Diário dos Açores

Usurpação

Previous Article A moção de censura
Next Article Incompetência, inação e preguiça

Entramos na reta final para as próximas eleições regionais. Antigamente, isso quereria dizer que estávamos a um mês das mesmas. Hoje quer dizer que estamos a cerca de um ano. Isso admitindo que os partidos do arco da governação atual não se vão matar internamente e vetar o próximo orçamento dos Açores.
Assistimos com espanto à banalização do trabalho político. Brinca-se com os direitos dos animais. Insiste-se em desconversar, de cada vez que surge a necessidade de avançar na qualidade dos serviços prestados no âmbito da saúde feminina. Joga-se ao “faz-de-conta” nas alterações climáticas, onde se assiste a teses de negacionistas das mesmas.
A política está um caco, convenhamos. Não o escrevo para pessoalizar a questão, até porque também lá trabalho, mas escrevo-o porque é preciso exigir mais e melhor.
Comecemos por uma coisa tão simples quanto a verdade profissional.
Praticamente todas as semanas assistimos aos membros do XIII Governo Regional num desfile de passadeiras e corta-fitas assente na apresentação de trabalhos terminados e galardões conquistados para os Açores. Na sua maioria, nem sequer se trata de uma falsificação do ato, porquanto os trabalhos estão, de facto, terminados, e os galardões foram, de facto, atribuídos. Não se trata do ato de ilusionista que Alberto João Jardim promoveu no arquipélago da Madeira durante anos.
Trata-se de outro ato. O de usurpar.
O XIII Governo Regional, em 2023, tornou-se especialista em conquistar louros dos seus antecessores e em dominar esforços dos que lá laboram. Durante décadas, alguns dos melhores funcionários do país prepararam estratégias, traçaram linhas de ação, para fazer desta Região a melhor do mundo em alguma coisa. E no final de 2023 chega a senhora ou o senhor secretário, corta a fita e diz que o mérito é todo desta coligação, e que só não o fizeram mais cedo porque a culpa é dos socialistas.
É tão simples quanto isto, e é o que mais se vê por aí. Não acreditam?
Tomemos por exemplo o caso daqueles assuntos que o governo insiste que sejam culturais, mas que na verdade são a Cultura. O senhor diretor e a senhora secretária fartam-se de aparecer nas câmaras da televisão e nas redes sociais com prémios, cerimoniais e galas. O prémio de melhor coisa. A distinção de coisa do ano. A coisa material e imaterial daqui e de acolá.
Mas, na verdade, nenhum dos prémios conquistados e recebidos por Duarte Chaves e Sofia Ribeiro pertenceram aos seus esforços e à estratégia do XIII Governo Regional. Bastará perguntar a qualquer pessoa que trabalhe naquela direção regional e possa responder sem medo de receber um raspanete para perceber que as linhas de ação remontam a momentos bem anteriores.
Um caso evidente, e bem fresquinho, foi o da notícia de 24 de outubro deste ano, onde a secretária dos tais Assuntos Culturais surge em primeiro plano a reclamar para o seu trabalho a distinção de Património Cultural Imaterial do Carnaval da Ilha Terceira, como se esse trabalho não fosse fruto dos técnicos que não precisam de partilhar as suas cores nem as suas ideologias. Pior do que isso, a distinção como Património Cultural Imaterial tinha já sido reconhecida pelo próprio Partido Social Democrata, em 2020, em notícia no seu website, a 4 de agosto daquele ano. Ou seja, antes do XIII Governo Regional.
Na verdade, o processo de inventariação das Danças, Bailinho e Comédias do Carnaval da Ilha Terceira começou há anos, e foi trabalhado ao longo dos anos seguintes, com a entrega do processo e posterior ponderação durante os anteriores executivos. Em plena pandemia, e meses antes da eleição que nos deu a atual conjuntura política, os responsáveis pelo inventário, a nível nacional, finalmente aceitaram integrar essa manifestação na base de dados nacional.
Esse momento é uma assunção das múltiplas heranças que constituem o Carnaval terceirense, feito de pessoas e momentos que ultrapassam as cores, sejam elas laranjas ou rosas, e que são frutos de uma árvore que este governo certamente não plantou nem pode colher da forma que o fez.
Ficamos na dúvida se esta distinção terá personalidade múltipla ou se foi apenas uma fita que levantaram do chão, colaram e tentaram cortar outra vez.
O Governo Regional está em campanha. Disso já ninguém tem dúvidas. Mas não podemos deixar que nos tomem como peixinhos dourados e pensem que não temos memória a médio prazo. Os prémios e as iniciativas que anunciam agora não são deste governo, e não podem pertencer a ele. É preciso que a política mude, antes que os populistas tomem conta do manicómio. É preciso mais seriedade, e hoje seria um bom dia para começarmos.

Alexandra Manes*

*Deputada BE/Açores

 

Share

Print

Theme picker