Diário dos Açores

Carta de um jovem atleta a seu pai

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“Pai, que estás a fazer?
Não sei como te dizer… Certamente achas que o fazes para meu bem, mas ainda não consigo deixar de me sentir estranho, incomodado, mal.
Ofereceste-me uma bola quando ainda estava a aprender a andar. Inscreveste me no clube quando ainda não andava na escola.E eu adoro.Gosto de treinar durante a semana, brincar com os colegas e jogar ao fim de semana, como fazem os mais velhos.
Mas quando vais aos jogos... não sei. Não acreditas em mim. Está sempre a dizer me o que fazer e como fazer. Como se eu não soubesse pensar e fazer.Pai, eu vou errar. Mas errando, eu aprendo. Deixa-me ser feliz e estar concentrado no jogo.
Nós temos um compromisso. Eu tenho feito a minha parte em casa, na escola, no desporto... E tu? Fazes tantos esforços e sacrifícios para que eu vá aos treinos e jogos e depois não desfrutas? Não ficas contente em participar nos meus jogos? Já não gostas de me encorajar?
Agora já não me dás uma palmada nas costas quando o jogo acaba, nem me convidas para tomar qualquer coisa. Vais até à “bancada” pensando que são todos teus inimigos. Insultas os árbitros, os treinadores, os jogadores, ou outros pais…
Já não é como dantes.
Porque mudaste?
Eu continuo a precisar de tua ajuda para poder aceitar a derrota com dignidade e encontrar forças e confiança para competir. Agora, tu e os outros pais, à força de quererem vencer a todo o custo, são mais protagonistas que nós em campo. Cansam nos. Ficamos confusos e tristes.
Acho que sofres e não compreendo.
Dizes-me que sou o melhor, que os outros não valem nada ao meu lado, que quem disser o contrário está enganado e que só ganhar é que conta. O treinador a quem chamas incompetente é meu amigo.Foi ele que me ensinou a divertir me enquanto jogo. O rapaz que no outro dia jogou no meu lugar… Lembras-te? Sim, pai, aquele que criticaste durante toda a tarde, dizendo que “não serve nem para levar o saco das bolas”. Esse rapaz é da minha turma. Na segunda-feira, quando o vi, fiquei com vergonha. Não quero dececionar-te. Mas tu e a mãe estão a sufocar-me com os vossos berros e orientações técnicas!!
Às vezes penso que não sou suficiente bom para vocês. Tu, a mãe e os outros pais estão sempre a falar em vez de nos apoiarem. De se divertirem connosco. Sempre a pensarem que têm a razão toda.
Provavelmente não vou chegar a profissional e ganhar muitos milhões como tu anseias. Mas, assim, sufocas-me.
Pai, aplaude a minha equipa e, se possível, a adversária. Não jogo sozinho. O jogo fica para nós, para o treinador e para o árbitro. Não nos menosprezes com o teu comportamento.
Até já pensei deixar de jogar, mas… GOSTO MUITO!
Pai, por favor, não me obrigues a pedir-te para não vires ver os meus jogos.
Para mim és o maior em tudo o resto, queria que fosses também o maior pai no desporto.

Teu filho que te ama muito!”

 

* Embaixador do Plano Nacional de Ética no Desporto

Vítor Santos*

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