A opinião pública mundial parece estar a chegar a um estadio de desinteresse no qual o evoluir do conflito desencadeado pela Rússia contra a Ucrânia já não “incomoda” e entrou na agenda da atualidade internacional.
Como aconteceu, no passado recente com outras guerras ocorridas no Iraque, na Síria, no Líbano, no Afeganistão, no Médio Oriente e em curso noutros países africanos, os países ocidentais relevam mais os prejuízos económicos do que a perda de vidas humanas, as carências sanitárias, as mazelas físicas e as consequências sociais nas populações atingidas.
É daí que advêm o subdesenvolvimento dos povos, a fome, a doença, a diminuição do tempo médio de vida e se gera um incontrolável número de refugiados que se juntam aos africanos chegados de África através do Mediterrâneo. Todos batem à porta da Europa rica para fugirem à guerra e concretizarem sonhos de felicidade, bem como o direito de se alimentarem e viverem como os demais.
Do conflito militar no leste europeu muito têm os governantes da União Europeia e do Ocidente a aprender.1
Julgava-se que com a integração de antigas repúblicas da extinta URSS, a UE se tornaria um bloco económico forte, pacífico, coeso e democrático. O certo é que as primeiras ameaças de poderes “populistas” surgiram no seio da própria União. Felizmente alguns desses protagonistas e governantes já recuaram nas suas diatribes, movidos pela tragédia da guerra.
Esperava-se também que a Rússia tivesse optado por um poder democrático plural baseado na defesa e proteção dos direitos humanos e no respeito pela liberdade e independência dos povos, mais do que na recuperação do poderio militar perdido. Tal não sucedeu e a preocupação evidente é a reconquista do poder superpotente.
Compete agora aos estrategas, diplomatas e governantes dos povos encontrar soluções pacíficas estáveis para repor a paz na Europa respeitando fronteiras, culturas e identidades de cada país e contendo o mentalidade expansionista, sem recurso à guerra e sem opressores nem oprimidos.
Mais importante ainda é proporcionar níveis de vida digna a milhões de seres humanos atormentados pela instabilidade social e económica, resultante da destruição dos seus teres e haveres e do abandono das suas terras.
A guerra não é um flagelo que sempre dure. Os seus efeitos sim, esses permanecem largos anos no coração humano, na vivência dos povos, na fisionomia dos territórios esfacelados por tantos canhões e mísseis que a ambição desmedida dos prepotentes e tiranos ordenou.
As imagens que nos chegam dos campos de batalha, recordam-nos o célebre sermão do Pe António Vieira, escrito em 1668, nos anos da Rainha D. Maria Francisca de Sabóia. O texto é uma peça literária clássica, como o próprio tema em si:
“É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e, quanto mais come e consome, tanto menos se farta. É a guerra aquela tempestade terrestre que leva os campos, as casas, as vilas, os castelos, as cidades, e talvez em um momento sorve os reinos e monarquias inteiras. É a guerra aquela calamidade composta de todas as calamidades em que não há mal nenhum que ou se não padeça, ou se não tema, nem bem que seja próprio e seguro: - o pai não tem seguro o filho; o rico não tem segura a fazenda; o pobre não tem seguro o seu suor; o nobre não tem segura a honra; o eclesiástico não tem segura a imunidade; o religioso não tem segura a sua cela; e até Deus, nos templos e nos sacrários, não está seguro.”
Que definição literária poder-se-ía encontrar para descrever as tristes e horríveis imagens que dia-a-dia nos narram o desenrolar do conflito?!...
A tragédia humana engloba refugiados pretendendo afastar-se do teatro de guerra o mais possível. Muitos deles colocam Portugal e os Açores como destinos apetecíveis, porque mais distantes e pacíficos. Resta saber se os “comboios” da debandada ucraniana atingirão também estas pacatas ilhas, situadas num Atlântico Norte nevrálgico para a nova estratégia militar ocidental que terá de desenhar-se para responder ao expansionismo putiniano.
Num artigo publicado no “Público” esta quarta-feira, o Professor Nuno Severiano Teixeira apresenta a seguinte proposta para o pós-guerra: “o grande desafio da UE e dos EUA [que] será o de refazer a arquitectura de segurança na Europa e garantir a defesa contra a ameaça russa, sem entrar numa escalada militar com a Rússia. Não é tarefa fácil. Sobretudo porque a resposta ao revisionismo político e ao revanchismo militar de Putin exige mais do que as tradicionais sanções económicas e a velha retórica política. Exige uma nova estratégia, global e de longo prazo”.2
Neste cenário que papel a NATO reservará à posição geoestratégica dos Açores que, noutros conflitos, desempenharam importância relevante seja na defesa aérea, seja na defesa marítima? Não sabemos.
O certo é que ao cidadão comum estas são preocupações constantes, pois dá a impressão que os mares do arquipélago estão pouco defendidos na sua ZEE, face ao reduzidíssimo número de navios da Armada Portuguesa e ao crescente movimento de navios de transporte de mercadorias que passará a cruzar o Atlântico Norte, face às restrições impostas à Rússia.
E se esta afirmação está incorreta, que venham os responsáveis da defesa nacional esclarecer a opinião pública e os cidadãos de que assim não é, numa ação psicológica que os manuais aconselham em momentos de maiores conflitos. Afinal não foram e são os açorianos os mais lídimos e corajosos defensores da sua terra contra corsários e povos estrangeiros, como acontece desde que estas ilhas foram povoadas?
Se a segurança europeia continuar a passar por aqui, importa que, desde já, os insulares saibam o que os espera não só militarmente, mas economicamente.
A estratégia europeia que se vier a desenhar, terá, certamente, custos militares acrescidos para Portugal, a par de outros que afetarão setores recentes de crescimento económico, como o turismo, a exploração de recursos marinhos e da navegação espacial. Quem compensará esses constrangimentos?
Uma guerra como a que estamos a assistir, para além de destruição e morte, implica mudanças geoestratégicas e geopolíticas no relacionamento entre os povos.
Bom seria que a paz fosse um valor permanente. Mas, infelizmente, a vontade dos poderosos altera, de um momento para o outro, projetos de desenvolvimento e dita procedimentos que só a História da Humanidade saberá ajuizar.
1Boniface, Pascal, Compreender o Mundo – as relações internacionais para todos, Texto § Grafia, 2016
2Teixeira, Nuno Severiano, “Volta Kennan, estás perdoado!”, Jornal “Público”, pag.14, 09mar2022
http://escritemdia.blogspot.com
*Jornalista c.p.239 A