Diário dos Açores

Extrema-direita: Filha bastarda da esquerda?

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Se alguma dúvida houvesse, a recente votação nas presidenciais brasileiras veio ajudar a esclarecer: o inqualificável e protofascista Bolsonaro consegue 51.071.277 votos com uma percentagem final de 43,20%, a uma curta distância de cerca de 5% de Lula da Silva.
Como é obvio, o Brasil não tem 51.071.277 tolos ou inimputáveis.
Demonizar, pura e simplesmente, a onda de votos caídos nos ditos partidos populistas, um pouco por todo o lado, é uma miopia política de consequências imprevisíveis. Como provam os votos em Bolsonaro a recente vitoria eleitoral de Giorgia Meloni e dos seus Irmãos de Itália.
Há mais de duas décadas que a direita populista passou a fazer parte do xadrez político europeu tendo, como expressões consolidadas, Marie Le Pen da Franca e Vicktor Orbán da Hungria. E, mais recentemente, o Vox em Espanha e o Chega em Portugal. E, agora, os Irmãos de Itália e do Democratas da Suécia.
A extrema-direita veio para ficar.
Não tendo nascido do nada, importante se torna perceber que foi a incapacidade dos partidos tradicionais, encapsulados nas suas estruturas rígidas e fechadas para dentro, de se reformarem – sobretudo os de esquerda – que abriram a porta ao populismo.
Nas suas torres de marfim, foram-se afastando, progressivamente, do cidadão comum e dos seus medos e anseios. Deixaram de perceber e saber interpretar a revolta profunda que as gritantes desigualdades sociais, a falta de segurança e as incertezas do futuro criam no cidadão comum.
Esse divorcio iniciou-se há muitos anos e tornou-se campo fértil para os apelos ao saudosismo e ao passado. Permitindo que “novos” líderes se apropriem da condição de “verdadeiros” representantes do povo assumindo grandes temas como a imigração, o emprego e as reformas, a corrupção, as questões fracturantes de caracter cultural e religioso e por aí fora.
Perante a apatia dos partidos tradicionais que se têm mostrado incapazes de perceber e resolver os problemas concretos pessoas, antes optando pelas querelas partidárias e pelos soundbites dos debates parlamentares que tem cavado, ainda mais fundo, o fosso como cidadãocomum o que se refugia na abstenção e/ou se deixaencandearpelas demagogias dos “novos” encantadores de serpentes.
A falsas notícias (fakenews) tornaram-se numa ferramenta política extremamente eficaz e magistralmente utilizadas por personalidades tão diferentes, e simultaneamente tão semelhantes, como Trump, Putin ou Bolsonaro. Perante os braços caídos da política tradicional que ainda não percebeu que eleições passam, cada vez mais e de que maneira, pelas redes sociais.
As grandes oportunidades políticas do populismo passam pela inércia e conservadorismo da política tradicional, sobretudo e como se disse da esquerda moderada, que, por definição, deveria ser o arauto e o solucionador daquelas que são as preocupações centrais das pessoas e que implicam um trabalho de base e um conhecimento profundo da natureza do ser humano que, perante o medo e a insegurança, se vende por um prato de lentilhas.

António Simas Santos  *

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