KANT: O Juízo do Gosto  e a possibilidade da Eudaimonia
Lúcia Simas

KANT: O Juízo do Gosto e a possibilidade da Eudaimonia

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2 – Nós é que mandamos - Revolução copernicana

    As diversas epistemologias não encontram consenso entre si. O filósofo Karl Popper, (1902-1994) tornou-se notório por negar o indutivismo clássicas em prol do falsificacionismo1  nas ciências. Thomas Kuhn (1922- 1969) conhecido pela polémica obra A Estrutura das Revoluções Científicas e finalmente o filósofo italiano, Larry Laudan, autor de The Pseudo-Science of Science levanta-se o problema da arracionalidade por falta de diferença fundamental entre a ciência e outras formas intelectuais.
O problema é a defesa de fronteira, as “demarcações”2 pela diferença entre a ciência e formas de crenças, porque a ciência é menos falsificável, mesmo não sendo provada Separando a ciência da não-ciência, da ciência e pseudociência, da ciência e filosofia e ainda ciência e religião, encontraram-se face ao problema que levantara Kant.
    As teorias científicas usam termos precisos com rigor e por isso conduzem a previsões definidas. Pela falsificabilidade distingue-se a ciência genuína não só de sistemas de crenças tradicionais, como a astrologia e a adoração de espíritos, mas também a crença no marxismo, na psicanálise, em outras disciplinas modernas que se considera negativamente “pseudociências”   
   O problema da demarcação é a separação que os cientistas tentam manter, pela incerteza  acerca da epistemologia da  ciência e o hibridismo epistémico das ciências sociais, ora análogo à matemática, ora às ciências naturais. Por um lado, a computação3  é compreendida desdobrando-se na matemática e a fundamentação teórica a priori fundamenta-se na dedução construtiva da matemática.
     Embora as ciências sociais elaborassem epistemologias e epistemografias os problemas debatidos regressam claramente ao criticismo da revolução kantiana. Agora a discussão da crença remete-se para uma simbologia linguística que esconde a continuação dos problemas do campo de estudo científico devido a não se poder excluir a crença.
    Kant determina o sujeito empírico transcendental que determina os juízos da ciência oriundos das aparências (fenómenos)  na sua representação da nossa consciência. O conhecimento é uma representação e não uma coisa em si.
     Kant na sua criticar interessava-se menos pelo objecto o nosso conhecimento do que pelo conhecimento dos objectos. É a revolução copernicana de Kant, pois nós é que mandamos”Afasta-se do empirismoe descreve as condições a priori para que o nosso conhecimento do mundo se possa concretizar. No seu sistema o que pertence ao conhecimento e o que pertence à crença situa-se em planos distintos.
O criticismo afastou-o do estudo cosmológico e da obra “Teoria do Céu” pela qual o podemos chamar um “cosmólogo esquecido e subestimado pela antecipação de um Cosmos mais próximo de nós4  que chegou até Laplace no seculo XIX.
A antropologia kantiana é inicialmente dualista, pois o conhecimento científico existe nos juízos sintéticos a priori, universais e necessários, através dos conceitos pelas funções do entendimento na sua unidade. Por outro lado somos membros legisladores de um reino moral, “natural para os outros animais” e somos súbditos por dever de respeitar à razão prática, ou seja a lei moral. Ao aceitarmos a nossa condição inferior de criaturas não deixamos de ser legisladores e ao mesmo tempo continuamos sujeito à nossa legislação.
       A personalidade numénica, (distinta da fenoménica), torna-nos capazes de pensar sobre os problemas que vão além da ciência e todos possuímos pela “razão pura” que “empurra o entendimento para além da experiência e a Metafisica é uma disposição natural da razão”.5  
