Na Festa do Pentecostes, Os Foliões, são vivo canto popular em louvor da Santíssima Trindade Os Foliões nas Festas do Divino Paráclito
Diário dos Açores

Na Festa do Pentecostes, Os Foliões, são vivo canto popular em louvor da Santíssima Trindade Os Foliões nas Festas do Divino Paráclito

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O DIVINO NOS AÇORES

Em tempo de Pentecostes, o culto ao Divino Espírito Santo, é prática cristã comum às nove ilhas dos Açores, e a sua tradição popular incutiu fortemente a crença divina da fé, portadora de toda a acção humana em louvar o nome da terceira Pessoa da Santíssima Trindade, que se tornou ícono sagrado de união do povo ilhéu, rodeado dos céus.
O Divino Paráclito, é porto de abrigo onde convergem as “âncoras” quefirmamos momentos mais angustiantes de um povo.
Pelo Divino, faz-se a união do arquipélago, aproximando a saudade da grande espiritualidade na acção caritativa aos mais pobres e desfavorecidos.
As Festas ao Divino Espírito Santo, relevam ainda na sua essência, a verdadeira fraternidade e igualdade entre todos, anúncio e sinal de festa, onde reina a alegria, a paz e a Esperança dos homens na descoberta e assentamento de novos valores éticos, de vivências na partilha do essencial, que fortalece o alimento corporal e espiritual da humanidade.
E os “bodos” nas festividades, reproduzem exactamente isto, ou seja, o sentido da partilha do melhor que se tem a ofertar para repartir por igual, sem olhar a diferenças culturais, credos, raças e extractos sociais diferenciados, tornando a festa um momento amistoso, e digno de solidariedade cristã.
O “bodo”, ainda é preocupação de preparar a grande mesa, onde dispõe as iguarias alimentares simples, o pão sustento diário, a carne e o vinho da alegria. É mesa posta, livre de marcações para que todos os participantes acedam de vontade em comer, a sopa em honra do Divino Espírito Santo, a alcatra, e beber o vinho da alegria que conduz à folia comunitária, para com seus cantares propicie o momento de louvar e agradecer dádivas.
Em Santa Maria, a mais setentrional das ilhas açorianas, o culto em honra do Divino Espírito Santo combina a devoção e o cerimonial religioso com a pulsão lúdica e profana. As distribuições alimentares promovem os valores da igualdade e da fraternidade e a festa, é a antecipação utópica do reino da abundância.
As vivências destas tradições, são a maior prova da devoção pelo Divino Espírito Santo, festejostais, que não partem da Igreja, mas, do povo que as promove espontaneamente, conservando uma tradição de séculos.

Folias- Desde os princípios da monarquia até ao século XVIII, estiveram em uso nas festas tanto religiosas como civis, e  introduzidas nas procissões com danças e outras práticas pagãs. As folias dos impérios do Espírito Santo desta ilha, são restos de extravagâncias praticadas outrora nas procissões, pois os foliões eram considerados importantes nos festejos dos impérios, e por isso mesmo, eram nomeados pelas Câmaras como garantia sócio cultural cristã das vilas e meios rurais,com obrigação de todos os seus cantares seremapenas improvisos.
Com o decorrer dos tempos, as folias foram banidas da acção litúrgica, das procissões e festas cívicas, ficando limitadas aos impérios, pois foram considerados de natureza baixa e desprezível, apelidados de intrujões e sem vergonha.(Cf. Pg. 240- A Vila da Lagoa e seu concelho, Pe. João José Tavares- Ed.1986).

A Folia: na área musical, é antiga dança portuguesa, hoje muito mal conhecida entre nós, mas cuja música conheceu grande popularidade além- fronteiras entre os séculos XVI e XVII, especialmente como tema para variações de cantares com estrofes simples e de marcação ternária, 3/4, e adaptável à temática de cantoria popular sacro e profana de improvisação poética, onde cantam os feitos e os poderes do Divino Espírito Santo.
Tornou-se conhecida especialmente por adaptar-se à criatividade da cultura popular, não só por ser uma peça curta para um solista ou pequeno grupo de instrumentos, que na maior simplicidade se executa sem necessitar de harmonização complicada, mas também por ser de tema melódico curto, a qual se tem mantido popular desde há mais de quinhentos anos.

