De regresso ao Pico dez anos depois (6)
Diário dos Açores

De regresso ao Pico dez anos depois (6)

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Opinião

De regresso à Madalena, com o sol radioso a dar um ar da sua graça, dirigimo-nos ao último produtor que Fábio Rocha escolheu para nos mostrar. Seria o quarto, dos cinco visitados, que ainda não existia na última vez que tinha estado no Pico, há dez anos. Era especial por várias razões. Em primeiro lugar por ser o primeiro projeto, ao que julgo saber, liderado por estrangeiros, o casal italiano Cinzia e Gianni Mancasola, que em 2008 visitou os Açores e se enamorou pela “paisagem de cortar a respiração”. Em segundo lugar, por ter vinhos feitos com uvas de duas ilhas, o Pico e o Faial. Em terceiro lugar, por fazer renascer a antiga tradição vitícola do Faial e ter a vinha aramada nas cinzas vulcânicas da última erupção dos Capelinhos, de 1957. Em quarto, por o técnico consultor ser o mediático “flying winemaker” Alberto Antonini. Finalmente, por o enólogo residente ser Fábio Rocha, o nosso guia, que estava ansioso por saber a nossa opinião a respeito dos vinhos.
Dirigimo-nos à Criação Velha e parámos em frente ao carismático Solar Terra Brum, mais conhecido por Solar dos Salemas, que há muitos anos tive o privilégio de visitar. Estava lindo, com telhado novo, todo pintado de branco e com as portas e janelas em tons de cinzento-escuro, como manda a tradição. Entrámos pela porta da antiga adega, ainda com pipas antigas e uma barca, decerto com muitos segredos para contar. Nas traseiras, havia uma belíssima esplanada com uma vista arrebatadora sobre o vulcão e sobre os currais de vinha. Lá estava o velho poço de maré, o lago, as cicas e as aurocárias, a conferirem um toque aristocrático ao conjunto. Também se mantinha a sineta em bronze, que o feitor acionava para reunir os trabalhadores das vinhas nos bons velhos tempos pré-filoxéricos.
Ao que julgo saber, o casal italiano firmou um contrato de aluguer com os proprietários do solar, a viver no Faial como é tradição, para obter as uvas da quinta e instalar o Enoturismo, depois de ter compreendido que o projeto vitícola só faria sentido se também abrangesse vinhas no Pico.
Lamentavelmente, o tempo urgia e não pudemos usufruir da beleza do local e de uma prova pausada de todos os vinhos, como se impunha. Limitámo-nos, por isso, a provar os Ameixâmbar, Arinto dos Açores, Colheita Selecionada, de 2020 e 2021. Ambos são IGP, por serem feitos com uvas de duas ilhas, embora a sua excelente qualidadenada fique a deverá certificação DOP. Segundo informação de Fábio Rocha, foram vinificados em cubas de cimento moderníssimas, com controlo de temperatura, e estagiaram durante cerca de 10 meses sobre as borras finas das leveduras. São vinhos cheios de caráter, com uma deliciosa acidez, textura aveludada e com um potencial de envelhecimento enorme. Na linha de todas as provas efetuadas durante a manhã, reconheci, de novo, o peso do clima atlântico no estilo dos vinhos, onde aquilo que muita gente chama “mineralidade” ou “salinidade” é o atributo dominante.
Fiquei com pena de não ter provado vinhos feitos com uvas só do Faial, dada a originalidade do “terroir”, com base em cinzas vulcânicas expelidas das entranhas da Terra há menos de um século. Espero poder fazê-lo num futuro próximo, pois este projeto tem todos os condimentos para nos surpreender cada vez mais e, além disso, convencer mais empresários estrangeiros a apostar numa das mais fascinantes denominações de origem portuguesas.
Ao fim da manhã estava rendido à evidência dos factos e ciente de que os últimos dez anos em que não fui ao Pico foram suficientes para revolucionar a vinha e o vinho da ilha. Também constatei que há novos empresários rendidos ao potencial vitivinícola do Pico, enamorados pela vinha e com grande crença no futuro. Falei com jovens enólogos que correram mundo, têm grande capacidade técnica e coragem para desenvolver projetos empresariais próprios. Todoseles, empresários e técnicos, estão decididos em colocar no mapa dos grandes brancos de mesa e dos grandes licorosos do mundo os vinhos produzidos no meio do Atlântico.

 Virgílio Loureiro *

*Virgílio Loureiro é considerado como um dos mais prolíficos académicos, investigadores, enólogos e comunicadores do vinho,com uma prestigiada carreira como docente do Instituto Superior de Agronomia no domínio da Microbiologia.

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