Diário dos Açores

Saúde Pública e a Saúde do público, semana a semana (34):

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Celebrar o milagre da Vida (também porque é Natal)

A Ciência da Semana: nova “Era de sacrifícios humanos”?

Hoje recordo um artigo, de Martin Gak, correspondente de religião e ética da DW, de 27 de Março de 2020, no alvor da Pandemia Covid 19. Naquela altura, os profissionais de saúde na “linha da frente”, a par do número esmagador de casos, lidavam com a necessidade de fazer escolhas para garantir a sobrevivência dos doentes. Por exemplo, onde os ventiladores eram escassos, havia que escolher quem (entre dois pacientes gravemente doentes) recebia um recurso que salva a vida, naquilo que é um “dilema moral”. Um “dilema moral” é uma situação em que temos duas escolhas mutuamente exclusivas, com razões urgentes para escolher uma delas. No caso da COVID-19, o pessoal médico enfrentava o “dilema moral” de decidir quem vivia e quem morria; não escolher resultaria na morte de ambos os doentes.
Pelo contrário, escolher entre “salvar vidas humanas” e “salvar empresas” não é um “dilema moral”; vidas e dinheiro não podem ser equiparados. No entanto, este tipo de pensamento nunca foi um impedimento para certos indivíduos centrados em questões políticas ou financeiras, independentemente do custo humano.
No início de Março de 2020, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, pediu ao povo britânico que se preparasse para perder entes queridos. Estas não eram apenas palavras de cautela; eram as implicações da sua estratégia para permitir que o vírus circulasse sem controlo, na esperança de obter “imunidade de grupo”.
Qual o custo humano desta equação sinistra? Que alguns morressem para que muitos pudessem viver “normalmente”.
Johnson mudou o seu rumo quando um modelo do “Imperial College” mostrou que cerca de 260 mil pessoas teriam de morrer, para que o resto do Reino Unido pudesse viver. Só na 1a vaga.
Na Pandemia COVID-19 parece que a Humanidade não regressou apenas à “Era das pragas”; em pleno século XXI, as sociedades ocidentais pareceram estar dispostas a regressar à “Era dos sacrifícios humanos”. Steve Hilton (antigo conselheiro do ex-primeiro-ministro David Cameron) iniciou uma discussão na Fox News assim: “Sabe a famosa frase, “a cura é pior do que a doença”? Não é apenas o coronavírus que mata pessoas. A paralisação económica também mata as pessoas.”, disse. O vice-governador do Texas, Dan Patrick, sugeriu, na mesma Fox News, que os idosos estariam dispostos a morrer para salvar a economia dos jovens. A mensagem de Patrick foi repetida e amplificada por outros comentadores da Fox, transformando o que deveria ter sido uma voz solitária de grotesca maldade num tema de discussão política. A implicação era clara: o vírus exigia sangue humano, e os idosos seriam a oferta adequada, salientava Gak no seu artigo.
“Será preciso dizer que, escondidos atrás de estatísticas e de conceitos abstratos, estão seres humanos? O “1% de mortos aceitáveis” (conforme alguns políticos diziam) representa o pai idoso de um amigo, que morre sozinho num lugar da Itália. É a avó que está sentada sozinha no seu apartamento em Teerão, enquanto perde a esperança de ver os netos novamente, e espera que a morte a leve. É a jovem de Nova Jersey que sofre de asma e cujo filho pequeno crescerá sem mãe. Ainda é necessário em 2020 dizer estas coisas? Não aprendemos nos pesadelos infernais que qualquer morte é sempre a morte de um pai ou de uma mãe, de um filho ou de uma filha, a morte de um ser humano?”, escrevia então Martin Gak.
O que estes argumentos têm em comum é a afirmação de que existe uma parte da humanidade que é descartável: que podemos acabar com os idosos, os doentes, os improdutivos, os “económica e socialmente inaptos”.
Entre meados de Dezembro de 2020 e meados de Fevereiro de 2021 morreram 9000 portugueses. Em vários dias consecutivos morreram 300 portugueses. Por dia. Proporcionalmente equivaleria a que morressem nos Açores, no mesmo período de 2 meses, cerca de 250 pessoas. Os números nos Açores ficaram muito abaixo, nessa época. Tal deveu-se, por um lado, ao papel técnico da Saúde Pública nos Açores, à época liderada neste campo pelo Dr Gustavo Tato Borges (cuja vinda para os Açores se deu a convite do Dr Artur Lima), e por outro aos que no Governo Regional dos Açores colocaram vidas humanas acima de quaisquer outros interesses. Pode-se dizer, sem qualquer exagero, que por tal razão se evitou a morte de cerca de 200 açorianos. Um avião cheio de pais, mães, avós e avôs, de jovens com doenças que os tornam vulneráveis a esta doença. Outro tanto conseguiu-se salvar, durante os 2 anos seguintes (mas, em particular, durante a longa onda omicron), com as decisões tomadas no maior Hospital da Região, liderado então pela mão prudente da Dra Cristina Fraga. Não é o articulista que escreve estas linhas que o diz: é a Epidemiologia.
Em última análise, o que sempre esteve em jogo, nesta Pandemia, era quem seríamos nós no “dia seguinte ao fim da pandemia”. Quem seríamos nós, como sociedade e como civilização. E isso dependeu das escolhas que fizemos durante esta epidemia global. Neste aspecto, não há qualquer  dúvida qual foi a posição da Dra Cristina Fraga e do Dr Gustavo Tato Borges, tecnicamente, e do Dr José Manuel Bolieiro e do Dr Artur Lima, politicamente. Como Humanista, que sou, fica o meu louvor por terem estado do lado certo, desta luta pela Vida. Bem-hajam!

