas mãos de um punhado que rejeita deixar de ter o controlo e os privilégios, torna-se impossível não admirarmos este carismático líder dos mais fracos, dos que sofrem na pele a fome, a miséria e toda a sorte de discriminação social.
E depois temos o Marcelo atual presidente português que vai visitar a Califórnia e os luso-descendentes, menosprezando a representação açoriana na sua farta e gorda comitiva, nem convidando o presidente dos Açores para o acompanhar, dado que a grande maioria dos luso-americanos são descendentes das Ilhas Açoreanas. Marcelo, cujo nome foi adotado do seu padrinho Marcelo Caetano, ainda não se adaptou a quase cinquenta anos de regime democrático em Portugal. Prefere praticar o “integracionismo franquista”, menosprezando a entidade dos povos insulares. A sua cartilha espelha-se no que aprendeu na escola e tem os mesmos tiques antiaçorianistas que Cavaco tinha. Só que agrava com a idade:
“A razão de uma política que defendia a existência de Portugal como nação ultramarina residia no facto de ser este o meio mais eficaz para a salvaguarda da independência do país. Pela sua reduzida dimensão, pelo seu atraso, pela sua posição no mapa geopolítico europeu, apenas a existência de uma nação portuguesa soberana, centralista, espalhada por vários continentes, impediria, em última análise, uma opção europeia na política externa (Martins 1996: 671).”
No seu derradeiro mandato, Marcelo pratica uma política integracionista, ou seja, do caráter sagrado da união histórica e civilizacional entre a metrópole e as extensões ultramarinas da nação portuguesa, una e indivisível, menosprezando as instituições autonómicas insulares, conforme o básico estipulado na Constituição do país que ele diz representar.
Autonomia progressiva, é coisa que paira tenebrosamente na mente formatada desde o berço doirado no tempo da outra senhora. Em Portugal, como no Brasil, alguns órgãos da comunicação social andam de conluio com as forças políticas dominantes, dando-lhes tempo de antena para ajudá-los a fazerem a sua própria cama política nacional – foi o caso de Marcelo. Alguns desses patrões das médias, oferecem espaço para que os membros da elite (sempre os mesmos) ex-políticos e líderes partidários, possam desenvolver os seus planos de quase perpetuação do poder, através de propaganda camuflada pelas mais diversas intervenções de oratória e retórica. São nocivos ao desenvolvimento da Democracia, porque lhes custa apagar (delete) as memórias dos tempos.
Não admira, pois, que por todo o chamado Ocidente Democrático, as extremas direitas estejam cada vez mais perto de governar (em Itália, já aconteceu). Para tal estão contribuindo todos os que adulteram os princípios da Ética Republicana sem qualquer pudor nem dignidade.
Como disse um destes dias um bom democrata que é o socialista Álvaro Beleza, sobre a deputada socialista Isabel Guerreiro por esta ter pedido para apagar a gravação e a ata, sobre perguntas da Iniciativa Liberal dirigidas à ministra Ana Abrunhosa. E dizia Álvaro Beleza: “temos de ter melhor qualidade de deputados na casa da democracia portuguesa. Temos de melhorar o sistema eleitoral português. As listas não devem ser preenchidas de candidatos(as) pelos chefes dos partidos, mas sim pelo povo. Agora que se aproximam os 50 anos de democracia em Portugal, a melhor oferta que os políticos poderiam fazer ao país era mudar a lei eleitoral.”
Eu não poderia estar mais de acordo com este cidadão. Este sim, preocupa-se com a escalada das extremas e para tal, nada melhor do que a transparência de princípios na vida pública. Já muito temos escrito sobre o assunto ao longo das últimas três décadas.

José Soares *

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