Diário dos Açores

Censura, fake news

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Corrupta iustitiae, Parte 3

Decidi abdicar da habitual dose de livros de ficção. A realidade não para de se exceder e tornar-se mais inverosímil que a fantasia. Neste pequeno jardim à beira-mar plantado, as liberdadezinhas são ameaçadas e cidadania já é sinónimo de coragem. Há uma crise que ninguém ousa negar. A democracia do 25 de abril resvalou para a demagogia. Os representantes eleitos estão, sem ideias e sem horizontes, que não sejam os dos benefícios pessoais. Esta teia intrincada de corrupção e nepotismo coloca em causa a democracia, e isso nota-se no abstencionismo generalizado.
Os ataques à liberdade começaram com a autocensura, imposta pelos poderes económicos que dominam os meios de comunicação. Depois, seguindo um processo, a nível mundial, centrado no politicamente correto, assiste-se à criação artificial do ser imperfeito: no início deste milénio era o fumador, depois foram os obesos, os carnívoros, e por aí adiante…. Tudo isso será tão grave como não pagar impostos. As represálias irão fazer-se sentir sobre os que exercem um mero ato de cidadania.
Os jornalistas não ousam criticar ninguém a menos que “mandados”. Já não há espírito de missão nem a profissão pode ser levada a sério. Portugal nunca foi um país de “jornalismo de investigação”. Agora ainda menos. A sociedade civil não se pronuncia e os jornalistas raramente o fazem. Os que querem ser esclarecidos contentam-se com o mundo “underground” dos blogues e das “fake news” que muitas vezes nem o são, assim como as teorias da conspiração que os donos disto tudo propagam para desacreditar essas mesmas teorias. O progresso tecnológico galopante, permitiu a todos um acesso alargado à informação, mas as pessoas estão menos informadas. Vive-se a miragem da multiplicidade de jornais e canais. Os telejornais são decalcados uns dos outros, só os apresentadores e a ordem das notícias mudam.
Os grandes grupos económicos que dominam os meios de comunicação (e os meios livreiros) promovem um cartel monopolizador da “verdade”, onde a independência e isenção são palavras vãs que se arriscam - em qualquer momento - a serem trucidadas. Os assalariados (jornalistas) se bem que hipoteticamente livres para escreverem sobre qualquer assunto, de qualquer forma ou feitio, só serão publicados se o conteúdo for conveniente aos interesses dos donos (patrões). Este tipo de censura é a pior. Cresceu incomensuravelmente nas últimas décadas e já me preocupava em meados de 80 na Austrália. É quase invisível. Mais brutal que o velho sistema do “lápis azul” do SNI que eliminou 68 das 100 páginas do meu primeiro livro de poesia em 1972 (Crónica do Quotidiano Inútil) para ficar elegantemente reduzido a 32.
Agora, o quarto poder, a imprensa (escrita e audiovisual), do célebre caso Watergate na década de 1960, deixou de funcionar em prol das liberdades e direitos dos cidadãos. Já não faz denúncias, manipula, mente e “orienta” com notícias falsas (as fake news). Guia os cidadãos e pactua, escondida, sob a ameaça velada das restritas leis que obrigam um jornalista a fornecer as fontes sob pena de ir para a cadeia ou pagar indemnizações milionárias. Os grandes grupos gabam-se de conseguirem eleger governos e presidentes e quando não o conseguem vale sempre a ajudinha duma batota. O voto eletrónico pode ser manipulado por quem instala o software… Ninguém sabe quantas guerras e milhares de mortos foram causados por tais eleições. Em simultâneo, os grupos económicos aumentaram desmesuradamente a influência, poder e lucros. Nem só de petróleo vive a administração dos EUA.
Aqui vos deixo o alerta para a necessidade de acordarem. Todos. Mesmo os que têm a consciência escondida ou pesada pelas atoardas com que diariamente vos metralham na comunicação social ou que temem que o que escrevo é fruto das teorias de conspiração (não é por minha culpa que a maioria se comprove verdadeira…).
