Com calma, até à Endemia
Mário Freitas

Com calma, até à Endemia

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Conversas pandémicas (90)

“A Omicron reinfecta indivíduos que já tiveram COVID-19, causa doença em pessoas vacinadas, e ataca os não-vacinados. A Organização Mundial da Saúde registou um recorde de 15 milhões de novos casos de COVID-19 na semana de 3 a 9 de janeiro, um aumento de 55% em relação à semana anterior.”

 

1.    Quantas letras gregas o leitor conhece?

O avanço galopante da omicron garante-nos que esta não será a última variante do Sarscov2 a preocupar a Humanidade.
Cada nova infecção dá ao vírus a possibilidade de sofrer uma mutação, e a VOC omicron tem uma vantagem sobre as variantes antecessoras: espalha-se muito mais rapidamente.
Os recordes de novos casos de COVID19 significam mais pessoas nas quais o vírus pode evoluir, ainda mais. Não sabemos como serão as próximas variantes, ou como elas podem moldar a pandemia, mas sabemos que não há garantia de que as sucessoras da omicron causem doença mais leve, ou que as vacinas existentes funcionem contra elas.
Vacinação o mais ampla possível agora, enquanto as vacinas funcionam, é fundamental. Infelizmente, as notícias das campanhas anti-vacinação não ajudam…
Desde que surgiu, em meados de Novembro de 2021, a omicron espalhou-se muito rapidamente. Estudos mostram que a omicron é, pelo menos, 2 vezes mais contagiosa do que a delta e, pelo menos, 4 vezes mais contagiosa do que a versão original do vírus.
A Omicron reinfecta indivíduos que já tiveram COVID-19, causa doença em pessoas vacinadas, e ataca os não-vacinados. A Organização Mundial da Saúde registou um recorde de 15 milhões de novos casos de COVID-19 na semana de 3 a 9 de janeiro, um aumento de 55% em relação à semana anterior.
Além de colocar pessoas relativamente saudáveis fora do trabalho e da escola, a facilidade com que a variante se espalha aumenta as hipóteses do vírus infectar pessoas com o sistema imunitário enfraquecido – dando mais tempo ao vírus para desenvolver mutações mais potentes. As infecções mais longas e persistentes parecem ser terreno fértil de novas variantes.
Para conter o surgir de novas variantes, a continuidade das medidas de saúde pública, como uso de máscaras e a vacinação, é fundamental. As vacinas são como uma armadura, que dificulta a propagação viral, mesmo que não a impeça completamente. Num vírus que se espalha exponencialmente, algo que reduza a sua transmissão pode ter um grande efeito.
Vamos ser claros: este vírus não se tornará endémico (como por exemplo a gripe) enquanto as taxas globais de vacinação forem baixas.
Durante uma conferência de imprensa recente, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse que proteger as pessoas de futuras variantes – incluindo aquelas que podem ser totalmente resistentes às vacinas actuais – depende do fim da desigualdade global de vacinas. Tedros disse que gostaria de ver 70% das pessoas, de todos os países do mundo, vacinadas até meio do ano. Actualmente, existem dezenas de países onde menos de um quarto da população está totalmente vacinada, de acordo com estatísticas da Universidade de Johns Hopkins. E, no ocidente muitas pessoas continuam a resistir às vacinas disponíveis.

2.    Mas, o sarscov2 será algum dia endémico?

Há quem diga que o SARSCoV2 nunca será endémico. Que é uma doença epidémica, e sempre assim será.
Isto significa que ele encontrará sempre pessoas não vacinadas, ou sub-vacinadas, e espalhar-se-á rapidamente nesses grupos.
O vírus exibirá o padrão típico de aumento e diminuição de qualquer doença epidémica, em que os casos aumentam rapidamente ao longo de dias, ou semanas. Nenhuma doença verdadeiramente endémica se comporta assim.
A razão pela qual os governos têm de se preparar para as pandemias está no facto de esta propensão, para as epidemias crescerem muito rapidamente, poder sobrecarregar qualquer sistema de saúde, num período de tempo muito curto. Este é o padrão da epidemia clássica. Qualquer infecção epidémica segue este padrão, a menos que seja eliminada através da vacinação, ou mitigada por medidas não farmacológicas.
A infecção natural NUNCA eliminou qualquer infecção. Nem a varíola, que apresentou o mesmo padrão ao longo de muitos anos.

3.    Quebec, lar de tantos açorianos

No Quebec alguns doentes com COVID19 estão a levar garrafas de oxigénio para casa, para autotratamento. Em casas de repouso, há tantos pacientes COVID19-positivos que faz mais sentido manter os negativos isolados nos seus quartos.
A variante supercontagiosa Omicron resultou em 12000 profissionais de saúde de baixa, abaixo dos 20000 de há 2 semanas. Mas, a contagem de 12000 é igual à da primeira onda da pandemia, e não leva em linha de conta dezenas de milhares de outros trabalhadores ausentes por outros motivos.
Doentes com cancro e doenças cardíacas estão a ver as suas cirurgias adiadas, para libertar camas para os doentes COVID19 – uma reviravolta para pior, que não aconteceu durante a primeira onda da pandemia, em 2020.
Esta política do governo de reduzir propositadamente os serviços clínicos durante a pandemia – conhecida em francês como délestage – leva os hospitais a adiar cirurgias electivas consideradas menos urgentes.
Algumas cirurgias cardíacas programadas estão a ser adiadas, em grande parte porque requerem camas de cuidados intensivos pós-operatórios, que são escassas.
Na sexta-feira passada o Quebec tinha um total de 229 internamentos em UCI COVID – 2 a menos de igualar o recorde de 14 de janeiro de 2021. Durante a primeira onda da pandemia, os internamentos em UCI atingiram o pico de 227, em 23 de abril de 2020.
Na rede hospitalar os volumes cirúrgicos pré-pandemia caíram 65 a 75%, e prevê-se que esta percentagem caia ainda mais nas próximas semanas, por causa da onda Omicron.
O sistema de saúde do Quebec estava muito frágil antes da pandemia – resultado de um regime de austeridade, de cortes muito duros. E esse sistema foi bombardeado por 5 ondas de COVID. Ora, parece que o sistema não aguenta mais.
Controlar os números desta pandemia, a montante dos cuidados hospitalares, é fundamental, para evitar o colapso dos mesmos. Quem, nos comandos do combate à Pandemia, não percebe isto, não está a fazer o que se espera, no lugar que ocupa. No Quebec, ou em Portugal, o resultado pode ser o mesmo.
Sabeis aquela história da jovem que sai para jantar com o jovem, e só com essa saída já está a imaginar o casamento com ele? Parecem alguns a falar de Endemia, nesta fase da Pandemia. Tenhamos paciência, e sejamos racionais em cada passo que demos.

 


*Médico graduado em Saúde Pública e Delegado de Saúde

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