Diário dos Açores

O que é a Lusofonia - Parte 8 (II) 20 anos de colóquios de 2002 - 2022

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Da Gallicia à Galiza - Abertura 18º Colóquio, OUT.º 2012
Esta comunicação não é académica, pois nem amores nem sentimentos se podem dissecar num laboratório. A minha ligação à Galiza data de 1030 AD, segundo a avó paterna, e começou aqui em Cellanova, com o Conde D. Nuno, sogro da Infanta Sancha, filha de Henrique de Borgonha, conde de Portucale. No primeiro Colóquio (2002 Porto), conheci um empresário, Ângelo Cristóvão, que sonhava com a Galiza lusófona. Portugal e Galiza são povos irmãos de costas voltadas, como se houvesse um imenso mar a separá-los. Na escola falam-nos da variante galega como das guerras de Esparta e Atenas, nesta mania de desvalorizar a história. O problema é político e sensível. Só os utópicos acreditam que o futuro da Galiza passa pela unificação da escrita (o AO-1990 é o instrumento a brandir contra o status quo da imutabilidade histórica). A história sempre se fez de guerras e de casamentos entre tribos, e a língua comum assume um papel vital de moeda de troca. Se a guerra dos afetos entre povos irmãos parecia exclusiva da coutada dos poetas, o interesse económico é motor capaz de inverter políticas nacionalistas.
Fala-se mais Português em Angola hoje do que durante a presença portuguesa, apesar da competição das línguas nativas. Em Goa há um recrudescimento do interesse e novos livros surgiram 50 anos após a extinção da presença lusófona. Em Macau a língua é mais falada hoje do que quando os portugueses lá estavam. Em Timor, há 25% de falantes da segunda língua oficial e sob a ocupação neocolonial indonésia foi usada como língua de resistência.
Idiomas da Tailândia, Malásia, Índia e Indonésia têm palavras portuguesas/galegas. A língua japonesa tem várias palavras como: álcool, veludo, jaqueta, bolo, bola, botão, frasco, irmão, jarro, capa, capitão, candeia, castela (bolo de pão-de-ló), copo, vidro, tempero, tabaco, sabão, sábado, choro, tasca, biombo etc.
Há um idioma na Malásia, Singapura, Tailândia, Ceilão e Indonésia, o Papiá Kristang (língua cristã) e o Patuá de Macau, em vias de extinção. Os portugueses/galegos falam com estas gentes sem dificuldade. No Reino de Espanha há quem fale Português, como língua de resistência ao domínio cultural que faz sujeitar o galego às normas ortográficas castelhanas, tentando apagar a identidade cultural do velho reino. A língua galega é sob todos os aspetos históricos, filológicos e paleolinguisticos, português da Galiza, mas Português. Na Extremadura espanhola, onde nunca houve língua comum, é ensinado a milhares de pessoas. A língua expressa o sentimento dos povos, permite a preservação das lendas e narrativas, recria as baladas dos bardos, favorece a leitura dos clássicos, aproxima povos e perpetua o ADN.
 É nossa vontade que na Galiza se proceda à reintegração na Lusofonia, como a História o manda e apoiamos desde a primeira hora a criação da AGLP. A questão da ortografia é política, sendo um grave erro estratégico não afirmar que “galego e português são a mesma língua.” Tem faltado construir pontes, os políticos estão temerosos de ofender a vizinha Espanha e os galegos temem a autonomia cultural, mas só evoluem intelectualmente quando se expressam na língua materna e não na castelhanizada. O galego atual será o encontro com as origens em que simultaneamente ganham um poderoso meio de comunicação, a nível cultural e comercial, que ajudará a crescer a Nação Galega neste mundo globalizado. Escrever galego-português na norma lusófona dá-lhe dimensão mundial e é a única forma de salvá-lo da morte.
O português não é de Portugal, mas dos países que o adotaram como oficial além da Região Autónoma Especial de Macau na China. Afonso X, rei castelhano, trovou em galego-português por ser uma língua melódica. Hoje, aqui estão alguns autores açorianos a partilharem o que há de comum entre a Galiza e os Açores: duas insularidades culturais no seio da Europa.

Académico correspondente da AGLP, 18º Colóquio, 2012
Aos 22 anos (1972) lancei o primeiro livro de poesia, a que outros (crónicas e ensaio político) se seguiram. Fui sempre jornalista e tradutor. Faço 40 anos de vida literária e 47 de jornalismo. Considero uma honra maior ter proferido uma palestra (março 2010) na Academia Brasileira de Letras. Hoje, segue-se a segunda maior honra, ao entrar para Académico da AGLP, e pode contar com o meu total e dedicado apoio, na luta para a reposição da língua portuguesa da Galiza, em todas as esferas da vida e nos fóruns internacionais.
Falta concluir a unificação ortográfica da língua de todos nós, pois podemos preservar as diferenças, mantendo unificada a escrita. Respeitando a diversidade do Português, que é a sua grande riqueza, impõe-se a aproximação, em domínios ligados ao uso contemporâneo, como é na terminologia científica e técnica e neologismos, sem prejuízo da salvaguarda das especificidades de cada variante, enquanto manifestações de identidades e alteridades culturais irredutíveis. Obrigado, por aceitarem este mero aprendiz de feiticeiro da escrita no seio de académicos mais distintos e qualificados. Como simples artesão da palavra, poeta e sonhador de utopias manterei a saudável loucura ao serviço da língua.

Chrys Chrystello*
*Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

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