Diário dos Açores

Terra, um empréstimo dos nossos filhos

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Saúde Pública e a Saúde do público, semana a semana (16):

A Ciência da Semana: a Terra está a arder…

O Earth Energy Imbalance (EEI), Desequilíbrio Energético da Terra, atingiu 1,97 W/m2 (média de 12 meses - a partir de dados de satélite, da NASA). O EEI é a diferença entre a quantidade de energia do sol “ganha” na Terra, e a quantidade de energia devolvida para o espaço (perda). Estes são dados da NASA, que informou ainda, oficialmente, que Junho de 2023 foi o Junho mais quente do mundo desde que começaram os registos, em 1880: 1,07°C (1,93°F) acima da média da linha de base de 1951-1980 @NASA. Os 5 Junhos mais quentes ocorreram, todos, desde 2019!
A Terra, o único planeta que sabemos ter Vida, é frágil, tal como o é a própria vida. Basta recordarmos que no ser humano um ligeiro aumento de temperatura corporal tem efeitos catastróficos (“febres altas”). Mas, tal como no corpo humano, há um ponto a partir do qual dificilmente se consegue salvar a vida. Tudo o que há a fazer, tem de ser feito antes de chegar a esse ponto.

Os dados para análise, desta semana: recordar palavras de Sir David Attenborough

Sir David Attenborough, naturalista britânico, formado em ciências naturais pela Universidade de Cambridge, foi a voz e a face dos programas de TV sobre história natural, nos últimos 60 anos. Os seus inúmeros trabalhos foram feitos para a rede britânica de televisão BBC, da qual foi director, entre 1965 e 1972. O produtor, narrador e documentarista de 97 anos criou os documentários sobre a Natureza. Programas como “Life on Earth”, “Blue Planet” e “Planet Earth” trouxeram o mundo selvagem para as nossas casas, mostrando a maravilhosa grandeza e diversidade da vida na Terra. 
Mas, nesta fase da sua vida, Sir Attenborough assumiu um papel ligeiramente diferente: defender a biodiversidade, e ecossistemas efémeros. Em 2019 deu mais uma oferta à Humanidade: narrar o documentário da Netflix “Nosso Planeta”, centrado na defesa da conservação da vida selvagem em cada episódio, de forma muito mais deliberada do que nas séries anteriores. Sir Attenborough também emprestou a sua voz ao documentário da BBC “Climate Change: The Facts”, que explica a ciência e as estatísticas sombrias, que alimentam as mudanças climáticas.
“Acho difícil exagerar a dimensão do perigo”, disse Sir Attenborough, no FMI, em Abril de 2019. “Esta é a nova Extinção, e estamos a meio dela. Estamos em apuros, e quanto mais esperarmos para fazer algo, pior ficaremos.”
Nessa altura, Sir David Attenborough concedeu uma entrevista, que recordo aqui. Questionado sobre se, como documentarista, haveria algum desafio em contar histórias sobre a perda da vida selvagem (muitas espécies em todo o mundo estão a diminuir, de forma surpreendente), Sir David Attenborough disse:
“Nos programas de história natural, mostrando apenas o que os animais fazem, os conflitos que os animais têm, os problemas que os animais têm, a maneira como interagem, como os pássaros voam, como cortejam, o que os insectos fazem nas árvores, mostramos o essencial; só entendendo o mundo natural se entende o quanto as ligações são tão complexas que facilmente as danificamos, sem sequer o sabermos. Compreender a complexidade do mundo natural é crucial.”
Confrontado com a cena mais perturbadora da série (morsas forçadas a ir para um pequeno trecho de terra seca, devido ao “encolher” do gelo marinho no Ártico, o que forçou algumas a escalar um penhasco, e caírem para a morte), Sir David Attenborough comentou:
“Trabalhei para a BBC, rede que tem de ser independente, e que não pode ser alvo de pressão de nenhuma facção. Mas, há sempre um momento em que os factos científicos são avassaladores; isso aconteceu, por exemplo, no caso do tabagismo e do cancro. Havia “vozes altas” a dizerem-me a toda a hora: “A BBC não deve dizer que existe uma ligação entre o cancro [e o tabagismo]”. E a BBC acabou por ter evidências científicas suficientes para que houvesse certeza absoluta. E a mesma coisa está a acontecer agora”.
Questionado sobre se é pessimista em relação ao futuro, respondeu: “As coisas vão piorar. A questão é apenas quanto, e com que rapidez, vão piorar. A velocidade está a aumentar. O que quer que façamos agora, a situação tende a piorar. A menos que ajamos com firmeza nos próximos 10 anos, estaremos em sérios problemas.”
Sobre o que espera que tenha sido o impacto do trabalho de toda a sua vida, concluiu:
“As Nações Unidas dizem-nos – os números são claros – que mais de metade da população humana é urbana. Isto quer dizer que, até certo ponto, está fora de contacto com o mundo natural. Algumas pessoas não vêem um animal selvagem, a menos que seja um rato ou um pombo, ambos “domesticados”. Também são animais belos. Mas, na verdade, são... criações nossas. ... Quer dizer, os ratos são animais muito engenhosos. Mas, é a nossa concentração de alimentos, e as cidades em que vivemos, que lhes deram uma maravilhosa fonte de alimento, para que possam multiplicar-se da maneira que o fazem.” 
Mais um exemplo de até onde vai o impacto do Homem na Vida deste planeta. Dado por um Homem que tanto nos deu, no conhecimento da Vida aqui existente.

