Diário dos Açores

Um novo livro sobre a escola

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Quando, em julho do ano passado, fui a Monção participar no lançamento do livro do meu grande amigo José Emílio Pedreira Moreira, de que falei na crónica titulada “Grande amigo e homem público de exceção” [Diário dos Açores, 17 de julho de 2022, Ano 153, Nº42.831, p 8], reencontrei um colega de Faculdade, Vitorino Costa, que não via há décadas, embora tivesse notícias dele através de amigos comuns. Ao pormos a conversa em dia, ele falou-me de um livro que estava a terminar, cujo manuscrito gostava que eu lesse e pediu-me o meu endereço de email. No dia seguinte tinha o texto no meu computador.
Iniciei imediatamente a leitura e, por deformação profissional, fruto de anos e anos a ler textos de alunos e não só, a escrever anotações à margem do texto, recorrendo às ferramentas de revisão do Word, e, num outro documento, a tirar notas e a anotar comentários e observações. Ao fim de algumas dezenas de páginas lidas, resolvi dar conta da leitura ao autor. Numa mensagem cuidadosamente escrita, porque não queria que o meu colega pensasse que me estava a armar em professor a dar-lhe lições, expliquei que o meu único objetivo do email e da devolução do manuscrito anotado, era o de manifestar o meu apreço pelo trabalho, mesmo quando fazia críticas ou mostrava discordâncias, e fiquei a aguardar a reação que chegou com grande brevidade e foi a que eu esperava: o Vitorino Costa agradecia as minhas observações, até porque era desse tipo de reações  que gostava de receber ao que escrevia. Apressei-me na leitura do resto do livro e enviei ao autor as restantes notas.
O tempo passou e no dia 19 de junho recebi um email do Vitorino Costa a convidar-me para fazer a apresentação do livro, na sessão de lançamento. Perante o que tinha acontecido, senti-me na obrigação de aceitar o convite e, em julho, lá fui a Guimarães para a cerimónia, prevenido com um texto escrito para não me perder.
Quando comecei a pensar no que havia de dizer na minha intervenção, caí na conta de que desde que tinha entrada para a escola primária - hoje o ensino básico - excetuando o tempo de serviço militar obrigatório, tinha passado a minha vida como aluno ou como professor; isto é, tinha passado a vida ligado à escola, mas nunca tinha tomado a instituição escolar como objeto de estudo na minha atividade académica. Não era, pois, um especialista em ciências da educação, e tinha que apresentar um livro escrito por um especialista na matéria. O mais que podia fazer, pensei, era mostrar a valia da obra para quem se preocupa com a escola em Portugal. Foi o que fiz ao longo da minha intervenção, apresentando o livro capítulo a capítulo, encarecendo a sua riqueza e o conhecimento profundo que o seu autor revela sobre a matéria.
Entre as várias virtudes do livro, que tem por título Vamos Destruir Esta Escola? [Lisboa: Lisbon Internacional Press, 2023], está a desublinhar a importância que o autor dá ao ensino pré-escolar, na linha do defendido pelos especialistas das ciências cognitivas. Como diz Vitorino Costa na sua obra, o Ministério da Educação devia dar prioridade absoluta ao alargamento da rede de creches e jardins de infância por todo o país, não só alargando a sua rede, mas, digo eu, procurando colaboração com as Misericórdias, as IPSS e os privados. Esta mobilização geral parece-me imprescindível para superar as desigualdades com que as crianças chegam ao primeiro ano do ensino básico.
Na entrada do Quarto Capítulo, com o título “A Escola, uma Instituição Intemporal”, o autor afirma que estaremos de acordo em afirmar que “a escola é a instituição social e historicamente voltada para a instrução, para a aprendizagem de todo um conjunto de saberes que a sociedade dominante entende por fundamentais para alicerçar o perfil de cidadão que pretende” mas, imediatamente a seguir, chama a atenção para o facto de que, para lá dos currículos formais com que se pretende alcançar o objetivo enunciado, há sempre na escola um currículo informal que passa despercebido, mas que é, em termos educativos, de capital importância, porque, efetivamente, não há escolas neutras: a escola é uma obra humana e o ser humano não é axiologicamente neutro.
O outro capítulo do livro que quero sublinhar é o quinto, titulado “Outra Escola é possível?”, em que o autor apresenta outros modelos de escola, nomeadamente “as denominadas ‘escolas libertárias’ ou ‘escolas democráticas’ que desde o século XIX até aos nossos dias vêm atestando, com resultados positivos, evidenciando que é possível criarmos uma escola onde os alunos se sintam felizes, onde o gosto por aprender a saber ser é o elo que liga toda uma comunidade educativa”.
