A fragilidade da democracia açoriana
Arnaldo Ourique

A fragilidade da democracia açoriana

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Ao povo ucraniano que mostra a grandeza da humanidade; ao povo russo pela infelicidade de ainda viver na idade das trevas. À União Europeia por constituir um exemplo de democracia evoluída; quando discute sem acordo não é sinal de fraqueza, mas de força democrática; quando é necessário, como agora, a unanimidade é natural. É bom ser-se europeu, pela segurança, pela democracia, pela liberdade, pela humanidade.

 

A democracia açoriana é toda ela virtualidades: com toda a certeza se não estivesse nas mãos dos açorianos parte significativa das suas vidas insulares através dos seus órgãos políticos próprios – tudo seria bem diferente e para pior. No entanto, como toda a obra humana, ela tem fragilidades para não dizer defeitos. As nossas fragilidades, em todo o caso, são maiores do que seria de esperar: quando criamos a Região Autónoma podíamos ter feito a criação de uma nova sociedade política, mais esclarecida e mais cidadã; mas não o quisemos fazer. Preferimos o modelo adotado, à boa maneira de lusitanos: governamos à vista da costa sem projetar e sem possuir ideais de longo curso em áreas estruturais, a exemplo, a educação, base de toda a sociedade humana. Podemos, em síntese, apontar as fragilidades da democracia açoriana, em seis pontos essenciais.
Funções dos tratados. Em quarenta e quase cinco anos a Região Autónoma nunca se interessou por imprimir uma lei de bases sobre esta matéria. É importante o exemplo que vem do continente neste momento: o Estado está a auscultar os concelhos e freguesias onde quer realizar prospeção para exploração do Lítio, matéria prima importante para a tecnologia das comunicações; os municípios estão a exigir, e o Ministro do Ambiente e da Ação Climática já o reconfirmou (3 fev., RTP) que os contratos vão prever royalties para esses municípios. Isto é: a Região Autónoma nunca se propôs desenvolver memorandos para desencadear legislação que concretize o direito – constitucional e estatutário – na quantificação de benefícios. O caso atual da invasão da Ucrânia sublinha, mais uma vez, esta realidade. Soubemos quantificar pelos princípios da insularidade e da ultraperiferia os benefícios e custos através da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, mas não fizemos o mesmo para os tratados que são evidentemente de soberania, mas que temos, no mínimo, meios políticos para o diálogo e construção de desenvolvimentos comuns.
Funções do território, do mar e do espaço. Apesar de termos algum avanço na gestão do território, persistem problemas gerais. A exemplo, na parte dos imóveis do Estado na Região, sobretudo os que estão e que já não estão afetos a assuntos militares(lembremo-nos do caso das Cinco Ribeiras). Ao nível das questões do mar, o exemplo da gestão partilhada é um péssimo padrão, numa trapalhada de legislação aos solavancos e errada. É certo que temos, por mérito da 2ª fase da história da autonomia política, a reboque da legislação nacional, importantes documentos legislativos sobre património marítimo e subaquáticoe outros; mas falta a relação direta com o Estado para que, por um lado, sejam projetos custeados também pelo Estado e, por outro lado, que tenham projeção nas políticas nacionais. E na matéria espacial, mais recente, o exemplo é dramático. Isto é: a Região não consegue construir pontes de diálogo político, administrativo e técnico para uma relação de maior proximidade entre o Estado e a Região. Não é necessário que esteja tudo na mão da Região como sendo um poder absoluto: por que motivo não podemos gerir e gerar receitas próprias através de delegação de poderes especiais?, não apenas na possibilidade de criação de leis, mas de regulamentação e de gestão efetiva ligada umbilicalmente ao Estado? Estas matérias têm traduzido grandes custos estritamente regionais, sem efeitos práticos, e a multiplicar custos com verbas necessárias a outras funções mais diretas às dificuldades dos insulares.
Funções do Estado na Região. É frequente ouvirmos falar na justiça, incluindo a necessidade do estabelecimento prisional em S. Miguel. Mas este assunto é muito mais amplo. Em vez de atribuirmos às forças de segurança, GNR e PSP, verbas avulsas dos orçamentos regionais (isto é, verbas das receitas próprias dos insulares), mantendo estes serviços com os mesmos problemas; é necessária uma cooperação mais técnica e mais administrativa. Aqui também falha uma lei de bases que norteie essas funcionalidades na Região. Se conhecemos melhor a Região, por que motivo não existem relações de proximidade para a determinação de cumprimento das necessidades regionais?; como é possível que estas entidades, incluindo tribunais, finanças, notariado e muitos outros temas, sejam desenvolvidos pelo Estado na Região sem que exista uma proximidade de modo a garantir maior eficácia e com menores custos?, e que melhor sirva os interesses dos insulares?
Funções do Estado realizadas pela Região. Em muitos aspetos, para além e aquém do item anterior, o Estado pratica atos de governação na Região: apoios para consequências de calamidades, viagens aéreas, e muitas outras áreas. Também aqui é impreterível uma conjugação de esforços: sem uma lei regulatória nestas relações, tudo é feito por mero convénio circunstancial, tem muitos custos e pouca eficácia. Não tem sentido que não exista uma relação de intensa proximidade. Nem o Estado pode divorciar-se dos problemas dos insulares na ideia errada de que se têm governo, pois que se governem; nem a Região pode pretender governar sozinha – quando isso é proibido pela Constituição e pela democracia e pela garantia dos direitos fundamentais.
Funções próprias regionais da Região. A Região, naquilo que é a sua funcionalidade de especialidade, tem de governar em função dessa especificidade; sem esquecer a sua organização administrativa. Tem de seguir os melhores exemplos do espetro nacional, melhorando-os à realidade e necessidade regionais, ou criando melhores modelos. Melhores, não na mera qualificação adjetiva de que é melhor; mas efetivamente melhor, em função do princípio do mínimo. Aqui já não está em causa o Estado – mas apenas a Região. Isso aumenta sobremaneira a responsabilidade. Essas funções próprias têm de obedecer a regras de democracia cuidadosas de maneira a que estejam garantidos os princípios constitucionais da responsabilidade do Estado (“igualdade real entre todos os portugueses” e do “desenvolvimento harmonioso de todas as regiões do país”) e que a Região traduz essa responsabilidade e, “igualdade real entre todos os açorianos insulares” e o “desenvolvimento harmonioso de todas as ilhas”.
Sistema de governo. Uma democracia sem instituições de relacionamento político de controlo político efetivo – é uma democracia frágil.
Na Região Autónoma dos Açores – tudo o que é estrutural é frágil. Se alocarmos a isso um governo fraco, por muito que faça é sempre medíocre.

 

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