Diário dos Açores

Açores e Cabo Verde. Um Abraço entre Ilhas: Ser Ilhéu, em Projeto, Um Signo de Horizonte Universal

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É com muito gosto que aqui publicamos um Belo texto intitulado Entre Mornas e Fados, Cabo Verde e Açores num abraço de ilhas, da autoria do Professor Doutor Elter Carlos, da Universidade de Cabo Verde e Coordenador MIL Cabo Verde.
Como Amigo, como Professor Universitário e Investigador, também como Coordenador do MIL Açores, destaco o sentido deste Projeto, nascido da Amizade e interação entre nós, Ilhéus, - Açorianos e Cabo-Verdianos -, abertos a outros mundos, no Mundo, também no contexto institucional do MIL – Movimento Internacional Lusófono, que aqui nos Açores tenho a Honra de ser o Coordenador oficial.
O Papa Bento XVI afirmou e escreveu que a Ciência se faz com Amizade. E assim é. A Filosofia, no seu Sentido mais amplo, na sua etimologia, significa amor à Sabedoria, que nos põe no dinamismo da procura da Verdade e da (re)construção do Conhecimento que, para o ser, tem de ter um vínculo à Verdade, e à sua Procura.
O Abraço entre ilhas é densidade de sermos irmãos, de nos irmanarmos, como Pessoas, como Cidadãos, como Professores. É um Projeto enraizado na Educação, na Filosofia, na Filosofia da Educação, na Educação Comunitária, na Educação de Adultos, na Formação de Educadores e Professores, em dinâmicas de sentido e interação entre Educação e Cultura, tal como tem sido pensada pelos Maiores como o Saudoso Professor Doutor Manuel Ferreira Patrício, que aqui homenageamos.

Emanuel Oliveira Medeiros


Celina Pereira.
Entre Mornas e Fados, Cabo Verde e Açores num abraço de ilhas

 

 

 

 


