Diário dos Açores

Pela boca morre o peixe

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Esta semana foi notícia as “Jornadas de Reflexão Turismo Acessível – Oportunidades Sem Limites”, organizadas pela Direcção Regional do Turismo. E razões há para levantar esse assunto. É ver os turistas arrastando com dificuldade as suas malas com rodado, num verdadeiro obstáculo à mobilidade, que é a calçada dos nossos passeios. Mais penosa, ainda, é a deslocação no nosso empedrado de um casal de turistas em que um dos cônjuges vai numa cadeira de rodas. Acessibilidade é muitíssimo mais do que rampas na porta das igrejas.
Na sua comunicação durante a abertura das jornadas, Berta Cabral, Secretária Regional do Turismo, Mobilidade e Infraestruturas, defendeu que “É um dever e um imperativo social investir na acessibilidade no turismo – e ao fazê-lo iremos também criar melhores condições de vida para os nossos próprios residentes”. Este discurso denota uma grave inversão de valores. Não, não é um dever e um imperativo social investir na acessibilidade por causa do turismo e por arrastamento beneficiar os próprios residentes. Era um dever e um imperativo social ter-se investido nas acessibilidades da população das nossas cidades, vilas e freguesias, criando melhores condições de vida para os seus residentes. Se tivessem sido cumpridas estas obrigações de quem governa, o tema destas jornadas seria um não assunto.
Até agora não houve a mínima preocupação dos nossos governantes, principalmente dos autarcas, com a acessibilidade e mobilidade pedonal de todos os que residem nestas ilhas, não facilitando e até impedindo a mobilidade dos mais velhos, das crianças, dos deficientes motores que se deslocam em andarilhos ou em cadeira de rodas, das grávidas, das famílias com carrinhos de bébé ou cadeirinhas de criança de tenra idade e dos mais frágeis. Na realidade toda essa gente não se pode deslocar pedonalmente numa cidade como Ponta Delgada nem usufruir de um agradável passeio à beira-mar nas avenidas marginais, onde o direito a bom piso, necessário para conseguirem deslocar-se, é uma prerrogativa dos ciclistas.
 Não há circuitos pedonais, sendo todos os peões, mesmo os que têm maiores dificuldades motoras, forçados a utilizar uma faixa de calçada decorativa, imprópria para locomoção dos grupos mais frágeis, aqui já referidos. Esses, também, não poderão beneficiar das ruas recentemente fechadas ao trânsito do centro da cidade de Ponta Delgada, pois a calçada é a mesma. Ponta Delgada continuará a não ser uma cidade inclusiva e para todos.
O problema das nossas cidades e vilas está bem identificado. É a calçada lisboeta, que de tão vulgarizada por todo o país é conhecida por calçada portuguesa. Não foram construídas para dar conforto e segurança aos peões e dificultam a mobilidade dos mais frágeis, obedecendo meramente a conceitos decorativos. Conceitos arquitectónicos exóticos, estranhos à nossa realidade geológica e que adulteram a nossa identidade. Assunto que já temos abordado em anteriores crónicas neste jornal.
Sem a substituição da calçada portuguesa por um piso liso, entre nós certamente o nosso basalto serrado, como já foi feito no centro histórico da Ribeira Grande, a primeira cidade açoriana a aderir a um vasto movimento nacional de substituição da calçada portuguesa por um maior conforto pedonal, as acessibilidades e a mobilidade pedonal ficam em causa.
Surpreendente foi a decisão da Câmara Municipal de Lisboa, a cidade de origem da calçada portuguesa, piso representativo da sua identidade geológica. Esta calçada não vai resistir ao direito à mobilidade de todos e já foi substituída por um piso liso na praça mais emblemática da capital, o Terreiro do Paço. Por cá, os nossos autarcas ainda gastam dinheiro em projectos fora de prazo, como o projectado piso da Praça Gonçalo Velho, em Ponta Delgada

 

*Jornalista
A autora escreve segundo a anterior ortografia

Teresa Nóbrega *

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