Diário dos Açores

Saúde Pública e a Saúde do público, semana a semana (31):

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A propósito de tabaco e do cancro do pulmão

A Ciência da Semana: Cancro na Região Autónoma dos Açores

Nos Açores, entre 1997 e 2016, houve um total de 19230 novos casos de cancro; 962 casos por ano, em média.
Nos Homens foram 11367 os novos casos (59% do total), sendo os órgãos mais atingidos a próstata; traqueia, brônquios e pulmão; cólon e recto.
Segundo o RON (2018) a Taxa padronizada de incidência de cancro do pulmão é de 45.4/100000, em Portugal continental; nos Açores é de 97.8/100000. Mais do dobro!
Nas Mulheres foram 7863 os novos casos (41% do total), sendo os órgãos mais atingidos a mama; cólon e recto; corpo do útero. Segundo o RON (2018) a Taxa padronizada de incidência de cancro do pulmão é de 14.9/100000, em Portugal continental; nos Açores é de 11.7/100000.
O cancro do pulmão é a principal causa de morte por cancro em todo o mundo. Em todo o mundo. O tabagismo é o principal factor de risco. 90% dos casos estão directamente relacionados com a exposição activa e passiva (Risco Relativo=1.22) ao tabaco. Ou seja, o tabaco provoca indiscutivelmente cancro do pulmão, quer em quem fuma, quer em quem não fuma (mas, fuma o tabaco dos fumadores).
As taxas de mortalidade por cancro do pulmão seguem a tendência da incidência e prevalência do consumo de tabaco em ambos os sexos.
A sobrevivência global aos 5 anos no Mundo é de 20%, nos Açores é de 8,7%. Ou seja: após o diagnóstico de cancro do pulmão, ao fim de 5 anos 20% das pessoas estão vivas, no mundo; nos Açores apenas 8,7% o estão.
No de cancro do pulmão os custos directos com tratamentos oscilam entre os 3800€ e os 160000€ por ano, por doente, sendo os casos diagnosticados numa fase mais inicial passíveis de tratamento cirúrgico único, o que comporta custos inferiores a 5000€. Por sua vez, o tratamento de casos de cancro do pulmão mais avançados, que impliquem quimioterapia adjuvante ou um tratamento multimodal, com recurso a radioterapia, varia entre 33000€ e 37000€. Mas, infelizmente esta doença é frequentemente diagnosticada em fases ainda mais avançadas e os tratamentos sistémicos paliativos são a opção mais indicada, com um custo que oscila entre os 20 000€ e os 160 000€ por ano, por doente. Ainda assim, além destes custos diretos há que relevar os custos indiretos, inerentes não só ao diagnóstico, estadiamento e suporte dos doentes mas também ao imensurável sofrimento humano experienciado pelo doente oncológico e sua família.
Aqueles que dizem que “ah, mas as tabaqueiras pagam muitos impostos”, acham mesmo que esses impostos cobrem uma pequena parte dos custos associados apenas com o cancro do pulmão…?

Os dados para análise: o tabagismo, responsável máximo de milhares de mortes, de astronómicos custos à comunidade, de infindável sofrimento

O consumo de tabaco é uma das principais causas de morte prematura evitável, por cancro, por doenças respiratórias e por doenças cérebro-cardiovasculares.
Em Portugal, o tabaco contribui para uma morte a cada 50 minutos. 25% das mortes no grupo dos 50-59 anos é devida ao tabaco.
A prevalência de consumo tem diminuído nos homens e aumentado nas mulheres.
Doentes oncológicos fumadores têm uma maior gravidade da doença, maiores taxas de falência terapêutica, e maiores complicações do tratamento.
Nos homens e mulheres com 15 ou mais anos, na Região autónoma dos Açores, 23,4% da população é fumadora, em contrapartida aos 16,8% de Portugal continental. Ou seja, comparativamente com Portugal continental encontramos nos Açores quase mais 50% de fumadores!
Porquê esta disparidade tão grande em proporção de consumidores, deste importante responsável pelo cancro…? O que tem sido feito para baixar a proporção de fumadores nos Açores…? Que mecanismos dissuasores do consumo tabágico estão em andamento…?
Sabemos também, porque é a Organização Mundial de Saúde que no-lo diz, que o preço do tabaco é um importante dissuasor do consumo tabágico. E também sabemos que o preço do tabaco é mais baixo nos Açores, do que em Portugal continental.
Urge um Programa de rastreio direcionado a este flagelo, a fim de se conseguir um decréscimo na mortalidade por cancro do pulmão. Inevitavelmente, um Programa de rastreio contribuiria para uma melhoria da qualidade de vida, através da:
• redução da morbilidade (doença) associada a doença
• redução da morbilidade associada ao tratamento
• melhoria do estilo de vida
• redução da ansiedade e carga psicossocial
Um Programa de rastreio permitiria ainda o diagnóstico de doença oculta.
As doenças e mortes associadas ao cancro do pulmão justificam um maior investimento no diagnóstico precoce. Para tal há que:
• Promover a prevenção primária, através da literacia em saúde
• Promover a prevenção secundária através do reforço da consulta de cessação tabágica e apoio na aquisição de terapêutica farmacológica
• Capacitar os serviços de radiologia dos Hospitais de referência de recursos tecnológicos e humanos para o desenvolvimento do rastreio do cancro do pulmão
Promover a saúde e potenciar o diagnóstico precoce é investir na Região Autónoma dos Açores.

A homenagem da semana: ao V Encontro Regional das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens

A Vice-Presidência do Governo Regional dos Açores, através do Comissariado dos Açores para a Infância (CAI), promoveu o V Encontro Regional das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), sob o lema “Ser criança é ser feliz”, nos dias 16 e 17 de novembro, no auditório municipal da Madalena, ilha do Pico.
Este encontro assumiu-se como uma oportunidade única de trabalho e reflexão, que reuniu as 19 CPCJ dos Açores, bem como os demais intervenientes em matéria de infância e juventude.
Este ano, os trabalhos centraram-se de modo especial nos primeiros mil dias de vida de uma criança, período fundamental de investimento para um desenvolvimento físico, intelectual e emocional, capaz de proporcionar a aquisição de competências de autorregulação, empatia e autoconfiança.
Um evento de grande sucesso, que constituiu um importante marco nesta matéria, no corrente ano.

Mário Freitas*
*Médico consultor (graduado) em Saúde Pública, competência médica de Gestão de Unidades de Saúde

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