   A via para Deus não era a da razão teórica, esse foi um erro da metafísica dogmática, mas a do coração, da moralidade, o que não tinha sido um ensinamento fundamental do cristianismo. Parece, portanto, que a finalidade de Kant era preservar a crença num plano que hoje continua actual com a  “Guerra das Ciências”6 sem se estabelecer fronteiras entre a verdade e a crença, a necessidade dos factos e de uma indução que existe na ciência. Continua essa guerra explosiva que Carlos Fiolhais  cita como “as duas culturas”  querela entre  os cientistas e investigadores das ciências naturais, sobretudo da física e da matemática e os investigadores, teóricos  e críticos culturais que defendem a perspectiva dos chamados science studies. Esta guerra das ciências tem a ver com diferenças de cariz epistemológico, metodológico, e até axiológico que estourou clamorosamente em justificações de ambas as partes e argumentação sempre rigorosa e fundamentada da parte dos físicos e outros cientistas actuais.
     Com novos estudos e argumentações este é um dos temas candentes, desde que os cientistas demonstraram a fragilidade do que se usava na linguagem das ciências sociais com  metáforas, simbologias, mitologias até asceses transcendentais. O polimorfismo do imaginário desliza com arquétipos metafóricos com jogos de linguagem sem qualquer rigor científico.
    Como podemos ver, nesta nossa modestíssima contribuição, Kant é tão actual agora como pouco compreendido no seu tempo. A sua genialidade adaptar-se aos problemas formulados que se estruturam em temas que Kant levantou.
A Crítica da razão Pura situa-se no conhecimento científico e no que podemos conhecer através de uma submissão necessária do objecto ao sujeito.  Daí afirmar: “Nós é que mandamos!”
O criticismo de Kant não conseguiu defender a Metafísica como desejava mas mostrou o racionalismo do conhecimento científico ligado às ciências. A razão diferencia-se apenas pelo uso teórico ou prático que o homem faz dela, sendo provido de liberdade. Para além da existência do sujeito epistémico, que é o sujeito da Critica da razão Pura, publicou a “Crítica da razão prática” em defesa da acção moral. O homem é o único ser que nasce capaz de praticar o bem ou o mal, pela faculdade suprassensível, logo sendo livre deveria seguir a razão.8   
   Nada foi feito em vão e a natureza exige que o homem tire inteiramente tudo  de si mesmo pela  liberdade que lhe permite praticar o bem ou o mal.   Todos os seres têm os seus próprios meios para atingir os seus fins no seio da natureza e ao homem cabe retirar de si mesmo a sua disposição natural que é seguir a razão de que é dotado.9  Se não o fizer, as suas inclinações negativas podem colocá-lo abaixo dos outros animais.
   O ser humano é imperfeito não se insere harmoniosamente no seio da Natureza como os outros animais. A liberdade permite várias inclinações tanto para o bem como para o mal. Os outros animais não praticam o mal  pois:  A história da  Natureza começou pelo  bem porque é obra de Deus, a história da liberdade pelo mal, porque é obra humana.

Bibliografia consultada:

1Popper, Karl, https://estadodaarte.estadao.com.br/popper-falsificacionismo-papineau-critica/ https://repositorio.ufsm.br/handle/1/14400?show=full 2018.
2O problema da demarcação em Popper, Kuhn e Laudan. Manancial Idem , Ibidem.
3Andraus, Augusto,: A ciência da computação  e o problema da demarcação na filosofia da Ciência: uma investigação epistemológica, Campinas 2018.
4Fernandes, Joaquim, Kant, Immanuel, Teoria do Céu, História natural e teórica do Céu ou a constituição e a origem mecânica do universo segundo as leis de Newton CTEC, Centro transdisciplinar de Estudos da Consciência Un. F. Pessoa, Esquilo
5Penedos, Maria Manuel, A Guerra das Ciências. Porto, 1998.
6Idem Ibidem.
7Fiolhais, Carlos, O Físico e o Filósofo: o debate entre Einstein e Bergson https://dererummundi.blogspot.com/ 12-2-02
8Pascal, G. La Pensée de Kant, Bordas, Paris, 1957, p108
9Deluze, G.  La Philosophie Critique de Kant, PUF. Paris, 1963, p.19.


 

 

 

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