Universidade de Cabo Verde / Coordenador MIL Cabo Verde

Este pequeno ensaio, dedicado à memória da artista cabo-verdiana Celina Pereira (1940-2020), celebra o gesto de um fecundo e (inter)cultural abraço de ilhas: Cabo Verde e Açores em movimento de (trans)formação de Ser com a (na) Lusofonia. Celina Pereira nasceu em Cabo Verde, Ilha da Boa Vista, sobejamente conhecida como a ilha das dunas, ou então, A Ilha Fantástica, título criativo que Germano Almeida (Prémio Camões 2018) emprestou a um dos seus romances (editado em 1994), tendo como referência primordial esta belíssima ilha onde terá nascido a morna. Género musical antigo e património cultural da humanidade, a morna encontraria na Voz da Celina Pereira um espaço poietico (criativo/ produtivo) de sua respiração ontológica e edificação estética.
A artista celebrou a Arte como cantora, intérprete, escritora, educadora intercultural, contadora de histórias, pesquisadora de tradições orais e cultora da língua cabo-verdiana e da língua de Camões, tanto na escrita como na música.  Fê-lo sempre movida por uma vida artística (des)interessada e elevada. Desde muito jovem, e sempre numa lógica (inter)cultural de partilha e troca de narrativas, Celina Pereira mergulhou no espírito da música e cultura cabo-verdianas, fazendo da experiência artística presença real (expressão de Georg Steiner), materializando-a em concretas vivências: tal aconteceu em Cabo Verde, Portugal, Itália, Estados Unidos, Alemanha… Igualmente materializada em duetos com mornistas e fadistas, interpretando alguns compositores clássicos como Eugénio Tavares (1867-1930), B.Léza (1905-1958), Luís Rendall (1898-1986), Jotamont (1913-1998), entre tantos outros, mormente muitos da sua ilha natal.
Numa das suas visitas aos Açores foi convidada para proferir duas conferências sobre os temas da Educação Intercultural e Interculturalidade. Tiveram lugar na Escola das Laranjeiras e na biblioteca da escola Antero de Quental. Participou igualmente num programa cultural da RTP Açores, tendo afirmado em entrevista que, «a língua portuguesa tem a magia de nos unir, e de mostrar que há muito mais coisas que nos unam do que aquelas que nos separem» (Pereira, 2009). Recebeu nesse arquipélago irmão o Diploma de Honra e Mérito da AIPA (2009). Porém, em 2003 ela já havia sido condecorada com a medalha de Ordem ao Mérito no grau Comendadora pelo então Presidente de Portugal, Dr. Jorge Sampaio, em reconhecimento do seu labor artístico, social e cultural, em prol da interculturalidade e educação, integração e inclusão de crianças e jovens. Em 2014 foi homenageada com o prémio carreira na 4ªedição do Cabo Verde Music Awords. A artista foi igualmente Cidadã Honorária do MIL - Movimento Internacional Lusófono.
Celina Pereira foi (é) uma personagem exemplar que escreveu histórias exemplares. Assumiu a arte (de cantar) mediante uma experiência integrada da vida: da arte como vida e da vida como obra de arte. A cantora vestia as (das) tradições de Cabo Verde, (re)(a)presentadas no traje, na voz, no corpo em passos de incessante dança, fazendo dos vários palcos do mundo palcos da vida à procura de expressão, na calorosa dramaturgia de um sentir que provocou altivos pensamentos. Pensamentos que (se) esculpiram no devir das próprias tradições musicais cunhadas por renomados (igualmente os menos sonantes) compositores das ilhas.
A permanente vontade de (re)elaborar essa cultura musical fez da Celina uma voz de depuradas interpret(ações) em prol de uma (est)ética cívica. De uma ética da tradição (do latim traditio: transmitir, entregar) que lhe implicou, interpretativamente, (re)tomar aquilo que (est)eticamente merecia ser retomado no tempo e na história, tudo em nome da cultura, mundo e significado. Da (per)(in)sistência em cultura. Assim fez-se experiência (de experiri: viagem) a voz da artista, entre mornas e fados, contação de estórias e partilha de tradições, criando conexões e redes humanas do sentir e do pensar, do elevar-(se) humanamente entre povos e ritmos, destacando aqui o abraço entre ilhas. De ilhas para ilhas: Cabo Verde/ Açores. Como afirma Emanuel Oliveira Medeiros, «Açores e Cabo Verde, uma Região e dois Países Irmãos, na Lusofonia». É o que podemos nomear de concreto abraço ilhéu (jamais abstrato), como outrossim temos vindo a serenamente manifestar em profícuos diálogos e concernentes produções temático-científicas com o citado colega e amigo, eminente filósofo e educador, um humanista de corpo e alma, Emanuel Oliveira Medeiros. E perseguiremos todos nessa viagem, nessa “geometria do infinito” (expressão de Teixeira de Pascoaes), onde unidos e movidos somos nesse fundo rio oceânico e histórico, solidificado pelo magma e pelas sólidas rochas, pela cultura e pela identidade aberta e plural. Nessa viagem Sempre plural e ancorada em uníssonas dimensões dessa totalidade de sentido que nos singulariza como povos irmãos, gentes marcadas pela secular emigração para América (e não só), pela insularidade geográfica e existencial, outrossim, gentes cultoras de uma literatura e um pensamento enraizados no chão da cultura querendo se expressar e comunicar. Gentes marcados por forte telurismo e embriagados pelo isolamento, mas sempre com os olhos fixos no horizonte e no infinito, com forte presença de religiosidade.
É em nome da cultura e pensamento, da escrita e solidariedade pragmática, que desejamos juntos activar aquilo que nos convoca (nos dá Voz) nestes dois arquipélagos de comum origem vulcânica onde, na expressão do poeta cabo-verdiano José Luís Tavares, em Coração de Lava, «no princípio era o fogo. / E as mãos do deus sobre a água fervente. / E o poeta com seus poucos dons na cabeça obscura. E o canto das estrelas alheias às reticências do destino. […] No princípio também era eu, / entre pedras e escórias, vacilante…» (Tavares, 2001: 09, 11).
Os nossos arquipélagos, unidos pelo mesmo tronco de origem vulcânica, consubstanciam um mar de sentimentos, emoções e pensamentos. Os ilhéus, condicionados psicológica e geograficamente, são feitos de sonhos e fértil imaginação, sempre enraizados na Beleza da divina Natureza a que fomos presenteados. Por isso, a nossa imaginação é fértil e uma educação do imaginário é fundamentante para que se possa cultivar as potências dessa imaginação, fazendo dela uma imaginação produtora. E a razão conecta-se com o próprio coração que, cordialmente, sente a energia das relações com os Outros, com a Natureza e com Deus. Esse coração que anímica e dramaturgicamente sente, pode apelidar-se de Coração de Lava, em alusão às gentes da ilha do Fogo, como sábia e sentidamente José Luís Tavares, na sua experiência poética, deu espaço de ser. Coração cujo pulsar possui um tronco comum entre estes dois povos ilhéus que, no seio do Atlântico, instalam a geografia de um pensamento criativo e estético, onde os poetas, escritores, compositores, intérpretes e músicos, são convocados pela Voz do infinito e pela experiência do sagrado a se porem à escuta e a (auto)criação. Assim sentiu e cantou Celina Pereira: entre mornas e fados, duetos e partilhas, num abraço ilhéu Cabo Verde e Acores!

Elter Carlos  

Fonte das imagens:
1 https://www.google.com/search?q=celina+pereira+nos+acores&sca_esv=581576328&tbm=isch&sxsrf=AM9HkKmyG7EuGjD31AnzEYRRIh-q12eGFw:1699736405414&source=lnms&sa=X&ved=2ahUKEwjO8J_F67yCAxXjU6QEHRsPArgQ_AUoAnoECAMQBA&biw=1366&bih=641&dpr=1#imgrc=pWaQ5dh5MwPf-M Consultado a 11/ 11/ 23
2 https://areasprotegidasboavista.blogspot.com/2013/11/7-maravilha-de-cabo-verde-boa-vista.html Consultado a 11/11/2023

Emanuel Oliveira Medeiros
Professor Universitário*

*Doutorado e Agregado em Educação e na Especialidade de Filosofia  da Educação

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