Diário dos Açores

Corrupta iustitiae, Parte 2

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Estamos loucos, ou somos todos idiotas? A treta e inverdade

Quando durante os anos de ativista critiquei igualmente a Austrália e Portugal em relação a Timor, chamaram-me muita coisa, e antipatriota… Desde que adotei os Açores como residência, nunca me coibi de exigir o melhor. Sim, (apesar da idade) sou um poeta, utópico que acredita em mundos mais perfeitos, sonhador que imagina justiça, equidade e transparência, e é difícil encontrá-las.
Sou muito assertivo e intolerante quanto ao nepotismo e corrupção que permeiam a sociedade. Sou exigente, a solução para a sociedade é uma comunidade educada, extremamente culta e capaz de discernir pela própria cabeça. Enquanto ela não existir continuaremos na desresponsabilização, impunidade, e com a habitual culpa morrendo solteira. Enquanto não houver líderes capazes de dizer, a culpa é minha pois sou eu que lidero e demito-me porque os subalternos erraram, enquanto não forem capazes de o fazer seremos manipulados por lóbis e interesses que não os “da res publica”.
Dir-me-ão que a democracia ainda é o menos mau dos sistemas (como afirmou Winston Churchill). Claro que é a pior forma de governança, salvo todas as outras alternativas, e não adianta chorar sobre os defeitos da democracia: a corrupção dos políticos de todas as cores, o nepotismo, os arranjinhos parlamentares (ora agora mamas tu, ora logo mamo eu, etc.). Enquanto não investirmos na educação, justiça e saúde não há sociedade que sobreviva aos interesses de lóbis e máfias que só buscam o lucro. São utopias, mas foram sempre elas que fizeram avançar a sociedade. Como simples artesão da palavra, poeta e sonhador de utopias manterei a minha saudável loucura, disposto a trabalhar para o avanço e progresso da massa amorfa que se desligou da “res publica” e vive amolecida pela indoutrinação e lavagem ao cérebro que fazem deles “carneiros contentes cantarolando rumo ao matadouro”.
Hoje, estamos obviamente numa sociedade de treta ou parafraseando Harry G. Frankfurt “On bullshit”. Esta é a nova adjetivação da sociedade atual. A treta (bullshit) é mais perigosa e insidiosa do que a mentira, pois está-se nas tintas para a verdade, generalizada e entrincheirada nos discursos dos políticos e dos fazedores de ideias que dificilmente a extirparão. Trata-se da regra aceite por todos que esconde dos destinatários o que o autor ambiciona. Utilizada pelo marketing e relações públicas para vender, passou a ser utilizada por todos.
Toda a gente tem opinião esclarecida sobre todos os assuntos, mesmo que nada saibam sobre o tema. Em todos os telejornais todos são comentadores e opinam sobre tudo e mais alguma coisa, mesmo sem formação específica sobre os assuntos. Começam como comentadores desportivos e acabam como comentadores políticos ou vice-versa, mas falam de defesa, relações internacionais, terrorismo, gastronomia, religião, e o mais que for necessário.
A hipocrisia passou a substituir a busca da verdade e a defesa dos interesses de Estado. Já não se ouvem ministros dizerem o que é melhor para o país, mas o que melhor pode servir os seus interesses e dos grupos que os alimentam. A verdade é irrelevante, substituída pela inverdade, para não lhe chamarmos abertamente, mentira. Cada vez mais o que se lê nos jornais tem de ser posto em causa. Por vezes só a data é verdadeira. Temos, como no tempo da ditadura, de buscar fontes alternativas ou subterrâneas. Nos jogos de futebol televisionados há comentadores que não sabem disfarçar o sectarismo clubístico. Interrogámo-nos sobre se estão a ver o mesmo jogo que nós. Num país em que a responsabilidade morreu solteira, ouvimos sempre dizer que se vai fazer um estudo, uma investigação, seja lá o que for, para apurar responsabilidades que nunca serão esclarecidas em vez de os ouvirmos dizer a culpa é minha, a incompetência foi nossa, ou coisa desse jaez.
É a regra da treta aplicada a tudo, desde os professores doutores sem cursos a lecionar, sem quaisquer pruridos, em universidades, a ministros corruptos e outros, envolvidos em negociatas resultantes dos anteriores lugares políticos. A vergonha parece ter desaparecido da face da terra ou então os valores educacionais que ainda tenho foram deitados fora. Ministros a empregarem mulheres, filhos, cunhados, sobrinhos, primos, descaradamente sem concurso, porque essas são as pessoas da sua confiança. Até que nem acho mal empregarem pessoas de confiança desde que tenham mérito, mas essa seria a exceção à regra...  
Acho melhor fazermos o mesmo com o nosso voto e só o darmos a pessoas da nossa inteira confiança e da família… É a descrença total no sistema político, saúde, justiça, educação. Os alunos não passam e o ranking PISA indica que Portugal está atrasado? Vamos passar os alunos todos que a taxa melhora… Os alunos não aprendem? Vamos reduzir e simplificar os cursos ao mínimo denominador comum para que todos passem e sejam doutores. Que interessa que os cursos nada tenham a ver com a realidade e com o mundo do emprego? Criem-se mais cursos, novos diplomas e façamos disto um país de doutores que a taxa ainda está baixa. Mais regra da treta.
A vida está cara? Para quem? Não será, decerto, para os que fruto de arranjinhos vários depois de trabalharem x tempo no lugar y recebem compensações, pagamentos ou rendas vitalícias que acumulam livremente com outro emprego sem perderem as reformas anteriores? Ou como aquele senhor que se reformou por incapacidade aos 45 anos e recebe salário de milhares?
Mas se pensam que isto está hoje bem pior do que há 25 ou 50 anos, então fiquem por cá mais uns 25 ou 50 anos e vamos a ver se ainda há reformas para alguém.
 Claro que o que me move é a inveja de não ter uma Fundação Soares ou outra Fundação qualquer a receber subsídios do Estado, inveja de já não ter ninguém da família no Governo ou no Parlamento, inveja de não pertencer ao bando dos que perpetuam a regra da treta. Ainda sou do tempo em que uma verdade bem contada podia arruinar a carreira de qualquer pessoa, hoje nem uma mentira bem contada afeta seja quem for…

Chrys Chrystello*

*Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

 

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