Diário dos Açores

Pressas à Marcelo

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Quando o Representante da República para os Açores ligou para os líderes partidários no parlamento regional a anunciar que, na segunda-feira (amanhã), o Presidente da República gostaria de reunir com eles em Belém, surgiram logo as mais variadas teorias da conspiração.
A mais lógica de todas é que a pressa de Marcelo seria ouvir como votariam se houvesse uma nova versão do Plano e Orçamento, a apresentar no prazo de 90 dias, para saber se ainda haveria a hipótese de deixar decorrer o processo normalmente ou se, em caso de votação igual, não perder tempo e dissolver de imediato o parlamento dos Açores e marcar eleições antecipadas.
A pressa é sempre má conselheira e a perplexidade da atitude de Marcelo tem a ver com o facto de se intrometer no processo ainda antes de começar o debate sobre o Plano e Orçamento.
Alguma coisa terá ocorrido, entretanto, para o Chefe de Estado voltar atrás e desconvocar a reunião, voltando a marcar para dia 30.
No campo da especulação, o mais certo é que Marcelo terá conversado com alguns conselheiros e apressou-se a corrigir a atitude, para não ficar na fotografia como o Presidente que derrubou o Governo dos Açores sem dar oportunidade de apresentar uma nova versão do Plano e Orçamento, como prevê a lei de enquadramento orçamental.
No fundo, Marcelo não pretende substituir-se à moção de censura, como aqui questionamos, papel que pertence primeiro aos partidos da oposição, PS e Bloco de Esquerda.
Mas haverá mesmo possibilidade do Chega e do PAN mudarem de opinião com uma nova versão dos dois documentos, aprovando-os?
Por agora não sabemos, mas parece pouco crível que no espaço de umas poucas semanas mudem de opinião.
É verdade que a coligação vai oferecer aos dois tudo o que lhes for proposto, como aliás já o tinha feito noutras ocasiões, mas a verdade é que Pedro Neves e José Pacheco não acreditam que o governo possa executar em tão pouco tempo aquilo que nunca executou nos últimos três anos e que tinha acordado com estes partidos e com a IL.
Faz agora um ano que previmos aqui este cenário de ruptura do Chega e da IL com a coligação. Era inevitável, por razões de táctica eleitoral.
A razão é simples: neste último ano de legislatura é evidente que a coligação iria andar em permanente campanha eleitoral, distribuindo as benesses de um Plano e Orçamento avantajado, assim como todos os partidos. Com que cara é que a IL e o Chega iriam explicar aos seus eleitores que estavam a correr num corredor diferente, mas apoiando a coligação?
Claro que os seus eleitores iriam preferir concentrar os votos na coligação do que dispersá-los pelos seus partidos, para garantir a estabilidade pedida por Bolieiro.
Para não correr este risco, os dois partidos, estrategicamente, ‘descolam’ da coligação para segurar os seus eleitorados e ainda tentar captar algum voto dos descontentes e desiludidos com a coligação.
Votar, agora, favoravelmente um segundo Plano e Orçamento era voltar atrás nesta estratégia, daí que seja muito difícil acreditar que o Chega vai ceder à coligação.
Mesmo havendo entendimento, não se duvide que a instabilidade iria continuar, porque é incompatível ambos correrem em corredores diferentes para as eleições sem que se atropelem.
E por falar em tacticismo eleitoral, é notória a hipocrisia política na sala do parlamento.
Todos querem eleições antecipadas, mas nenhum avança com a responsabilidade de derrubar o governo, empurrando as culpas da crise de uns para os outros.
A aprovação de uma moção de censura seria a assinatura da culpa da crise e ninguém quer ficar com esta cruz.
A nossa percepção é que Marcelo estará mais inclinado para eleições antecipadas, mas também saberá que, o mais provável, é que não resolveria nada, porque iria ficar tudo na mesma.
O cenário político nos Açores, à semelhança do nacional, indica que será muito difícil algum partido conseguir a maioria absoluta.
Daqui por diante vão ser necessários acordos pós-eleitorais com outros partidos, dada a fragmentação dos votos, e isto significa que vamos ter, por muitos anos, instabilidade política cá e lá.
Se Marcelo fizer a vontade a Bolieiro, esperando por uma segunda versão do orçamento, então o governo de coligação parece ter ganho mais uns meses de vida, fazendo jus à fama política de Bolieiro, que é uma espécie de gato com sete vidas.
É só contar o número de vezes que já foi decretada a morte desta coligação.

A lição dos Países Baixos


No meio desta crise ninguém deu atenção às eleições nos Países Baixos.
O que veio de lá é um alerta aos partidos tradicionais e aos políticos do sistema, que receiam reformas e rupturas com o limbo institucional em que vivemos.
Um partido de extrema-direita, liderado por um radical sem pensamento estruturado, venceu as eleições e rompeu com a fama das democracias ocidentais.
É isto que poderá acontecer entre nós.
As pessoas estão fartas dos jogos políticos dos partidos do sistema, da oligarquia partidária que se apoderou de todo o sistema representativo e das instituições, não permitindo a intervenção da cidadania.
Escolhem quem querem, protegem os amigos, agem como se fossem donos das instituições, promovem uma arrogância política consequente e envolvem-se em esquemas que terão consequências políticas mais tarde ou mais cedo.
O que assistimos esta semana no parlamento açoriano é um pouco de tudo, provando que há muita mediocridade política que só existe porque foram os partidos a escolher.
Se fosse dada a possibilidade dos cidadãos escolherem directamente os seus representantes, mais de metade nem as Juntas de Freguesia das suas terras ganhariam.
É este desfasamento que faz os cidadãos afastarem-se cada vez mais da política.
É por causa disto que os partidos radicais vão ganhando, eleição após eleição, o voto de protesto de muita gente desiludida.
O que veio dos Países Baixos é uma lição.

 

Osvaldo Cabral
osvaldo.cabral@diariodosacores.pt

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