Diário dos Açores

Combater o populismo, prioridade imediata!

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Num interessante texto, dado à estampa no suplemento do domingo passado do jornal “Público”, o actual Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, embora invocando a sua qualidade de Membro da Comissão Política do Partido Socialista, apresenta os remédios que propõe contra o avanço da extrema-direita na Europa. Trata-se de um trabalho bem articulado e melhor escrito, que necessita reflexão e debate, para o qual me disponho a dar o meu modesto contributo, esperando que muitos mais venham a ocorrer, como merecem tanto o texto como o seu Autor.
Desde logo, se bem entendi, o texto em causa acaba visando sobretudo o populismo, atitude muito presente no discurso dos porta-vozes dos partidos de extrema-direita, mas aliás hoje em dia generalizada entre os intervenientes na cena política, tanto institucionais como informais, nestes abrangendo os inúmeros participantes nas redes sociais. E aqui devo sublinhar o meu acordo com o ponto de vista de Augusto Santos Silva.
 É deveras preocupante verificar como o modo de praticar o debate político tem degenerado da argumentação aberta e racional para a desvalorização da pessoa do adversário e até para o insulto, puro e duro. Ora, como bem lembra o Autor, esse defeito é partilhado genericamente, com manifesto prejuízo para a qualidade da nossa Democracia.
Recordo a este propósito os tempos fundacionais, imediatamente posteriores à Revolução do 25 de Abril, quando havia que difundir as ideias democráticas e diferenciar os programas partidários, com um permanente esforço para convencer as pessoas, apelando para o seu intelecto. Por sinal, não faltaram então também os processos de intenção e os ataques pessoais, mas eram sobretudo os extremistas que a eles recorriam, sem obterem troco na mesma moeda e com isso se desvalorizando aos olhos dos cidadão, ávidos de esclarecimento.
Ainda na Assembleia Constituinte a valorização do argumento racional prevaleceu sobre os comportamentos extremistas, que também ocorreram, e por isso as votações foram sendo feitas com convicção, ganhando uns e perdendo outros, mas nem sempre os mesmos, com elevação e até galanteria. Julgo que esta é uma das razões para a “prova do tempo” que a Constituição de 1976 tem dado, conforme o prognóstico profético do seu Presidente, Henrique de Barros.
À medida que os anos foram passando esta salutar prática foi substituída pela predominância das posições fechadas de cada partido, ás quais, contrariando o disposto na própria Constituição, os Deputados, eleitos directamente pelo Povo e portanto titulares em pessoa do mandato popular,  são forçados a submeter-se,  em nome duma duvidosa “disciplina partidária”, sob ameaça de afastamento das listas nas eleições seguintes, como posso testemunhar por experiência própria.
Acresce, conforme afirma com razão o Autor, que os partidos centrais do nosso regime democrático, foram esquecendo os seus princípios programáticos e deixaram sem resposta os problemas hoje em dia sentidos por largas faixas da população, passando o PS a ocupar-se sobretudo com as questões chamadas fracturantes, promovidas por grupos minoritários activistas, enquanto o PSD se ia deixando “colonizar” ideologicamente pela Direita, da qual hoje em dia muitos dos seus dirigentes se afirmam mesmo fazer parte. A debandada dos eleitores é já evidente, com muitos deles a optarem pela abstenção, outros pelos novos partidos entretanto surgidos no campo político, incluindo a extrema-direita.
Ora, o que é preciso é dar respostas aos problemas sentidos por esses eleitores desiludidos e  pelos que apesar de tudo se mantêm fiéis aos mecanismos institucionais da Democracia, mas também estão sofrendo os efeitos da alta do custo de vida, do desemprego, jovem e menos jovem, das desigualdades sociais, das quais está resultando o agravamento do fosso entre os muito ricos e os pobres, com cada vez mais novos pobres a entrarem nele, saindo da classe média agora empobrecida, o que se verifica sobretudo com os reformados e os pensionistas.
Para Augusto Santos Silva, é preciso e mesmo urgente valorizar o jornalismo sério e introduzir nas redes sociais o discurso moderado dos que querem solucionar os problemas e não apenas denunciá-los com espalhafato e envolvendo tudo e todos como responsáveis por eles. Eis mais uma orientação a reter, assumindo as suas consequências práticas!
O Autor não esconde, antes claramente assume, a sua orientação como sendo de Esquerda, mas vinculada aos valores da Democracia e aos princípios da Economia social de mercado, que substituíram os antigos propósitos de colectivização dos meios de produção, constantes do bê-á-bá inicial do Partido Socialista, aos quais se mostram aferrados os membros da ala mais próxima das posições do Bloco de Esquerda, críticos de qualquer cedência à iniciativa privada, pelo menos quanto aos serviços públicos considerados essenciais, Educação e Saúde em primeiro lugar.
Os avisos deixados contra as posições extremistas têm afinal endereço certo para dentro do próprio PS, o que vem tornar mais claras as dificuldades com que hoje a maioria parlamentar se debate, procurando perpetuar-se no poder por detrás do espantalho de uma aliança nefanda do PSD com a extrema-direita, diabolizada pelo seu extremismo, que afinal parece estar bem equitativamente espalhado entre os parceiros da ex-”gerigonça”, lestos na prática do cancelamento e dos variados tribalismos, mas sempre afinal procurados como potenciais aliados.  

João Bosco Mota Amaral*

* (Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico)    

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