De regresso ao Pico dez anos depois (5)
Diário dos Açores

De regresso ao Pico dez anos depois (5)

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Quando chegámos à receção da adega da Azores Wine Company deparámo-nos com Filipe Rocha, sócio de António Maçanita, que interrompeu uma teleconferência para nos receber. Via-se que estava assoberbado de trabalho e, depois de nos servir o belíssimo “Verdelho, o Original”, de 2019, pediu desculpa por não nos poder acompanhar na visita. Mas disse que ficaríamos bem entregues, pois seria Judith, sua esposa, a mostrar-nos as instalações. Judith é canária de nascimento, da ilha de El Hierro, conhecida por “terras do fim do mundo”, por ser a que está mais a sul do arquipélago. É amais pequena de todas, quase tão alta como larga, de uma beleza extrema e tenho a sorte de a conhecer. A sua viticultura foi fundada, essencialmente, por portugueses, muitos com origem nos Açores, que levaram consigo as castas e técnicas de cultivo sendo, ainda hoje, muito respeitados na ilha. Judith fez o percurso inverso, séculos mais tarde.
A adega é uma bela peça de arquitetura formada por quatro alas, com um pátio interior ao ar livre a que chamam, muito justamente, claustro. A ala da receção e sala de provas tem mais três compartimentos cheios de barricas, que se desenvolvem de forma perpendicular à linha de costa, permitindo estar sempre a ver o mar através de uma grande janela. 
Noutra ala está a adega de vinificação com toda a tecnologia necessária a uma enologia moderna, em que sobressaem cubas horizontais especialmente adequadas para armazenar vinhos brancos, pois permitem um maior contacto das borras finas com o vinho. Um número inusitado de pequenas cubas de aço inox permite adivinhar que a enologia tem uma forte componente experimental e de estudo de castas, além de possibilitar fazer muitos vinhos diferentes em pequenas quantidades, que são uma imagem de marca da empresa. Judith disse-nos que tem havido a preocupação de estudar as castas antigas da ilha, brancas e tintas, tanto em termos vitícolas como enológicos. A este propósito, importará recordar que foi graças ao trabalho do mentor do projeto, António Maçanita, que o Terrantez do Pico foi salvo da extinção, sendo hoje reconhecido como uma enorme mais-valia para o Pico. 
Uma moderna linha de engarrafamento tornou possível a prestação de serviços a outros produtores do Pico, que, assim, conseguem dispor de uma capacidade técnica de enchimento e rotulagem de garrafas impensável há dez anos atrás.
Na ala em frente à adega de vinificação estão os apartamentos para Enoturismo, quase sempre cheios de estrangeiros. A última ala do conjunto alberga um restaurante gourmet, com uma vista deslumbrante sobre o oceano, e indispensável ao Enoturismo de excelência. Em regra, só serve jantares com dois menus de degustação, onde os vinhos da casa são, obviamente, as estrelas da companhia. Também faz muitas refeições para grupos, desde que haja marcação prévia. Segundo alguns testemunhos, talvez seja o sítio onde melhor se come na ilha do Pico.
Com esta adega a ilha do Pico, e o Arquipélago açoriano, passaram a ter mais uma importante atração turística, especializando-se cada vez mais num Enoturismo de qualidade. Há dez anos seria impensável imaginar que seriam recuperadas grandes áreas de currais da costa norte e que seria construída uma adega destas, tendo de se reconhecer a coragem empresarial e a confiança no potencial dos vinhos da ilha. Parece fácil depois da obra feita, mas acredito que os responsáveis não terão vida fácil e, por certo, passam algumas noites mal dormidas. Se tivermos em conta os custos e dificuldades do cultivo, por causa do tipo de vinha e dos ataques dos fungos, e a variabilidade das colheitas, extremamente dependente dos caprichos do tempo, percebe-se que é difícil fazer previsões económicas seguras. As produções calamitosas das últimas colheitas são um bom exemplo das dificuldades, sendo necessária muita paixão, criatividade e trabalho para as ultrapassar. Oxalá sejam boas as próximas colheitas, a começar já por a que está à porta.

 Virgílio Loureiro *

*Virgílio Loureiro é considerado como um dos mais prolíficos académicos, investigadores, enólogos e comunicadores do vinho,com uma prestigiada carreira como docente do Instituto Superior de Agronomia no domínio da Microbiologia.

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