Penso que o livro de Vitorino Costa - Vamos Destruir Esta Escola? - merece ser lido, meditado e discutido, porque é um excelente contributo para a reflexão e discussão da escola no país. As propostas do autor merecem ser tomadas em grande conta, mas penso, por outro lado, que naquela reflexão há que ter presente a história da escola em Portugal; não é possível pensar, discutir e propor um modelo de escola para o país sem ter em grande conta o passado da instituição “escola”. Como costumo dizer: quem não sabe de onde vem, não sabe onde está e dificilmente saberá para onde vai. Para mostrar a importância do conhecimento da história da escola em Portugal, vou apontar alguns marcos cuja importância é profunda.
Um primeiro exemplo. Nos dias de hoje, ao viajar pelo país, Continente e Ilhas, encontramos em muitas localidades, normalmente já desativadas, escolas primárias com uma arquitetura muito característica que ficaram conhecidas pelas escolas “dos Centenários”, programa posto em execução pelo Ministério da Educação de 1940 a 1969.Uma das razões dessa rede escolar era a percentagem enorme de analfabetos então existentes em Portugal; basta lembrar que, a quando da implantação da República, em 1910, 75 % da população portuguesa era analfabeta.
Um segundo exemplo: em 2006-2007, recorrendo a um modelo da BBC, a RTP pôs no ar um programa chamado “Grandes Portugueses” que levantou uma célebre e monumental polémica que não vem agora ao caso. Da lista de nomes a votar pelos telespectadores, constava Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, cuja defesa coube ao Prof. Rosado Fernandes, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, de que foi Reitor. Na sua argumentação, o Professor apontava como ponto positivo da política do Marquês o de ter sido o criador do ensino público, isto é, estatal, no país, o que é verdade. Mas, em todas as suas intervenções, nunca fez referência a outra decisão do Marquês que teve grandes consequências no ensino em Portugal: a expulsão da Companhia de Jesus, cuja consequência, e ficando apenas pelo Continente e Ilhas das atuais Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, foi o encerramento de uma rede de cerca de 27 colégios que funcionavam nas principais cidades do país; só nos Açores eram três, um em Angra; outro, na Horta; e outro, ainda, em Ponta Delgada. O país praticamente ficou sem ensino secundário. Os liceus nacionais só apareceram depois da Revolução Liberal; o primeiro, em Lisboa, em 1839; o segundo, no Porto, em 1840; seguiram-se, em 1845, o liceu de Braga e, em 1848, o de Évora. Isto é, foi quase um século sem uma rede nacional de ensino secundário.
Encontramos um terceiro exemplo em tempos mais próximos do nosso. Quando o Professor Veiga Simão, nomeado Ministro da Educação em 1969, com uma excelente equipa, planeou e procurou pôr de pé uma profundíssima reforma no ensino em Portugal, que alargou imenso a rede escolar, o Ministério teve de recorrer a professores sem habilitação própria para exercer a docência; durante vários anos um número significativo de professores ensinou sem a devida preparação, o que teve, por certo, consequências notórias indesejáveis.
Um último exemplo, o quarto, bem atual. Nos últimos três anos, as escolas portuguesas passaram por experiências inimagináveis. Primeiro foi a pandemia e o recurso ao ensino à distância, para o qual o país não estava minimamente preparado. Depois, logo de seguida, no ano letivo de 2022-23, foi a turbulência gerada pelas reivindicações dos professores com greves sucessivas. No meio de tudo isso, o Ministério não apresentou um plano minimamente consistente de recuperação das aprendizagens dos alunos que foram, sem dúvida nenhuma, afetadas por estes três anos de anormalidade escolar.
Voltando ao que disse acima: o livro de Prof. Vitorino Costa é um excelente contributo para a melhoria da escola em Portugal, merece ser lido e discutido, mas não chega para uma ação concertada com vista a uma melhoria sustentada do ensino no país. Para atingir este objetivo é, também, necessário ter presente as deficiências e virtudes porque passou a nossa escola, para aproveitar o bem que foi feito e corrigir o que de menos bom foi acontecendo.

José Henrique Silveira de Brito *

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