A tempestade perfeita
Osvaldo Cabral

A tempestade perfeita

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Diário inconveniente

O que vem por aí fora é o que se pode chamar de tempestade perfeita.
O impacto que os efeitos da crise vai trazer à economia açoriana será mais duro do que a crise pandémica.
Serão os aumentos dos preços em catadupa, a falta de muita matéria prima, o racionamento, a especulação, o açambarcamento, a inflação e a mais do que previsível subida das taxas de juro.
Nada que não fosse esperado numa região frágil como a nossa, isolada no Atlântico e dependente do exterior em transportes e em produtos de bens alimentares.
Podíamos ter reduzido esta dependência?
Claro que sim! E não faltou quem avisasse ao longo dos últimos anos.
Há, seguramente, mais de duas décadas que se ouve falar nesta região de criar uma reserva alimentar perante a impossibilidade de uma autossuficiência e uma teimosa monocultura da vaca.
Se há coisa em que falhamos em toda a linha ao longo de toda a governação autonómica foi no planeamento para uma emergência alimentar e energética.
No passado demos exemplos com enormes áreas de terrenos para sementeiras diversificadas, como o milho, o trigo, o centeio e por aí fora, mas não fomos suficientemente competentes para manter uma reserva de emergência.
Os sucessivos governos ignoraram os avisos e fomentaram, com base na subsidiação, as importações e a monocultura.
Só há poucos meses é que, perante uma crise que já se instalara no sector agrícola na União Europeia, os governos dos Açores e da Madeira enviaram uma carta conjunta, assinada pelos respectivos presidentes, à ministra da Agricultura, pedindo respostas urgentes para o aumento dos custos de produção do sector agrícola e pecuário.
Na carta, os executivos regionais lembram que a necessidade de ter em consideração as RUP foi reconhecida, por iniciativa de Portugal e Espanha, nas conclusões do Conselho da Agricultura de dezembro de 2021 sobre o Plano de Contingência “para garantir o abastecimento alimentar e a segurança alimentar em tempos de crise”.
Como se vê, só quando o fogo entra em casa é que acordamos para a desgraça.
O mesmo aconteceu com os combustíveis, área em que poderíamos estar hoje a dar cartas no país e na Europa, não fosse a subserviência dos nossos governantes aos seus líderes de Lisboa.
Ainda na semana passada ouvi esta coisa espantosa de Vasco Cordeiro, no parlamento açoriano, questionando o governo se “já tem alguns contactos em curso quanto ao Porto da Praia da Vitória e ao Gás Natural Liquefeito?”!
Então não foram os seus governos, conjuntamente com os seus camaradas da República, que prometeram, há anos, instalar o GNL na Praia da Vitória?
O famoso PREIT (Plano de Revitalização Económica da Ilha Terceira), criado em 2015, já prometia “definir o Porto da Praia da Vitória como o porto abastecedor nacional de GNL, para as travessias transatlânticas e consequente candidatura nacional do mesmo ao Programa European Connecting Facility”.
Onde é que ele está?
De 2105 para cá o que foi feito?
Claro, não fizeram absolutamente nada, como continuaram a fomentar a propaganda com mais promessas por parte da República e o ‘amouchar’ da região perante o incumprimento nacional, nesta tradicional curvatura espinhal que fazemos aos senhores de Lisboa, pondo os interesses partidários acima dos interesses do povo açoriano.
Dois anos depois, a 20 de Novembro de 2017, a senhora Ministra do Mar foi ao porto da Praia da Vitória dizer que aquela infraestrutura era fundamental para a estratégia nacional ligada ao abastecimento com gás natural liquefeito (GNL).
“Esse porto é fundamental para a execução de uma estratégia nacional que tem a ver com o seu posicionamento logístico a nível do Atlântico ligado com o abastecimento do gás natural liquefeito”, afirmou então Ana Paula Vitorino, a mesma que nos ‘engavetou’ com a Lei do Mar, perante o silêncio comprometedor dos seus camaradas açorianos.
Todos eles assistiram à senhora ministra a prometer  um ‘road show’, que já tinha começado na China, englobando os portos açorianos, porque a Praia da Vitória é “um dos pontos fulcrais para a estratégia de abastecimento internacional do gás natural liquefeito que engloba os portos dos Açores, Sines, Lisboa e Leixões, não excluindo outros”.
Tudo benzido pelas nossas autoridades regionais, que até diziam mais: “é pretensão criar no Porto da Praia da Vitória um ‘bunkering’ deste combustível que será efetuado por investimento privado com recurso simultâneo aos fundos comunitários e instrumentos disponibilizados pelo Banco Europeu de Investimento. Com a criação deste entreposto, prevê-se a intersecção no fixo de carga transatlântica e criação de economias de escala através da etilização do GNL por outras entidades, nomeadamente do setor energético”.
Onde é que está tudo isso?
Eis como, em quase uma década, andamos a prometer tanta coisa que nos podia, agora no presente, atenuar a tempestade perfeita que vamos enfrentar.
Sobre isso o julgamento está feito. E não esquece.
O que é preciso, agora, é que olhemos para os mais carenciados, os que vão sofrer mais com esta crise inesperada e para a qual os políticos foram incompetentes em nos preparar.
Que sirva de lição.

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