Os dados para análise: FDA aprova o Primeiro Medicamento de “Edição Genética” Crispr do Mundo, para a “Doença Falciforme”

Os EUA aprovaram o primeiro medicamento do mundo que utiliza a tecnologia Crispr, uma descoberta vencedora do Prémio Nobel, que promete ser uma nova e poderosa ferramenta para “modificar genes”, e assim tratar doenças.
O novo tratamento, chamado Casgevy e desenvolvido pela Vertex Pharmaceuticals e Crispr Therapeutics, foi aprovado para o tratamento de pessoas com formas graves da doença falciforme.
A anemia falciforme é causada por uma mutação genética hereditária, que resulta numa forma disfuncional da hemoglobina, que transporta o oxigénio no sangue. O Casgevy “procura” um gene diferente que, quando desligado, permite a produção de uma forma de hemoglobina produzida quando os bebês estão no útero, e que fornece um substituto funcional para a hemoglobina malformada do adulto, causada pela doença falciforme.

A homenagem da semana: ao Ministro da Saúde da Alemanha
 
Karl Lauterbach, Ministro da Saúde alemão, ele próprio médico, alertou os cidadãos no BILD de 9 de Dezembro de 2023: “O Coronavírus continua perigoso. Não é uma constipação que você possa apanhar com segurança, todas as estações. A COVID19 afecta os vasos sanguíneos ou enfraquece o sistema imunitário, o que significa que muitas vezes não fica completamente curada.” Frisou ainda o seu pedido urgente a todos, não apenas aos idosos e aos que têm doenças prévias: “Se quiserem evitar, ao máximo, adoecer debaixo da árvore de Natal, devem vacinar-se o mais rápido possível, nos próximos dias - de preferência contra a gripe e COVID, ao mesmo tempo.”
Para quem quiser passar o Natal fora ou visitar familiares mais velhos, Lauterbach aconselha que tenha cuidado e evite certas situações. “Nas últimas duas semanas antes das festas deverão evitar, ao máximo, qualquer forma de contágio”. Caso contrário, a COVID ou a gripe podem facilmente frustrar os seus planos de férias, ou representar um perigo para os seus pais e avós.
“É melhor usar máscara no autocarro e fazer testes de novo”. Estudos mostram que na Alemanha, neste Inverno, 10% dos cidadãos usam máscara regularmente, 28% às vezes e 58% não usam máscara.
“É melhor evitar grandes celebrações em ambientes fechados, pouco antes do Natal”
“Agora, se possível, é melhor ficar em teletrabalho, do que ter a companhia dos colegas do escritório.”
E: “Em caso de dúvida, é melhor fazer um teste COVID, antes de estar com pessoas mais velhas ou doentes”
Para Lauterbach, não devemos permitir que os vírus estraguem a nossa celebração: “Uma infecção evitada é como um presente de Natal adicional”.
É o ministro da saúde alemão que nos diz isto. Médico. Não tem o peso de algumas figurinhas que opinam nas redes sociais, os “Tobias” deste mundo, virtual e real. Lauterbach tem “apenas” a autoridade de ser um profissional, que gere a saúde de uma das nações do pelotão da frente deste mundo.
Termino citando São Josemaria Escrivá [in “Cristo que passa”, 12], “Lux fulgebit hodie super nos, quia natus est nobis Dominus - Hoje brilhará sobre nós a luz, porque nos nasceu o Senhor! Eis a grande novidade que comove os cristãos e que, através deles, se dirige à Humanidade inteira. Deus está aqui! Esta verdade deve encher as nossas vidas. Cada Natal deve ser para nós um novo encontro especial com Deus, deixando que a sua luz e a sua graça entrem até ao fundo da nossa alma.” Desejo, desde já, um Santo Natal a todos os leitores e colaboradores do “Diário dos Açores”.

Mário Freitas*
*Médico consultor (graduado) em Saúde Pública, competência médica de Gestão de Unidades de Saúde

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