O que fazer dos Açores  como centro de lançamento para o espaço? 1/2
Arnaldo Ourique

O que fazer dos Açores como centro de lançamento para o espaço? 1/2

Previous Article Previous Article Câmara Municipal de Ponta Delgada decide manter em vigor alterações ao trânsito no centro histórico da cidade
Next Article MiratecArts, Facebook e os vídeos mais vistos MiratecArts, Facebook e os vídeos mais vistos

O que interessa à Região não é dirimir forças para ver que existe uma cunha constitucional que imponha maior participação nas autorizações nacionais desta indústria – porque, claramente, ficamos sempre a perder.

 

Este assunto é da maior importância – centros de lançamento espacial no território e em plataformas oceânicas em mar aberto, plataformas de aterragem, recolha e reutilização de objetos espaciais –, sobretudo porque existe um claro interesse por este espaço terrestre e marítimo no centro do atlântico, como resulta da legislação europeia de 2021 (Regulamento (UE) 2021/696 do Parlamento Europeu e do Conselho de 28-04, ponto 1 dos considerandos: «a tecnologia, os dados e os serviços espaciais tornaram-se indispensáveis no quotidiano dos cidadãos europeus e são fundamentais para a preservação de diversos interesses estratégicos. A indústria espacial da União é já uma das mais competitivas do mundo»), e nacional de 2019 (Decreto-Lei 16/2019, de 22-01, do Preâmbulo: «as atividades espaciais têm vindo a assumir uma importância crescente nas sociedades contemporâneas... impactando de forma positiva o desenvolvimento socioeconómico dos países»); e o agora novo projeto de lei que esteve em audição no parlamento regional; e porque a própria Região Autónoma tem demonstrado isso mesmo, como se percebe pela lei regional recente (Decreto Legislativo Regional 24/2021/A, de 22-07, que faz a 1ª alteração ao Decreto Legislativo Regional 9/2019/A, de 0905, licenciamento das atividades espaciais, de qualificação prévia e de registo e transferência de objetos espaciais na Região, e o Programa de Governo para o quadriénio 2020-2024, documentos que analisaremos no 2º texto.
Este assunto – a utilização do espaço – é ainda mais perene do que o do território e o do mar: se para o território a segurança (natureza militar, atente-se) coloca muitas dificuldades à sociedade política; se para o mar a segurança ainda mais dificuldades acrescenta porque até as licenças marítimas necessitam de autorização militar; o espaço, ainda mais, é uma caixa de pandora: porque aí para a segurança existem leis antigas (pela lei do mais forte, novamente o militar, atente-se), mas não existem leis para o bem-estar da humanidade; veja-se o recente caso da Rússia que fez explodir um satélite, criando na orla espacial de habitualidade tecnológica das comunicações enormes quantidades de lixo; ou a inteira liberdade de introdução de toneladas de satélites pela empresa de ElonMusk. Ou seja, este assunto é de uma importância que não tem paralelo nas questões autonómicas na relação com o Estado. Quer-se dizer: se em quarenta e cinco anos – nunca conseguimos agilizar uma lei, ou sequer um memorando, sobre os dividendos que advêm dos tratados internacionais que envolvam as ilhas – é justo imaginar, e disso temos provas consabidas, de que não é nesta matéria que nos vamos tornar melhores.
Perante esta nova realidade – recolocada pelo novo projeto de lei nacional (entretanto encerrada por via das eleições de janeiro 2022) e que oferece à Região Autónoma apenas a mera auscultação sem valor vinculativo – à Região coloca-se o problema: o que fazer? À boa maneira regional, baseados no estigma de que “a autonomia é nossa”, é provável que a Região faça o pior, como fez com a lei do mar; mas, no mínimo devemos fixar que a Região deve ter atribuições úteis e económicas para a sociedade e não deve querer mais poder apenas pelo poder, exceto se servir os insulares.
Vejamos estas duas ideias.A autonomia não significa, longe disso, que tenha de se intervir forçada e diretamente em matérias de âmbito eminentemente nacional; isso é possível e normal, desde 1976 e em milhentas matérias, e um dos mais importantes é o poder de fazer leis com a mesma força que as do Estado. Mas entre possuir poder inteiro, com a respetiva organização, em matérias do espaço cuja receita líquida, financeira e tecnicamente, seja de 30%, quando em convénio com o Estado podemos conseguir o dobroou o triplo, é inegável que é melhor escolha a segunda hipótese. Isto é, a nossa necessidade regional não é exatamente o poder; só será o poder quando ele traduz dividendos e de qualidade para a qualidade de vida das populações das ilhas.
Nesta importantíssima matéria dos centros de lançamento espacial no território e em plataformas oceânicas em mar aberto, plataformas de aterragem, recolha e reutilização de objetos espaciais – talvez seja mais vantajoso para a autonomia lutar por melhores condições do que lutar por mais poder; pelo menos temos de questionar e perguntar pelos estudos que levam a pura e simplesmente lutar por poder pelo poder em função do estigma da centralidade,como está a acontecer agora nesta matéria. O que interessa à Região não é dirimir forças para ver que existe uma cunha constitucional que imponha maior participação nas autorizações nacionais desta indústria – porque, claramente, ficamos sempre a perder. Aliás, nesse colete de forças a Região claramente ficará espartilhada, como sempre; quando, com inteligência geopolítica, ela deve ser extrapolada para outras áreas de interesse regional. O que interessa à Região é obter os dividendos financeiros e técnicos proporcionais nesse negócio nacional e mundial, no espaço adentro do seu território, da sua ZEE e no oceano das redondezas.
Esta matéria, pois, pode constituir-se uma enorme mais-valia global para a Região Autónoma traduzida, a exemplo, num princípio geral de que em qualquer tratado, acordo ou contrato, licença ou desenvolvimentos, feito na Região ou em qualquer parte do mundo, traduz uma percentagem financeira e técnica para a Região. E num conjunto de degraus percentuais face aos processos, distinguindo os que promovem poluição ou lixo, dos que promovem riqueza e avanço tecnológico. E a Região em vez de se especializar em contabilidade de licenciamentos, cria uma administração pública com capacidade técnica para preparar esses memorandos e acompanhar e fazer a sua monotorização conducente aos ajustamentos. Se nós fizéssemos diplomacia cooperativa neste este tipo de matéria – eminentemente nacional – como fazemos com a diáspora açoriana, provavelmente a Região ainda não tinha gasto tanto como fez com as leis regionais e já estaríamos a receber ganhos úteis à sociedade insular.
Nesta matéria não devemos fazer como fizemos com os dividendos dos tratados (regra antiga, de 1976), cujos resultados são nenhures (existem alguns particulares; mas não cabe falarmos disso agora); ou o caso da gestão partilhada do mar, porque essa partilha implica custos que traduzem percas efetivas de dinheiro, quando a esse nível poderíamos ganhar mais. Devemos experimentar outra abordagem: 1º perceber do assunto que estamos a tratar (e pode começar-se pela leitura do último capítulo de The power of geography, de Tim Marshall); 2º, perceber que nesta matéria só ganhamos se estivermos com o Estado e a Região de mãos dadas. Se não se tiver capacidade para isso, ao menos o mínimo: entregar ao Estado a sua responsabilidade de soberania nesta matéria e ao mesmo tempo um memorando dos dividendos financeiros e técnicos.
Vamos finalizar no próximo texto.

 

Share

Print

Theme picker