O mito e a Fé que sustentam a crença açoriana (Parte II)
Diário dos Açores

O mito e a Fé que sustentam a crença açoriana (Parte II)

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Senhor Santo Cristo dos Milagres

(Continuação da página anterior)

Das jóias constam ainda a coroa de espinhos, a corda, o ceptro e o relicário. Neste vasto legado estão também presentes as inúmeras capas, ornamentadas por jóias provenientes de doações diárias por parte dos fiéis.
 
Resplendor

O Resplendor é uma das peça de joalharia mais complexa, acabando por ser o verdadeiro ex-líbris do tesouro o Ecce Homo. Da autoria do arquitecto Mateus Vicente de Oliveira e do agastador polaco Adão Gottlieb Pollet, esta peça é repleta de significado e simbolismo religioso.
Caracteriza-se por estar repleta de rubis, esmeraldas, safiras, ametistas, topázios, pedras preciosas e diamantes. Se bem que os diamantes sejam na realidade topázios incolores.6
O resplendor afigura-se em forma circular, sendo em prata e revestido a ouro. No centro do mesmo é possível verificar-se a presença das figuras de: “um Agnus Dei sobre o Livro dos Sete Selos, a cruz, um triângulo evocativo da Santíssima Trindade e um cálice, píxide, galhetas, o pelicano, o galo simbolizando a negação de Pedro, o guião com as letras SPQR (Senatus Populus que Romanus), a coluna da flagelação, a bolsa de Judas, os dados que sortearam a túnica de Cristo, a coroa de espinhos com que coroaram Jesus no pretório de Pilatos, os cravos com que foi pregado na cruz, a esponja com vinagre com que Jesus matou a sede, a lança que trespassou o lado do Senhor, a mão com que foi esbofeteado, a moca, a túnica do Senhor, a cana que Lhe puseram na mão a fingir de ceptro, a lanterna com que foram procurar Jesus no jardim das oliveiras, o azorrague e o feixe de varas com que foi flagelado. A escada, o alicate, o martelo e a espada são os instrumentos que serviram na crucificação, tal como, o jarro, a bacia e a toalha. Na orla do diadema, desenham-se o trigo, a videira e os símbolos do Martírio e da Paixão de Cristo organizados em oito grupos.” 7
Este belíssimo exemplar de joalharia é colocado três vezes no ano na Imagem do Senhor Santo Cristo, na respectiva Festa do Senhor Santo Cristo dos Milagres, na Festa do Cristo Rei e na Novena dos Espinhos.8
Coroa de Espinhos

A coroa de Espinhos surge em representação da coroa colocada sobre a cabeça de Cristo, sendo deste modo apresentada a realeza de Jesus.9 No total o Santuário detém duas coroas. Porém, a primeira remonta à uma oferta realizada pela 2ª zeladora, da imagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres, a Madre Teresa de Jesus Maria.
No caso da segunda peça, a mesma é atribuída a uma oferta realizada por D. Luís António José Maria Gonçalves da Câmara, o então 6º Conde da Ribeira Grande. Esta peça em ouro é revestida de pedras preciosas, diamantes e rubis, sendo composta por: “um lineamento entrançado, com um eixo centrado em três espinhos verticais rematado ao centro por um diamante triangular”.10

Ceptro

A imagem do Senhor Santo Cristo detém vários ceptros ou palmas, retratando a cana entregue pelos romanos a Jesus no Pretório, remetendo deste modo à representação do poder real.11
No que respeita ao primeiro ceptro, o mesmo era composto por uma cana de flores de seda, executado pela Madre Jerónima do Sacramento, religiosa do Mosteiro de Santo André de Ponta Delgada.
Durante o tempo da Madre Teresa de Jesus Maria, a 2ª zeladora, surge o segundo ceptro da imagem, neste caso uma cana de ouro. Já o 3º ceptro, uma jóia setecentista, de autoria desconhecida, é de ouro e prata, com diversas pedras preciosas e na qual a sua forma equivale “a um ramo de flores com doze folhas móveis e com um laço sobreposto, cujo nó é rematado com a insígnia da Ordem de Cristo (…)”,12 encontrando-se na base, uma imagem de Nossa Senhora da Conceição em: “ ouro esmaltado e uma pluma de brilhantes.”13
Este exemplar foi oferecido, pela então Condensa da Ribeira Grande, D. Margarida Francisca Tomásia de Lorena, de modo a eternizar a memória do marido.14

Corda

A corda ostentada pela imagem é uma alusão, à corda que amarrou Jesus à coluna para ser flagelado.15 Esta caracteriza-se por ser de: “tissu de ouro torcido da direita para a esquerda com quatro segmentos unidos nas extremidades em dois nós, dos quais partem pontas rematadas por borlas e duas laçadas pendentes. Tem aljôfares com aplicação de jóias.”16
Como acontece com o restante espólio, esta peça de joalharia barroca, foi incorporando ao longo dos anos jóias provenientes de doações dos devotos ao Ecce Homo, contribuindo para que a mesma fosse sendo alterada ao longo dos anos.

