Diário dos Açores

Liberdade a sério

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Aí/ Só há liberdade a sério/ Quando houver/ A paz, o pão, habitação/ Saúde, educação/ Só há liberdade a sério quando houver/ Liberdade de mudar e decidir/ Quando pertencer ao povo o que o povo produzir… (Canção de Sérgio Godinho nascida em Abril,1974)

Um ano antes da Revolução de 25 de Abril, já com 49 anos, Portugal assistia ao estalar do verniz das “liberdades” instituídas por Marcelo Caetano, com vista a prolongara ditadura fascista (o Estado Novo) que, com Salazar, se instalara em Portugal após o golpe militar de 28 de maio de 1926.
Em 1973, a guerra prosseguia, vitimando mortalmente a juventude, e a polícia política salazarista (DGS, sucedânea da PIDE) procedia a mais uma vaga de prisões de opositores do regime, que encheu a cadeia de Caxias, enquanto o Tarrafal abarrotava de patriotas das colónias, e Amílcar Cabral era assassinado. Entretanto, por ação da resistência que se reforçava, e entre os militares de baixa patente que eram carne para canhão na guerra colonial, já fervia a contestação ao regime, e nas colinas do Boé, o PAIGC declarava unilateralmente a independência da Guiné-Bissau.
Asfixiado pela ditadura, os ventos da história, estavam a mudar em Portugal, e a ansiada Liberdade explodiu na madrugada de 25 de Abril do ano seguinte, com um golpe vitorioso organizado pelos heróicos “capitães” do MFA.
Se a libertação dos presos políticos das cadeias fascistas constituiu a imagem mais forte, comovente e simbólica da liberdade imediatamente conquistada pelo golpe dos heróicos capitães, só com o povo que entretanto aderiu em massa à ação dos militares e com eles se aliou durante os governos provisórios entretanto constituídos até às eleições para a Constituinte, foi possível transformar o derrube da ditadura numa verdadeira revolução que avançou na conquista da “Liberdade a Sério” de que Sérgio Godinho falava na sua canção: A PAZ, com o fim da guerra e a Independência das colónias (a que se seguiram as Autonomias insulares). O PÃO, com o salário mínimo, as reformas, o direito às férias, as prestações sociais, o controlo público da banca ou das grandes empresas e o controlo da produção. A HABITAÇÃO, com a criação do Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL) e as políticas de habitação social e eliminação das barracas. A SAÚDE com a criação do Serviço Nacional de Saúde universal e gratuito. A EDUCAÇÃO com a alfabetização, o ensino obrigatório, a Escola Pública e os apoios aos universitários e à cultura.
Escreveu-se a Constituição Portuguesa dando voz incontestável ao Povo, e integrando a Liberdade a sério. Mas até hoje o afã da esmagadora maioria dos governos, controlados pelo PS e PSD, foi para se desviarem progressivamente dessa Liberdade, esquecendo a paz e enviando de novo militares portugueses para os palcos de guerra, o controlo público da produção estratégica, a justiça social e salarial (em dez anos os gestores foram aumentados em 47% e os trabalhadores perderam 0,7% do salário), ou a saúde, a habitação e a educação (retirados pelo PSD, no seu hino, aos versos de Sérgio Godinho). Excluindo o aproveitamento populista dos que hoje anseiam pelo regresso à era da “outra senhora”, até o “Povo” estes governos esqueceram, passando, de acordo com as conveniências, a chamá-lo “consumidores”, “sociedade civil”, “contribuintes”, ou “famílias”, para tentar contornar as obrigações constitucionais.
No entanto a Constituição de Abril existe e deve ser cumprida. E o Povo, porque também existe, porque tem vontades e direitos que lhe estão a ser negados e sente a sua liberdade golpeada, está hoje novamente a sair à rua… para que Abril se cumpra!


Mário Abrantes *

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