Diário dos Açores

Golpe de Estado

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A normalidade da vida política da democracia portuguesa foi interrompida pelo inesperado pedido de demissão do primeiro-ministro, António Costa, quando tomou conhecimento de que era alvo de uma investigação do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça. Nas democracias parlamentares europeias, tratando-se de um Governo legitimado por uma maioria absoluta, a solução para uma crise política desta natureza passaria sempre pela nomeação de um novo primeiro-ministro indicado pelo partido maioritário. Exemplo disso é o que se passa  na actual legislatura da Câmara dos Comuns britânica, a mais antiga democracia parlamentar, onde o Partido Conservador, que detém a maioria absoluta, já vai no 3.º primeiro-ministro.  Também em Portugal sempre assim foi. Assim aconteceu após o acidente que vitimou o então primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro,   e décadas depois com a saída de Durão Barroso para a União Europeia. Ambos presidiam a governos apoiados por maiorias em coligação.  
A dissolução da actual legislatura da Assembleia da República, como consequência da demissão do primeiro-ministro, e a marcação de novas eleições quando falta mais de meio mandato para cumprir a legislatura, é claramente um golpe de Estado do Presidente da República, aproveitando um momento considerado mais vantajoso para o seu partido de sempre. Deste modo não demonstra ter a independência que o cargo exige e não respeita a decisão do povo que elegeu um parlamento por 4 anos, alterando sem justificação o normal funcionamento das instituições políticas.
Na democracia portuguesa o eleitorado elege diretamente para mandatos de 4 anos as Assembleias de Freguesia, as Assembleias Municipais, as Câmaras Municipais, as Assembleias Regionais e a Assembleia da República e o Presidente da República para um mandato de 5 anos. Com exceção da Assembleia da República só em determinados casos excecionais tipificados na Lei e na Constituição é que os mandatos são interrompidos e o calendário eleitoral alterado. Por que razão é diferente com a Assembleia da República? É um órgão de poder de 2.ª classe? Por que motivo o cumprimento do seu mandato pode ser cancelado pelo Presidente da República? Não é devolver a palavra ao povo, como querem fazer constar, pois a palavra foi dada para 4 anos e isso não foi respeitado.
Nas democracias parlamentares,  como a nossa, a razão mais comum para dissolução dos parlamentos e convocação de eleições gerais é a composição partidária do parlamento gerar ingovernabilidade, situação que não acontece quando há uma maioria absoluta, como é o caso da Assembleia da República actual. A sua dissolução porque o primeiro-ministro pediu a demissão é um ato discricionário do Presidente da República, aproveitando-se de uma Constituição que tem de ser revista, de modo a acautelar o normal funcionamento das instituições democraticamente eleitas e o respeito pela decisão do eleitorado.

Teresa Nóbrega*
*Jornalista

 

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