A homenagem da semana: Sir Roger Scruton, sempre actual e vivo

“O ambiente está degradado porque praticamos a transferência de custos daquilo que fazemos; e a solução é encontrar os motivos que farão regressar os custos àquele que os cria (...).
A solução não é a abolição da economia de livre mercado, uma vez que isso se limita a pôr o poder económico de grande escala nas mãos de inúmeros burocratas que estão igualmente ocupados a exportar os seus custos, desfrutando de segurança dos rendimentos vindos do produto social.
A solução é ajustar a nossa procura, de modo a suportarmos nós mesmos os custos respectivos e encontrarmos formas de pressionar as empresas a mesma coisa.
E só podemos corrigir-nos a nós próprios neste sentido se tivermos motivos para o fazer, motivos suficientemente fortes para restringir os nossos desejos.”
[In “Como ser um conservador”, págs. 130-131, de Roger Scruton. Guerra e Paz, Editores, 2018.]
“Durante o período comunista era crime, na Polónia, despejar resíduos poluentes das fábricas e dos esgotos nos rios; 
mas, as fábricas e o sistema de esgotos eram, ambos, controlados pelo Estado, que, por sua vez, era controlado pelo Partido Comunista. 
Logo, ninguém era punido, uma vez que seria obviamente impossível levar o Partido Comunista a julgamento, e até politicamente perigoso tentar tamanha façanha. 
Consequentemente, os rios morreram, e a sua água não podia ser usada sequer para irrigar as terras.
Com o posterior crescimento dos negócios privados, nos últimos anos, e com um poder judicial agora independente, a situação dos rios mudou, e alguns deles já começaram a ter peixes. 
De forma semelhante, havia leis e regulamentações vigentes na União Soviética que poderiam ter evitado o acidente de Chernobyl. 
Mas, os agentes autorizados a cobrar e aplicar a legislação eram exactamente os mesmos que tinham bons motivos para descartá-la, e assim, como resultado dessa paralisia, um dos maiores desastres ambientais das últimas décadas tornou-se inevitável. 
Do envenenamento das florestas checas por chuva ácida à destruição do esturjão no Mar Negro, do solo esgotado e erodido das quintas colectivas às cinzentas e desalmadas monotowns, construídas à volta de complexos industriais enferrujados, a evidência é incontestável: a economia centralizada é um desastre ambiental” [Sir Roger Scruton, em “Filosofia Verde - Como Pensar Seriamente o Planeta”; pág. 84]
É evidente que a defesa do Ambiente, e deste planeta, não é monopólio de nenhuma facção ideológica. Nem a defesa da Terra, e da sua Vida, faz de nós agentes da “Grande Conspiração ao serviço de Soros”. Defender, no tempo presente, a Vida na Terra demonstra apenas que somos seres inteligentes, capazes de entender todos os dados que nos chegam, e interpretá-los.

Mário Freitas*
*Médico consultor (graduado) em Saúde Pública, com a competência médica de Gestão de Unidades de Saúde

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