Relicário

O relicário foi criado de modo a ocultar o busto sacrário da imagem. Dadas as características, a relicário ostentado pela imagem, é: “uma peça de joalharia religiosa de finais do séc. XVIII de estilo classicista, com data atribuível de 1790”.17
De formato oval, esta contêm a relíquia do Santo Lenho,18 contribuindo para que a mesma seja descrita como um relicário. No centro deste, é possível visualizar “o desenho de uma cruz latina cercada de brilhantes. Os materiais utilizados são o ouro e forrado a prata com aplicação de pedras preciosas.”19  
O antigo relicário, serviu de matéria-prima para o actual, tendo sido assim substituído por uma jóia mais valiosa.18  
Mais uma vez, esta nova peça ficou a cardo dos condes da Ribeira Grande.

Capa

A imagem do Senhor Santo Cristo, para além de coberto pelas jóias também é coberta por uma capa, simbolizando assim os algozes que cobriram os ombros ensanguentados de Cristo.
Esta peça é formada por diversos matérias e incrementada de jóias, registando-se a existência de dezenas de capas que compões o espólio do “Senhor”. Actualmente, as mesmas acabam por ser oferecidas por muitos devotos à imagem.
Presentemente as capas são todas: “em seda natural, brocado, bordadas a ouro e com maior ou menor número de jóias incrustadas”,20 para além das jóias que embelezam as mesmas.
É possível averiguar a figuração de instrumentos da Paixão de Cristo e motivos vegetais de simbolismo religioso, como espigas, cachos de uvas ou folhas de videira.
Das capas presentes no Santuário, destaca-se uma oferecida por D. João V, através da sua mulher D. Maria Ana de Áustria, de modo a que a imagem ostente-se um manto com o mesmo brocado presente no manto real de sua majestade.
Duramente muitos anos, esta mesma capa era a utilizada na procissão que se realiza na manhã de Sábado das festas, mas dada à sua na antiguidade a mesma acabou por ser substituída pela capa oferecida pelo Morgado Luís da Câmara Coutinho Carreiro de Castro.
As capas vão sendo alteradas e substituídas várias vezes ao longo do ano.
Em suma, a riqueza material que ostenta a imagem não se compara à riqueza milagrosa que acompanha a essência da mesma. É esta que faz movimentar milhares de pessoas que enchem as ruas em busca de um reconforto para atenuar os problemas, tristezas ou doenças que possam existir, mas que são colmatados quando vislumbram a imagem do “Senhor” ou acompanham o mesmo na sua caminhada de bênção ao povo açoriano.

1Soares: 2018, 87
2Ibidem
3Idem: 88
4Idem:89
5 Idem: 94
6Idem: 111
7Idem:  111-112
8Idem: 112
9Idem: 110
10Ibidem
11Idem: 109
12Idem: 110
13Ibidem
14Ibidem
15Idem: 109
16Ibidem
17Idem: 113
18Ibidem
19Ibidem
20Idem: 114

Bibliografia:
SOARES, Hélio Nuno: Os promotores de uma devoção no séc. XVIII: o Senhor Santo Cristo de Ponta Delgada. Revista da FLUP. Porto. IV Série. Vol. 12 nº 1. 2022. 85-106
SOARES, Hélio Nuno, O Mosteiro de Nossa Senhora da Esperança de Ponta Delgada: uma proposta de valorização patrimonial em diálogo com a comunidade. Dissertação de Mestrado.  Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 2018
ENES, Maria Fernanda, “A invocação e o culto do Senhor Santo Cristo em Ponta Delgada – São Miguel”. In MARQUES, Cátia Teles e, Coord., Cultura - Revista de História e Teoria das Ideias.  Lisboa, Universidade Nova de Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, vol.  27, 2010, p. 211-226. Disponível em: http://cultura.revues.org/347
https://www.rtp.pt/acores/comunidades/origem-do-culto-do-senhor-santo-cristo-dos-milagres-daniel-de-sa_39874
http://senhorsantocristo.com/new/

*jornal@diariosodsacores.pt

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