Quando os políticos falam não são eles, mas as agências de comunicação e os grandes grupos que os sustentam. Quer-se, teoricamente, um cidadão culto e educado, para ter a liberdade de fazer as suas opções em liberdade. Mas o que se criou foi um pateta manipulado. Pensa que vive em democracia e é livre, mas não passa de participante involuntário numa fraude democrática. Como se diz em inglês “read my lips”... O que o povo quer é ver revistas com os escândalos dum pseudojetset e da pseudonobreza sem sangue azul, só fama fácil. O que o bom povo quer é mortes, violações, abusos, desgraças, inundações, incêndios, bombas, guerras e as tragédias longínquas, dos outros. As suas não lhe interessam.
O povinho (tão bem retratado por Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão) quer ver as vergonhas dos outros para que não vejam a sua. “É disto que o meu povo gosta” como diria Pedro Homem de Mello, embora se referisse ao folclore… Assim se explica que a maior parte dos bons jornalistas portugueses se encontre desempregada sem ser por opção ou por reforma antecipada. Não eram fabricantes de notícias sensacionalistas para abrir o telejornal, empolando banalidades em transmissões diretas que se arrastam penosamente do nada. Nunca o país viu aumentar tanto e em tão pouco tempo o fosso entre ricos e pobres como nas últimas décadas. As pensões e reformas são das mais baixas da Europa, mas os Executivos portugueses ganham mais do que os milionários congéneres norte-americanos. Ninguém escreve sobre isto? Limitam-se todos a passar secretamente essas notícias em e-mails aos amigos.
Uma idosa que roubou uma peça avaliada em menos de quatro euros foi levada a tribunal pelo supermercado, e o banqueiro x, y ou z (entre outros ladrõezinhos que existem por aí) nem sequer a tribunal vai? Claro, que o roubo de milhões é investimento falhado e o de uns cêntimos é um crime de lesa-majestade.
Estão estranhamente unidos na manutenção irrealista de pensões e mordomias e, compungidos, suplicam ao país mais sacrifícios. O povo sustenta estes e outros sofrimentos, lentamente moldado para ser cordato e ordeiro, como convém a quem governa. Enquanto os políticos na tribuna falam e não fazem nada, o povo protesta, queixa-se e copia-os, não fazendo nada. Um círculo vicioso perfeito apenas entrecortado pela famosa trilogia portuguesa do Fátima, Futebol e Fado, que ora retornou ao quotidiano lusitano. Já ninguém promete dias melhores, apenas mais do mesmo e pior ainda. Mais sacrifícios presentes e futuros em troca de nada.
Ninguém promete luzes ao fundo do túnel, neste feudalismo republicano, de acumulação de reformas para ministros, deputados, assessores, com imensa acumulação de privilégios para a minoria que come da gamela governamental e se alcandora a posições de poder, prestígio e benefícios. Há que entender que este país com estes políticos, quer sejam do PS do PSD ou qualquer outro, não vai a lado nenhum...enquanto se não acabar com o sistema de cunhas e compadrios, bem pior do que no tempo do Salazar. Tem de se acabar com a impunidade na justiça, há que parar e reduzir a corrupção rampante; há que deixar de aviltar a educação e de colocar os professores na lama; é imperioso deixar de fazer cortes no setor da saúde (que se não tem); urge terminar com esta sociedade norteada pela falta de princípios e de exemplos (aqueles com que fui educado, numa sociedade demasiado conservadora judaico-cristã). Cresci com valores algo que não é frequente ver-se hoje. É essencial terminar com a proliferação do chico-espertismo, ignorância, o quero, posso e mando.
Assim, quer o povo deixe ou não, o governo continuará a fazer o que bem entende em proveito próprio e detrimento nacional, mas não se vai a sítio nenhum. Dizem que já era assim na monarquia, na 1ª república, na ditadura e na 2ª república. Já o Galba dizia que “não se governam nem se deixam governar”.
Os portugueses vão ter que aprender à sua custa e isso pode demorar gerações. Há sítios no mundo bem piores, convenhamos, mais corruptos e violentos, mas não devemos olhar para os que estão pior, mas para os que estão numa fase melhor. Portugal já tem um mínimo de boas condições para se viver. Há um enorme desencanto, cada um tem que fazer o seu melhor e trabalhar com o que tem de bom e positivo em vez de estar sempre a malhar no que é mau. Não sei se há alternativa. Não podemos mudar os outros, infelizmente. Disse Gandhi “Be the change you want to see in the world.”

Chrys Chrystello*
*Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

 

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