A Folia nas acções litúrgicas
A folia, que na evolução dos tempos e das coisas é a legítima representante, nas festas do Espírito Santo nos Açores, por desempenhar um papel de destaque, como parte obrigatória e essência naquele conjunto, herança dos nossos antepassados.
No presente tempo, substituir totalmente a folia pela filarmónica, como tem sido uso nas cidades, vilas e freguesias, é tirar às nossas típicas festas o cunho que lhes imprimiram, e a moldura com que as enfeitaram nossos Avós.
Na verdade, é erro grosseiro à vista e ao ouvido, quando, no recolher do pão que há-de ser repartido em louvor do Espírito Santo, na saída dos gueixos que vão ser abatidos para a festa e na própria distribuição das pensões, aparece um desarmónico musical, que nada tem a ver com a antiga folia, usada nos grandes festejos religiosos e seculares.
A moderna orientação desastrada de incultura que tudo substitui para estragar, é ignorar tudo quanto nos vem do passado, mas, nas freguesias rurais, a folia é ainda valorizada e vive na plenitude do seu vigor, por ser ainda como que uma parte intrínseca dos festejos do Espírito Santo,porque é o enlevo do povo, a graça e o sorriso na festa do Divino.
A importância da folia (foliões), é tão rica a sua acção, que seestabelecem partidos pelas folias, e convidam-se foliões afamados de fora da terra para virem cantar; há despiques interessantes entre eles, quando se encontram no adro da Igreja; no reduto de pracetas ou ao canto de uma rua para os ouvir.
Então, é ver como aí se aglomera o povo formando circulo em volta das folias, ouvindo-lhes as cantigas, os toques e os remoques, (insinuação indirecta), estrugindo, (atrapalhação, chiadeira) de vez em quando,gargalhada livre.
É de sublinhar o que se transcreve a propósito dos cantares dos foliões.

Houve em tempos um afamado cantador em Ponta Garça, -Tio Gonçalo – como então era conhecido, que deixou na memória do povo muitas das suas quadras que não envergonhariam muitos dos nossos melhores poetas.
Um dia, ao som do tambor que ele então rufava e do pandeiro que um outro da folia batia, depois de uma série de quadras que vinha improvisando, enquanto no templo se procedia à cerimónia da coroação, lançou, Tio Gonçalo, a seguinte quadra à coroa que saía da Igreja, para processionalmente correr as ruas da freguesia:

Já foste prata batida,
Da que se faz o dinheiro.
És agora Autor da vida,
És nosso Deus verdadeiro.

Relanceando um olhar para a Igreja paroquial, que é invocada a Nossa Senhora da Piedade, no mesmo tom e na mesma música monótona, apresenta as suas despedidas, para seguir o acto processional.

Adeus nossa Mãe querida,
Do nosso Pai amoroso.
Até domingo que vem,
Que eu sigo com vosso esposo.

Em desafios, o Tio Gonçalo, era um homem forte; de uma vez trouxeram um afamado cantador do norte da ilha para se bater com ele, era alto, gordo, segundo dizem, tinha um aspecto de hércules; pelo contrário o Tio Gonçalo, era um tipo raquítico e franzino. Foi o Tio Gonçalo quem rompeu com o fogo:

Estou na tua presença,
Deves pois compreender,
Dize-me se a corpulência,
É igual ao teu saber.

A Folia e seus Trajes
A folia como é conhecida, compõe-se um grupo três ou quatro figurantes.
No grupo de três, um leva a bandeira e os outros tocam respectivamente o pandeiro e o tambor.
No grupo de quatro, um, leva a bandeira e pandeiro, os outros três, tocam a rebeca, a viola, e pandeiro, sendo este último o improvisador das cantigas que são repetidas pelos outros três.
As vestes, compõem-se de uma opa até aos joelhos, feita de chita de ramos vistosos, com mangas e um pequeno cabeção arredondado e largo de igual tecido ou de outra chita que cai sobre os ombros.
Na cabeça, uma mitra do mesmo formato da dos prelados, a qual se desconhece o uso, por ser uma insígnia episcopal.
Enfarpelada, a folia ocupa o lugar logo atrás da Coroa, lançando ao ar os seus cânticos, nos actos processionais e através das ruas da freguesia.  
(Cf.Extracto da Insula, Revista Ilustrada A-1- Nº2 (1922 -08) Pgs 9/10- Dr. Urbano Mendonça Dias); (Cf. Pg. 240- A Vila da Lagoa e seu concelho, Pe. João José Tavares- Ed.1986).

Os Foliões, são figuras associadas nas mentes populares como homens de fé cristã, vestidos com as ornamentais vestes própriase festivas condizentes com momento do tempo litúrgico do Pentecostes.
São elementos indispensáveis na abertura dos folguedos dos impérios, invocando nos seus cantares sacros e profanos o Divino Espírito Santo, enaltecendo as obras heróicas da caridade e aliadas à teologia da fé.
Os folguedos, não são apenas cantares e hinos de louvor espiritual, mas também momento de expressar a criatividade popular com as suas composições poéticas graciosas, as quais são avaliadas no acto recreativo, onde a diversão se torna contagiante e aceite com regozijo e gargalhada activa e de fé.
Os Foliões, são um termo que deriva da palavra Folia (s.f.) que significa dança animada de pandeiro ou adufe, para dar alma ao espectáculo festivo; brincadeira ruidosa; pandega. (Do francês folie), termo que quer dizer, loucura.
Os testemunhos do passado sobre os foliões, são algo de valiosa cultura popular porque os festejos do Espírito Santo foram sempre orientados pela fantasia do povo, onde sempre e hoje manifestam a fé ao Espírito Santo, tornando um momento digno da Sua Divindade.
 

José Manuel Graça Teixeira Gaipo *

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